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Bill Watterson, o criador de Calvin, sempre foi um caso excêntrico no meio dos quadrinhos diários de jornal. Nunca montou equipe para produzir sua tirinha, nunca liberou o pivete para merchandising (toda mercadoria que você vir relacionada ao moleque é pirata), tirou férias de um ano porque estava se tornando repetitivo e algum tempo depois, quando completou cerca de dez revoluções em torno do Sol contando as aventuras do garoto, fechou o botequim definitivamente com medo de cair na mesmice e na mediocridade em que caem todos os quadrinistas de periódicos depois de algum tempo (alguém se lembra como Garfield já foi considerado genial?).

Watterson discutia o tempo inteiro com seus distribuidores e uma de suas brigas foi quanto ao formato da tirinha. O Globo me conquistou como leitor láááááá nos anos 70 por causa do Globinho supercolorido. Acompanhar uma página semanal de Asterix, Mortadelo & Salaminho e Tom & Jerry, mais Flash Gordon e Príncipe Valente (essas páginas também eram semanais, mas saíam no suplemento de cultura durante a semana), mais a ração diária de Fantasma, Dick Tracy, Mandrake, Capitão César, Jim Gordon, Pafúncio, Tarzan, Kerry Drake me ganharam para o jornalismo impresso já na tenra infância. Um dos motivos para não me sentir à vontade com o JB, por exemplo, era seu mix de quadrinhos mais adulto - Mago de Id, A. C., Versus...

Pois a partir dos anos 80, com a obsessão em corte de custos, a página de quadrinhos foi sendo diminuída. Tiras em continuação foram sendo limadas e o espaço encurtado. Os suplementos dominicais passaram a vir menores, com menos folhas e com a piada semanal limitada a dois tirões. O artista produzia na verdade três desses tirões, sendo que o primeiro, apenas com metade do tamanho e o título, continha uma gag separada e podia ser cortada pelos diagramadores.

Além de diminuir o número de tiras, também diminuiu o tamanho que cada uma ocupava. Coisas como Agente X-9 e Flash Gordon, com desenhos detalhados e sombras reticuladas, tornaram-se impraticáveis. Mesmo traços bidimensionais como o de Kid Farofa sofreram, pois as formas geométricas de Tom K. Ryan (1) empastelavam no quadrinho. Watterson argumentava, com razão, que isso limitava as piadas a sequências de cabecinhas falantes em poses repetidas, sem cenários, sem fundos e sem movimentação. Graças à sua extrema popularidade, ele conseguiu que seu distribuidor impusesse a todos os jornais a proibição do corte do primeiro tirão dominical - assim Calvin podia ter painéis de tamanhos variados, panorâmicas, sangrias e explorar todos os recursos gráficos disponíveis em seu espaço.

Watterson se aposentou. A última tira a fazer grande sucesso antes dele tinha sido Garfield e a seguinte seria Dilbert. Ambas têm desenho simplificado e desenho estático (que funciona bem em Dilbert pela sensação de opressão que Scott Adams insere na série e em Garfield para acentuar a modorra do protagonista felpudo). Por isso cada vez mais os webcomics vão ganhando seu espaço, sem limitações de conteúdo, tamanho, número de quadrinhos e preocupações com piadas que todos possam entender. A Time escolheu, por exemplo, a (na minha opinião, chatíssima) Achewood como a melhor tira de todos os tempos. Certo, alguém impressionável escreveu a matéria, tanto quanto aquele sujeito que foi fazer a lista de melhores discos brasileiros de todos os tempos e botou vinis de Ronnie Von e Erasmo Carlos entre os top 5 (gosto de ambos, mas isso já é doença). Não deixem portanto de conferir a já recomendada www.xkcd.com e a imitação feita por uma amiga dele, a www.decorumcomics.com.

Ah, junto vai aí uma tirinha do Strip Generator. Como já estamos há anos lendo na página de quadrinhos as séries viciadas que Watterson temia que dominassem o mundo, esse sáite funciona que é uma maravilha.

(1) Tom K. Ryan, de quem nunca fui muito fã, por não gostar do seu traço estático e seu humor de um nonsense óbvio, encerrou sua tira no final de 2007. Após 40 anos, temia cair na mesmice. Já tinha, há muito tempo.