Quando o Bill Gates avisou que ia deixar a presidência da Microsoft (1) para se dedicar a ajudar a humanidade através da fundação Bill & Melinda Gates, calhou d'eu assistir a um pedaço do Manhattan Connection, coisa que não costumo fazer porque só fui assinar tevê depois da morte do Paulo Francis.
Pois nesse dia perguntaram ao filho do ocultador de assassinos, Diogo Mainardi, o que achava da idéia do então homem mais rico do mundo se dedicar a combater o mal e a injustiça. O rapaz, com seu conhecimento geral superficial, típico de quem aprende muito através de fontes de segunda e terceira mão (a famosa "cultura de almanaque"), saiu-se com uma que Gates já tinha feito mais do que o suficiente pela humanidade com a Microsoft.
Tudo bem, apesar de querer parecer, Diogo Mainardi não é um nerd. Se o fosse, saberia que a Microsoft é, inegavelmente, uma empresa competentíssima e que soube aproveitar perfeitamente a onda de desregulamentação do mercado para crescer (é famosa a frase de Bill Gates no começo dos anos 90, "o Windows não estará pronto enquanto o Lotus 1-2-3 puder rodar nele. O Lotus era então o programa mais vendido para computadores; planilhas eletrônicas eram então praticamente a única verdadeira razão para empresas investirem em informática).
Pra começar, mesmo o ponto de virada da Microsoft, o programa que fez sua fama e construiu sua fortuna, o DOS, o sistema operacional que vinha de fábrica nos primeiros IBM PCs, não era da empresa. Na época, quem dominava esse mercado nos micros de 8 bits era o CP/M (embora cada máquina viesse com seu próprio OS de fábrica gravado numa EPROM, você poderia carregar outro sistema). No entanto, nessa época os programadores eram malucos (na Lotus os empregados tinham sessões de meditação) beleza e o dono do aplicativo esqueceu da reunião com os executivos da IBM porque estava brincando de ultraleve. A esposa dele tentou contornar a situação, mas não conseguiu.
Foi então que Bill Gates teve sua chance de ouro. Procurou a Big Blue e vendeu um sistema operacional pra ela. Só que ele NÃO TINHA um sistema operacional. Assim que saiu da reunião, foi à casa de um sujeito que tinha um, chamado Q-DOS (de Quick Disk Operating System, mas, segundo as más línguas, queria dizer Quick and Dirty Operating System) e comprou-o por alguns milhares de dólares, em seu caminho rumo ao seu primeiro milhão!!!!
O que mais teria ele feito pela humanidade? O Windows, todo mundo sabe, é uma cópia malfeita do sistema operacional do Apple Mac (que, por sua vez, roubou a idéia da interface gráfica da Xerox). As primeiras versões, até o Windows 3.11, eram um programa que rodava por cima do verdadeiro sistema operacional, o DOS, baseado em caracteres. Nesta época existia o DR-DOS, da Digital Research, que permitia multitarefa, ao contrário do DOS, e rodava em máquinas bem menos robustas que aquelas exigidas pelo Windows. Pois não é que a Microsoft criou um executável que dizia que poderia haver problemas de compatibilidade quando alguém tentava carregar as janelas por cima do DR-DOS?
Carregar a interface gráfica por cima do DOS, não planejado para isso, era uma verdadeira confusão. O DOS só gerenciava 640 K, enquanto as janelinhas manipulavam com destreza os novos pentes de memória com megabytes disponíveis. Por isso, era preciso que parte do Windows instalasse primeiro o gerenciador de memória no espaço disponível para então poder se carregar. Era a época do gerenciamento dos programas residentes nas páginas de memória estendia entre os 640 K e o primeiro megabyte, que por problemas de desenho, ficavam à toa e começaram a ser usados com esse fim. Levava um tempão, nunca dava certo e você sempre ficava devendo alguns kbytes, além de exigir um tremendo conhecimento de informática.
Pra diminuir a complicação, a IBM e a Microsoft se associaram para criar uma interface gráfica que fosse sistema operacional e aproveitasse a arquitetura de 32 bits dos processadores x86, o Operating System 2 (OS/2). Só que, no meio do caminho, a Microsoft pulou fora e, tendo aprendido o suficiente, foi fazer sozinha a sua versão da coisa, o Windows 95, que era virtualmente uma cópia do OS/2, só que ocupava mais espaço em disco e exigia uma máquina com o quádruplo da memória, na época em que essas coisas eram muito caras. Só que a IBM não conseguiu interessar ninguém em criar programas pro OS/2 e ele, que nunca foi um sucesso de vendas, desapareceu.
A Microsoft, sempre uma companhia ágil, gostou da interface do editor de texto Ami Pro e fez igual no seu Word for Windows 2.0. O primeiro fracassou porque sua empresa, a Lotus, não tinha um programa para texto na versão DOS, o que exigia importação de arquivos em outros formatos. No começo dos anos 90, as pessoas, sempre com medo de aprender algo novo, tentaram continuar usando seus processadores de texto DOS nas janelinhas, mas como o Word já tinha sua base de clientes na época dos caracteres, conseguiu fazê-los migrar mais rápido e dominou o mercado. As outras empresas de software custaram a lançar suas versões para interface gráfica, apostando que o (então) pesado e caro Windows fosse apenas uma moda passageira.
A Microsoft quase perdeu sua liderança na época do Netscape, o primeiro brauser a tornar a navegação pela Web fácil e agradável. Para destruir o rival, o Windows passou a vir com versões gratuitas do Explorer. Puro dumping, mas na época da globalização neoliberal, era uma atitude louvável que beneficiou o consomidor com um produto grátis a custa apenas de um virtual monopólio (2).
O novo pesadelo da Microsoft é o Linux. Depois do Windows 3.1, que EXIGIA que você tivesse pelo menos noções básicas de como funcionava um computador, a empresa passou a direcionar seus sistemas operacionais para a facilidade de uso e também para a ocultação de seus processos. Se, por um lado, tornou mais fácil o manuseio do micro, criou também uma legião de clientes que não sabem como se portar se uma vírgula mudar de lugar nos menus. A interface dos últimos Windows esconde arquivos de sistema, oculta extensões de nomes de arquivos, complica o acesso ao gerenciador de dispositivos e exibe o conteúdo do disco rígido de uma maneira tão pouco prática que torna o usuário comum um verdadeiro dependente das janelinhas; se alguma coisa mudar um pouquinho de lugar, ele não sabe nem como começar a rodar os programas.
O Linux, por ser um sistema operacional gratuito, está sendo adotado nos laptops de baixo custo do projeto Um Laptop Por Criança e nos EEEs PC da Acer (3). A Microsoft já se disponibilizou para fornecer Windows "downgradeados" para tais máquinas, com medo que os jovens de hoje comecem a aprender Linux e, quando crescerem, passem a usar tal produto (não à toa a empresa de Bill Gates nunca realmente fez grande campanha anti-pirataria; ela sabe que dominar o mercado doméstico está criando novos usuários que vão preferir as janelinhas no trabalho).
Em suma, Bill Gates mostrou-se um genial executivo, mas a maioria de suas visões de futuro (a Internet não tem muito futuro, ninguém nunca vai precisar de mais de 640 quilobaites de memória, geladeiras e aspiradores com Windows, não previu a explosão do MP3 e a importância dos mecanismos de busca, perdendo definitivamente a liderança para o Google) mostraram-se furadas e sua empresa sempre foi muito ágil em adaptar-se às inovações dos outros. O verdadeiro agradecimento deveria ser feito ao pessoal da Xerox de Palo Alto que desenvolveu a interface gráfica e à turma do Steve Jobs que resolveu que valia a pena investir no negócio mesmo que para facilitar a vida dos usuários fosse necessário sacrificar os então caríssimos poder de processamento e de memória.
(1) Piada velha do Casseta e Planeta: o nome da empresa é homenagem aos atributos físicos do Bill: em inglês, "micro" quer dizer "pequeno" e "soft" quer dizer mole.
(2) A Netscape também perdeu sua chance quando, por volta de 1995, 1996, quando vivia seu grande momento, resolveu ser o "sistema operacional" do WebPC - um computador pessoal que teria apenas o brauser; para rodar um programa, o usuário se conectaria à Internet, usaria um software pela rede e guardaria seus arquivos na própria Net. Para adoçar a coisa, ele serviria também como videogame e CD player (na época em que começava a era da multimídia). Sempre tive dúvidas da viabilidade do conceito no mundo do acesso discado (e pago) por modem. Quando o preço final da coisa foi anunciado como sendo 2/3 daquele de um computador completo e novinho, ficou claro que era mais negócio comprar uma máquina usada ou um pouco obsoleta para este papel. Surpreendentemente os executivos que bolaram a coisa ficaram perplexos quando tudo foi por água abaixo mais rápido do que o Titanic. A capacidade de auto-ilusão dos homens de negócios é fantástica.
(3) Há mais de dez anos que meus amigos e eu, achando lepitópes muito caros, dizíamos que gostaríamos de ter uma maquininha que servisse pra digitar textos, acessar a Internet e pronto. Finalmente alguém a lançou - o EEE PC. Que chegou ao mundo numa época em que um lepitópe básico custa pouco mais de mil reais, enquanto o EEE custa pouco mais de 800. Novamente alguém perdeu uma chance de ouro de dominar o mercado. O único interesse no EEE neste momento é que ele é leve e mais fácil de ser carregado. Alguns anos atrás seria um fenômeno de vendas. E pensar que empresas de alta tecnologia pagam fortunas mirabolantes pra "visionários" dizer que produtos as pessoas gostariam de ter.
junho 30, 2008
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