O History Channel anuncia um programa que tenta ligar a civilização minóica a Atlântica. Florescendo antes da Grécia clássica (a quem influenciou muito), os minóicos viviam em Creta e tinham palácios com instalações hidráulicas de esgoto de água corrente, rituais com touros, uma moda que deixava as mulheres com os peitos de fora e muitas referências pictóricas a um estilo de vida alegre, esportivo e festivo.
Esses cretenses, morando numa ilha e comerciando com povos menos desenvolvidos, tiveram séculos de paz. H. G. Wells, socialista romântico como eu, argumentava que qualquer povo sem inimigos desenvolverá a arte, a ciência e o amor pela vida. No entanto a maioria dos pensadores tem uma tendência a acreditar que os humanos são agressivos e fãs da guerra por natureza (o que não tem nada a ver com gostar de história militar como eu!!!), que o homem é o lobo do homem, que a raça humana é imperfeita e essas coisas. Então por que quando as civilizações são deixadas em paz como os minóicos e os impérios birmaneses eles viram quase que uma espécie de comunidade hippie com uma visão prática da existência?
É por causa dos outros. Do mundo nada se leva, mas se deixam os genes. Já li uma história de ficção científica que contava a saga de exploradores que deixaram seus lares havia eons. Eles partiram em espaçonaves, construíam-nas e ampliavam-nas enquanto singravam o espaço e, de vez em quando, um grupo resolvia sair pra outro lado, então eles pousavam em alguma Casa do Alemão sideral, construíam uma navezinha menor e se mandavam pra outro lado. A metáfora era que nós como espaçonaves e os exploradores como nossos formadores de cromossomas (meio deprimente, mas cientistas são muito deterministas e escritores de ficção científica dos anos 50, 60 e 70 tinham aquela visão pessimista do futuro, até porque tudo levava a crer que ele viria logo a bordo de uma bomba atômica).
Por causa desse nosso instinto em proteger nossos genes mesmo depois que já nos chamarmos saudade é que nos leva a ser tão facciosos e hostis ao outro. Nós nos agrupamos em torcidas organizadas, partidos, esquerda e direita, socialista e capitalista, como extensão de nossa família, nosso clã extended play. A própria palavra "pátria" vem de pai, paternidade; quando então é a pátria-mãe, fodeu tudo: é pai e mãe, é a terra que alimenta, precisamos protegê-la destruindo o outro, o inimigo, Ahriman, o adversário, Satã, Lúcifer. Só quando não se tem outro é que pode germinar a alma sobre a matéria. Só quando ao nosso lado só vivem nossos patriotas, nosso clã, nossa família, nossa imensa e querida família, só nesse caso pode-se começar a construir um caminho para a utopia.
É justamente este conceito de "eu e minha família contra o mundo" que a manjadíssima frase cristã de que somos todos irmãos tenta combater. Nós normalmente ouvimos essas homilias religiosas sem parar pra pensar. Se fôssemos realmente todos irmãos - daqueles que se dão bem - e pudéssemos sempre contar com qualquer um para nos ajudar, imagine que mundo seria. Vamos morrer. Do mundo nada se leva. E, no entanto, vivemos para garantir o futuro de nossos filhos, de nossos genes. Imagine uma grande comunidade. Imagine all the people living for today.
As grandes religiões - que, como já falei aqui, no fundo são todas convergentes - bem sabem disso. O cristianismo não só diz que somos todos irmãos. Existe a passagem do Evangelho de Mateus em que Jesus renega sua família se sangue ("Falando ele ainda à multidão, sua mãe e seus irmãos estavam do lado de fora, pretendendo falar-lhe. Disse-lhe alguém: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te. Porém ele respondeu ao que lhe dera o aviso. Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe." (Mateus 12:46-50), episódio bem mostrado no talvez mais belo filme religioso cristão já feito, O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS, do homossexual ateu comunista Pasolini (é sério, ele era fascinado pelos ensinametos dos evangelhos, embora odiasse a religião organizada; num de seus muitos laivos narcisistas, entretanto, escalou a própria mãe no papel de Maria). Já o budismo tem um dito muito famoso, "Se encontrar o Buda, mate o Buda. Se encontrar seus pais, mate seus pais", pois o apego tanto a figuras totêmicas quanto aos laços de família impedem que compreendamos que este mundo é ilusão.
Jesus não tem família. Buda matou a sua. Eis o caminho da iluminação.
março 02, 2008
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3 comentários:
eu gosto da dona iêda
"Pois todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe."
Epa, essa frase é uma oração restritiva.
Logo, em Suas próprias palavras, o que NÃO fizer a vontade do Pai não é irmão de Jesus. Existem os que são sua família e os que não são.
Putz, mas ele mandava dar a outra face em caso de agressão.
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