A primeira fita que chamou a atenção pro Takeshi Kitano aqui no Rio foi “Hana-Bi, Fogos de Artifício”. Depois um dos primeiros títulos em DVD e que hoje se encontra por 9,99 no balcão de ponta de estoque foi “Brother”. Os dois são longas violentos de polícia (aquele) e ladrão (este). Kitano ainda fez o cabecíssimo “Dolls” (filme de coração do valente editor desta revista-saite, Zé José), mas como o Telecine Cult, na época em que não passava só a programação do Estação com um ano de atraso, mostrou em um festival, o sujeito fez um monte de comédias, algumas bem rasteiras, apesar da aparência de quem desconhece o que signifique a palavra “humor”. Em suma, uma espécie de Renato Aragão que de repente começou a fazer filme sério, um Woody Allen com talento mesmo.
Pois alguma coisa deve ter acontecido, tipo ele levou um pé na bunda, ficou meio arrasado e resolveu se trancar em casa algumas semanas com uns DVDs do Monty Python, de uns filmes-cabeça e nos intervalos entre os disquinhos ficou zapeando e vendo os animês e programas de auditório, tudo regado a bastante substâncias estupefacientes, que ninguém deve consumir, pois seria uma infração da Lei e estaria ainda por cima financiando o crime organizado. Aí, no meio da fumaça e da sala escura, o Kitano ficou com o pensamento nostálgico, lembrando como eram bons os tempos em que ele ficava fazendo aquelas comédias, como as coisas eram mais fáceis naquela época... e resolveu fazer uma. Detonando filmes-cabeça, os arrasa-quarteirão de bilheteria, ele mesmo, com um jeitão Monty Python, mas com aquelas coisas de cultura pop bem japonesa, saca assim? “E como é que a gente vai chamar isso”, perguntou o japa doidão fumando com ele. “Glória”, respondeu o Kitano. “Não aguento mais você falando dessa mulher”, respondeu o interlocutor, “mas ela tinha que voltar pra mim... de que adianta ser cineasta sem ela?” “Por que você não chama o filme de GLÓRIA AO CINEASTA pra ela se tocar que você ainda sente falta dela?”
E assim começou a produção. O filme sacaneia Ozu (em preto-e-branco e com câmera parada, parando a história no meio porque hoje em dia ninguém aguenta ver pessoas tomando chá e saquê durante meia hora), as fitas de Yakuza do próprio diretor, os chineses voadores e os super-samurais, a enxurrada do terror japa, até o final over-over-over-over-over-over-(...)-over-over-over, com piadinhas que lembram o estilo absurdo e exagerado do finado programa de apostas “Banzai” (que, aliás, era uma falsificação japonesa), embora sem incursões na escatologia (como aquela vez em que o show perguntava, “qual desses sujeitos é um farsante e está apenas fingindo ser um veterinário com o braço enfiado no cu da vaca, já que na verdade é maneta?”). Pra se ter a idéia da coisa, uma das cenas é quando o dublê boneco de Kitano (não pergunte) está sendo espancado violentamente; seu cabelo falso cai aos poucos; depois é a vez de seu uniforme japonga, revelando uma camisa branca com detalhes em vermelho e azul; os agressores olham aterrorizados; a câmera recua e revela-se que o boneco virou um boneco de Zinedine Zidane, com a 10 da França, que cabeceia e nocauteia todo mundo.
Isso, é claro, é só o começo; não vamos entrar em detalhes sobre o anúncio perseguindo o trem ou o robô com o soco-foguete que enfrentou Saddam Hussein. Não dá pra contar as paródias das delicadas composições das fitas sensíveis que inundam o Estação não só durante o festival, nem da sátira ao próprio último drama pesadão (em que Kitano só atua), “Consumido pelo ódio”. “Glória ao cineasta” é o tipo do filme que as piadas só funcionam (e muitas não) vistas, e não contadas. Na metade final, tudo é tão absurdamente overmente exageradamente demais que cansa e se perde um pouco. Mas, em casa, um dia, com os amigos, a fim de curtir, vai ser um barato.
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