Festival de Cinema do Rio 2008 - Apenas o Fim
A Revista Zé Pereira mudou. Agora é online, quer dominar o mundo e para isso chamou megalômanos paranóicos de toda a Web para colaborar. Fui chamado para cobrir o Festival do Rio 2008 e vou publicar simultaneamente aqui e lá tudo a que eu for assistir.
Matheus Souza resolveu se antecipar às críticas ao seu filme e faz a garota bonita comentar que leu o roteiro do namorado estudante de cinema e que parece peça de teatro, não acontece nada. A referência é à própria fita, é claro, o problema é outro, é que desde quando não acontece nada em “Henrique V”, “Peer Gynt”, “Cyrano de Bergerac”, “Rasga coração” ou “Os 7 gatinhos”?
Mas não é mais esse tipo de peça que se vê nos palcos. A herança do besteirol, o teatro que esqueceu a politização e começou a fazer humor com referências da cultura pop e dos rituais diários de uma classe média mais globalizada e sofisticada urbana, foi o espetáculo sobre relacionamentos com um viés cômico. Exigia pouca gente, nada de cenários suntuosos ou efeitos elaboradíssimos de luz, muito menos coreografias ou cenas de luta e duelo. A coisa foi se radicalizando até que os atores começaram a se produzir buscando textos que fossem monólogos e se encaixassem nesse perfil confessional. Assim sairia barato e daria chance à estrela de brilhar. E esse formato, explorado à exaustão, sobrevive até hoje, com vários deles habitando neste momento os tijolinhos dos cadernos culturais e alguns lotando os teatros. Transpor isso para as telas é complicado porque o cinema não tem a presença física do ator junto à platéia. Mesmo com essa vantagem poucas dessas produções arriscam-se a ir além de uma hora de duração.
Por isso “Apenas o fim” desde o começo avisa que a história durará uma hora. Com cinco minutos de filme os personagens já estão delineados e já sabemos tudo que vai acontecer com eles. A garota bonita resolve terminar tudo com o namorado nerd e sensível e os dois se despedem durante uma hora, relembrando o namoro. Não há nenhuma explicação plausível e os flashbacks e memórias, menos do que esclarecer a história emocional dos dois, são um veículo para o estudante de cinema falar de si próprio. Sua namorada, mesmo levando-se em conta que é mostrada pelo ponto de vista do garoto, é apenas uma escada para os ditos espirituosos e comentários irônicos do sujeito. Alguns excelentes e engraçadíssimos, outros nem tanto, todos contando com um Gregório Duvivier que extrai o máximo de cada um. Já nos momentos dramáticos o elenco não rende tanto, até porque eles aparecem forçada e subitamente no meio da história, como se quem estivesse escrevendo lembrasse de repente que era preciso um pouco de emoção.
Mas essa crítica aí em cima está sendo feita como se a fita tivesse saído de Hollywood, das mãos de veteranos artesãos. “Apenas o fim” é um longa de um rapaz de 19 anos que juntou os amigos de faculdade e botou um filme em pé, assim como o Colombo fez com o ovo – falar é fácil, quero ver fazer. Precisando de uma historinha que prendesse a emoção, pudesse ser filmada no campus da universidade e tivesse pouca gente, é quase impossível para um adolescente conseguir pensar em outro enredo que parecesse verossímil. Há excelentes diálogos e o esquete com o sonho da menina no quadro-negro é hilariante. Argumentando-se agora como um universitário com menos de 20 anos, a grande reclamação é que o rapaz repete várias vezes como sua namorada é a moça mais louca que ele já encontrou e em qualquer curso superior de ciências humanas aquela personagem não pega nem banco de time juvenil; aliás, os dois mais parecem namoradinhos de segundo do que de terceiro grau.
O estudante de cinema é um nerd sensível, não é bonito, sente-se meio desajustado e um perdedor; é óbvia a influência de Woody Allen, sendo desnecessário para se chegar a essa conclusão a aparição do poster do cineasta no que provavelmente é a casa do protagonista. Allen é a grande influência que criou o filme sobre relacionamento, quando nos anos 70 a mudança de valores, inclusive sobre responsabilidade e maturidade (veja a crítica sobre “Juventude”) fez as pessoas passarem a encarar casamento como apenas outro tipo de namoro. Assim como o teatro lá em cima, Allen começou fazendo besteirol e depois resolveu falar sobre as pessoas. Como já disse uma dramaturga ianque cujo nome me escapa agora, nos anos 90 o buraco na camada de ozônio aumentou, a CIA teve o orçamento aumentado e age em cada vez mais países, com mais abundância do que nunca na história, cada vez maior é a desigualdade social, o fascismo, a intolerância religiosa e o racismo estão voltando no mundo inteiro e qual a grande obssessão dos autores e do público americanos? Os relacionamentos.
Woody Allen costuma pintar um mundo injusto com as pessoas mais sensíveis e desajustadas, com mulheres, grandes, incompreensíveis e assustadoras demais. Os personagens de Allen são sempre obcecados com elas, sendo os que mais genuinamente as amam e por isso os que normalmente se dão mal, vítimas de um destino injusto e arbitrário. Para os adolescentes nerds a identificação é automática, afinal as mães lhes dão (ou deram até ontem) a sua mesada, moram com eles e os controlam (ou o fizeram até ontem), e eles ainda estão (ou não) começando a descobrir a independência e a vida lá fora.
Mas isso é uma fase que acaba com a juventude. Depois as pessoas crescem, tomam boa parte da vida nas próprias mãos e tornam-se responsáveis por seus atos. Existe sorte, é verdade, mas ela sempre está do lado de quem realmente quer alguma coisa. Com o tempo se descobre que as pessoas são vítimas apenas do que elas fazem com suas próprias vidas. "Nada acontece a uma pessoa que não se pareça com ela", já dizia Aldous Huxley. Sempre que alguém pensasse em fazer uma história de relacionamento meio Woody Allen, deveria ser contando o que leva um velho rico, bem-sucedido, famoso e respeitado a comer a própria filha menor de idade, pelas costas da mãe, e ainda por cima passar o tempo todo reclamando como a vida é injusta para com ele. Esse seria um filme interessante.
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