Postei um artigo sobre o Wilson Simonal semana passada e recebi dois comentários dizendo que eu fazia acusações infundadas ao sujeito.
Quanto às acusações, realmente não faço a menor idéia se são verdadeiras ou não. Elas apenas constavam da reportagem de cada do Segundo Caderno do dia da postagem, incluindo uma declaração do famoso contador que teria sido a vítima contando como a surra que ele levara com o negão olhando tinha arruinado sua vida. Ao que parece, a história consta também de um livro do Ruy Castro, mas não fiz nenhuma apuração pessoal sobre o assunto e, portanto, não posso afirmar nada com certeza, mas cito aqui minhas fontes, reclamação com eles, por favor.
A idéia da postagem não era discutir o caráter de Simonal, mas a velha explicação de que sua derrocada teria sido causa do patrulhamento ideológico que sofreu. Um dos comentaristas, anônimo, alega que Henfil teria sido particularmente cruel em sua perseguição. Nenhuma novidade aí - o Henfil tinha um humor particularmente agressivo, justamente o que o fez famoso, ao lado do traço inovador. Também eram objetos de sua ira Elis Regina e Caetano Veloso e nenhum deles teve a carreira arruinada por isto.
Já no final dos anos 70, na era da Abertura, li uma matéria numa revista de cultura -não adianta me perguntar qual a esta altura, acho que era a Careta ou uma dessas outras de curta duração - que era uma mesa-redonda para avaliar qual era afinal a importância de Roberto Carlos. Depois de muito debate, as sumidades chegaram à conclusão que ele era medíocre e ruim, e sua única importância histórica fosse talvez ter ajudado a introduzir a guitarra elétrica na música brasileira (um deles admitiu que gostava das músicas da Isolda). No COMEÇO dos anos 70 a esquerda era muito menos condescendente com o Rei e ainda nos anos 80, por mais que você passasse seus dias na cinemateca do MAM vendo filmes preto-e-branco e mudos, ninguém o levava sua pseudo-intelectualidade a sério quando você dizia gostar de Roberto Carlos e Guerra nas Estrelas (embora o pessoal do meio já soubesse um pouco mais das coisas; lembro do Abel Silva dizendo numa aula que só quem não gostava de Roberto Carlos era o "novo rico cultural").
Quando eu era criança e fazia alguma merda e depois procurava desculpas, meu pai me dizia que eu tinha que assumir a culpa - "homem que é homem assume o que fez". Certo, um conceito muito judaico-cristão, mas inegavelmente um bom conselho para crescer. Escorados em conceitos superficiais de psicanálise e vivendo numa sociedade materialista, consumista e hedonista que criou os nerds que assistem a desenho animado com mais de 40 anos e os adolescentes de 35 anos (Friends! Seinfeld!), nós perdemos o medo de atribuir nossos erros e falhas aos outros, aos motivos externos. O próprio cristianismo já não dá mais tanta importância ao pecado e criou a igreja fast-food, em que tudo é culpa do diabo e pagando uma graninha você está construindo seu caminho para o céu (1). Nós criamos uma cultura em que os culpados são nossos pais, nossos vizinhos, nossos políticos (quem botou esses caras no Congresso, afinal?), a imprensa... uma cultura em que os jogadores de futebol, depois de ganhar um título, pegam o microfone e, em vez de comemorar, dizem que "este título é uma resposta àqueles que disseram que eu bla bla bla..."
Em 1985 fui aprovado para fazer o Curso Bloch de Jornalismo, em que você fazia uma prova e, se aprovado, tinha que assistir a uma espécie de cursinho básico para estagiários. Fiquei estupefatamente pasmo quando, defendendo a atualidade e contemporaneidade do conceito da revista Manchete, o professor, em uma das aulas, dizia que a Veja só vendia mais que o carro-chefe da casa porque nos anos 70 o governo brasileiro investiu muita grana nela para vender subliminarmente o planejamento familiar (!!!!) Sim, claro, se o Adolpho em pessoa dissesse isso, um sujeito muito idoso e com dificuldade para se adaptar aos tempos, tentando se agarrar a uma explicação qualquer que não desmerecesse o trabalho de sua vida... mas um cara em plena flor da idade, de seus 30 anos, encampando esse discurso! (Pra quem não sabe, a Manchete era um hebdomadário que era parte Caras e parte noticiário de tevê - isto é, pouco texto e muitas fotos coloridas. Uma matéria típica da Manchete seria sobre a Amazônia e teria umas linhas ufanistas sublinhando enormes fotografias multicores. Quando viagens eram caras, ninguém tinha tevê colorida e mesmo esta não dispunha de satélites baratos e equipamentos portáteis de qualidade pra mandar belas imagens desde Casa do Caralho Ventoso Que Faz a Curva Onde Judas Perdeu as Botas, tudo bem, mas quando o televisor se popularizou, manter nas bancas um produto caro - por ser de formato grande e exigir papel de qualidade - baseado em fotos bonitas era uma aposta arriscada. No começo dos anos 90 ela já não era encontrada nem mais em cadeiras de barbeiros).
Então, voltando ao assunto, quando ao mau-caratismo do Wilson Simonal, nada posso afirmar, pois não conheci o sujeito. Trabalhando em teatro, sei que correm soltos rumores sobre as personalidades do povo do meio e, sim, isso pode atrapalhar sua carreira, embora a) quem está no topo fica completamente imune a essas coisas e b) esses rumores nunca são infundados. Quanto às acusações de que O PASQUIM teria acabado com a carreira dele, acho apenas mais uma desculpa como a do Denílson dizendo que jamais soltaria a bola porque fôra assim que ele chegara à seleção (e foi assim que ele saiu também). Simonal apostou em manter seu jeitão crooner e seus arranjos big band numa outra era musical. Meu pai, que nunca leu O PASQUIM e odiava aqueles baderneiros, estava deixando de comprar Simonal no começo dos anos 70 pra comprar Martinho da Vila. O perseguido Roberto Carlos vendeu mais do que os Beatles. Caetano Veloso é o grande tantã branco da cultura brasileira. Modas e pessoas vêm e vão e a música é EXTREMAMENTE suscetível a modas. Jovem Guarda, Rock Brasileiro dos anos 80, Música Sertaneja, Benito di Paula, É o Tchan, isso tudo foi extremamente popular e foi-se. O Roger, do Ultraje a Rigor, está sempre tentando voltar.
Agora mesmo o governo Lula é perseguido pela grande imprensa e continua batendo récorde sobre récorde de popularidade. Os petistas até hoje atribuem a derrota do atual presidente para o Collor a uma maldosa edição que a Globo teria feito do último debate no Jornal Nacional - qualquer um que tenha assistido ao tal debate viu que o ex-metalúrgico teve um desempenho simplesmente catastrófico. Eu me lembro de ver esse negócio na casa de uns amigos. Antes de começar a transmissão, os petistas pareciam botafoguenses: cantavam musiquinhas políticas antigas, falavam de suas antigas campanhas, de como o futuro parecia brilhante, de como o Cuca era um gêni... ooops, me enganei um pouco. Certo, continuando, ao fim do encontro, esses mesmos amigos estavam com uma cara de enterro. Um deles rompeu o silêncio, comentando "é, né... não foi muito bom, né..." No entanto, até hoje a culpa é jogada em cima do malvado editor de televisão, enquanto o Lula, ao ouvir o Collor dizer que nunca tinha tido a chance de ter um aparelho de som 3 x 1 como o do nordestino (um 3 x 1, por Tutatis! A família do Collor era dona de rádios, tevês e jornais!!!!), nada dizia.
Estes são os tempos em que a culpa é sempre dos outros. Somos cada vez mais estimulados a buscar o prazer pessoal e instantâneo, imersos que estamos numa sociedade de MUITO, MAS MUITO MESMO consumo. Por isso, não podemos nos sentir culpados pelos outros. Eles que se virem. Nós vamos nos divertir. Depois dá merda e aí a culpa é de...
(1) As igrejas evangélicas, mesmo as mais famosas por suas práticas... uh... pouco ortodoxas, são alvo fácil de acusações como esta, mas sempre gosto de ressaltar a quem critica essas seitas, dizendo que não sabe como alguém adere a elas, que elas não sabem o trabalho que esse povo faz, mantendo os templos sempre abertos para ajudar quem precisa, e como eles são uma importantíssima muleta psicológica para os necessitados, os desesperados e os desesperançados e despossuídos em geral. Muita gente bem-sucedida não se importa de financiar iates, mansões e carrões de pastores e bispos suspeitos porque esses caras ficaram ao seu lado quando eles mais necessitaram e isso não tem preço - e este é o papel da religião. É por isso que os céticos vão passar a eternidade provando que a ciência funciona e a religião e a magia não, argumentando que a ciência aumentou a quantidade da vida das pessoas etc. etc., sem perceber a importância na qualidade de vida que a metafísica tem.
abril 03, 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Não há qualquer verdade em tudo o que foi dito contra Wilson Simonal ao longo de quase quatro décadas, o suposto envolvimento com a repressão já está mais do que esclarecido. Simonal foi desmoralizado porque a mídia promoveu uma campanha sórdida contra ele e a classe artística tratou de engolir rapidinho todas as mentiras. O próprio Jaguar (um dos mentores da campanha promovida pelo Pasquim contra Simonal) já admitiu que "talvez tenha cometido um engano", mas que está muito velho para rever posições: "Foi um impulso meu, ele era tido como dedo-duro".
O depoimento dos policiais não passou de mentiras para livrar a cara deles mesmos, que, envolvidos na questão do contador, precisavam justificar porque utilizaram as dependências do DOPS. O inspetor Mário Borges, em sua defesa, mentiu em juízo ao dizer que "interrogou" Rafael Viviane porque Simonal era um informante, e que, por isso, acreditou que o preso era um terrorista perigoso. Entretanto, o superior dele, o inspetor Vasconcelos, DESMENTIU o testemunho, mas, este depoimento, apesar de constar no processo (3450), ESTRANHAMENTE não ganhou as páginas dos jornais. Simonal cansou de repetir isso, mas, alguém lhe deu ouvidos?
O próprio Boni admitiu, com todas as letras, que se Wilson Simonal fosse realmente um colaborador da ditadura, ele teria sido, naquela época, a ÚNICA atração que teria total aval para ir ao ar na Rede Globo. Elementar...
Simonal incomodava muita gente porque se negava a dizer amém à sociedade racista da época. O preconceito racial era explícito, normal e corriqueiro, o estranho era alguém agir diferente. O Brasil sempre foi um país hipócrita, não nos iludamos, nada mudou, a diferença daqueles tempos para os dias atuais é que agora, além de ser crime, o racismo também é "politicamente incorreto", o que não o elimina, apenas camufla. Como disse Florestan Fernandes, "o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito".
Dá para imaginar o estardalhaço que fazia um negão boa pinta desfilando de nariz empinado, todo cheio de si, a bordo de carrões e derretendo o coração das "lourinhas de família" – era um sacrilégio, a sociedade não engolia. Muitos dizem que Simonal cavou a própria cova porque era arrogante e metido. E daí, qual é o problema, é crime? A meu ver ele não destoava em nada de tantos outros artistas a não ser por uma enorme diferença: cometeu o pecado de nascer negro. Se fosse branco, certamente não faria diferença. Estava mais do que certo, tinha de se armar contra os que não admitiam que um negro nascido numa favela chegasse lá. E, além do mais, ele podia ser empinado, metido, e o que mais quisesse, afinal, não é qualquer um que consegue ser O MAIOR CANTOR de um país tão grande. Ele incomodou sim, arrebatou multidões e alardeou seu talento aos quatro cantos… imperdoável.
Não estou dizendo que Simonal era santo. Ele cometeu um gravíssimo erro ao envolver-se na questão com o contador, mas, foi processado, condenado e cumpriu a pena – pagou a dívida com a sociedade. Porém, as coisas não foram tão simples: ele deu a munição necessária para os que queriam vê-lo pelas costas: a mídia e a classe artística. Era tudo o que queriam, um motivo, um deslize, uma pisada em falso, pois não suportavam ver um negro num posto tão alto. Tornou-se um perigo tanto para a esquerda quanto para a direita porque dominava as massas - contra fatos não há argumentos.
Não é difícil compreender toda esta história, basta o brasileiro ter real interesse em pesquisar e saber o que houve. Tudo poderia ter sido diferente, não fosse a mídia canalha que enaltece e destrói a bel-prazer, e, pior, emudece quando lhe convém. Quantos, quantos casos conhecemos? Já passou da hora de reconhecermos que Wilson Simonal é um patrimônio cultural nosso, devemos isso a nós mesmos.
A propósito...
Creio que as opiniões a seguir têm alguma relevância:
"O fenômeno Simonal mostrou a cultura secreta brasileira, realizou o futuro no presente. E o que é melhor, Simonal sabe o que está fazendo, não tem medo e provou que é realmente doutor em música." MAESTRO TOM JOBIM
"Simonal tinha um talento singular. Trabalhar com ele foi uma grande escola para todos nós. Fazia uma música pop, de penetração em todas as camadas sociais, leve, alegre e de uma qualidade absurda. O disco tinha o mesmo cuidado que era passado para o palco. Simonal sempre soube muito bem o que queria fazer e tinha um tino artístico e profissional muito forte." CÉSAR CAMARGO MARIANO
"Muita gente tinha inveja do Simonal porque ele era um crioulo de muita cultura e o maior cantor do país." NONATO BUZAR
Paro por aqui, não vou citar os elogios rasgados de QUINCY JONES, HENRY MANCINI, STEVIE WONDER, SARAH VAUGHAN, entre outros, a Wilson Simonal, creio que não será necessário.
Abraços.
Enviar um comentário