No ótimo e novo neo-noir do ótimo e velho Sidney Lumet, ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO, a gostosíssima quarentona Marisa Tomei só vai aparecer vestida na quarta vez em que tem uma longa cena. Inclusive a abertura é com ela de quatro trepando açodadamente com o também pelado Phillip Seymour Hoffman, antes deles começarem um variado rodízio de posições. Ao contrário do que a maioria dos machos heterossexuais - público alvo de uma tensa história policial - poderia pensar, os peitos siliconados e esguias curvas da talentosa pós-balzaca são quase um suicídio comercial para o cinemão americano hoje em dia.
Quando eu era moleque nos anos 70, a imensa maioria dos filmes era censura 18 anos. Vivíamos sob uma ditadura e tomadas de mulheres nuas de costas da cintura pra cima já garantiam censura 14 anos. Além disso, depois dos anos 60, com a explosão do cinema de autor, os diretores americanos também começaram a introduzir temas mais adultos - com a consequente exibição de cenas de sexo. A MPAA, a associação de indústrias de cinema, por consequência, resolveu classificar os filmes por faixas etárias, o que na prática permitiu a mulher pelada nas grandes produções mainstream.
E, assim, nos anos 70, quase todo filme americano censura 18 anos era garantia de uns peitinhos. Com o relaxamento da ditadura brasileira no governo Figueiredo, até um filme de terror 16 anos como MAGIC mostrava a Ann-Margret de peito de fora. Isso iria desaguar nos anos 80 no cinema brasileiro voyeur. A revolução do vídeo-cassete caseiro, capitaneada pelas fitas pornô, iria sufocar a pornochanchada, mas longas insuportáveis e chatos como Bete Balanço ou Rádio Pirata tinham a pele da Débora Bloch ou da charmosíssima (e em breve, desaparecida) Lídia Brondi. Certa vez eu vi um presumível boy olhando um cartaz de Quarup com fotos (sim, naquele tempo os cartazes tinham fotos de cenas do filme) de Cláudia Raia conversando nua com um índio, fazendo-o comentar, "Cláudia Raia peladona? Eu tenho que ver esse filme". E assim a obra de Antônio Callado ganhou um improvável espectador.
Mas Cláudia Raia logo iria aparecer peladona de graça na novela das sete. E o cinema americano também, após cerca de dez anos, começou cada vez menos a tirar a roupa de suas atrizes. O problema foi Guerra nas Estrelas.
Como eu dizia, quando era moleque nos anos 70, tinha que esperar as férias de julho para que os cinemas programassem alguma coisa censura livre. A violência descerebrada e inconsequente ainda não existia e os filmes violentos da época tinham um realismo impressionante que os desclassificava para crianças. Também as férias de verão tinham poucas fitas "para toda a família" porque os exibidores julgavam que nessa época todo mundo viajava ou ia à praia, não a um cinema escuro. Minha dieta se resumia basicamente a OS TRAPALHÕES, filmes da Disney, normalmente com um fusca consciente ou o Kurt Russell, ou reprises de clássicos dos anos 60, como Rio Bravo ou Noviça Rebelde (lembrem-se que o vídeo-cassete ainda não existia e filmes eram reprisados). Até que um garoto chamado George Lucas fez uma ficção científica juvenil e lançou justamente nas férias de verão.
E estourou todas as bilheterias.
O filme mudou a história do cinema. Os estúdios aos poucos foram aderindo cada vez mais à volta do conceito "para toda a família". Tenho um livro americano dos anos 70, "A arte do filme", que dá receita pra tudo, desde as lentes até as piadinhas de alívio no roteiro, só falta receita pra fazer celulóide em casa. Lá ele comenta que o auge físico e mental do ser humano é aos 22 anos e que este deveria ser o público-alvo dos cineastas. E esses jovens adultos são quase adolescentes. A idéia então passou a fazer filmes caros, cheios de ação e efeitos especiais. E a ênfase era no "caros".
Com um filme médio americano custando hoje na casa dos cento e poucos milhões de dólares, os investidores não podem se arriscar a receber um "R" (o equivalente mais ou menos a um censura 18 ou 21 anos, depende do estado) e de cara perder uma imensa fatia do mercado. O resultado é que as fitas são cada vez mais dirigidas ao público juvenil. Spielberg, por exemplo, faz uns dois ou três de seus arrasa-quarteirões para toda a família para cada projeto pessoal em que sabe que vai perder grana. Nudez, temas adultos, bizarrices, propostas estéticas ousadas, tudo isso passou para os independentes - e a tevê a cabo! - que cresceram muito nos últimos 15 anos lá nos EUA devido a isso. É só nesses longas de baixo orçamento que você vai ver os peitinhos da Cristina Ricci ou a perseguida da Rachel Weisz.
E assim voltamos a ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO. O filme só se tornou viável porque os atores de nome - mas nenhum superstar - Albert Finney, Phillip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei, quiseram trabalhar com o Sidney Lumet (porque gostam, porque têm ambições artísticas e porque lhes traria prestígio, confiram quatro postagens abaixo), porque foi filmado em vídeo digital, poupando os imensos gastos de negativo, laboratório, montagem e copiagem... e essa é a única chance de que uma fita do cinemão clássico mainstream americano possa mostrar a Marisa Tomei de quatro sendo socada por trás por um gordo viciado em heroína puxando-a pelos cabelos.
Eu recomendo o filme. Mas notem que aqui no Brasil ele chegou com um ano de atraso e está passando no circuito Estação e não no circuito multiplex. Vai o sujeito com a mulher e os filhos pro shopping, vão ver um filme depois do passeio e antes da pizza e entra e vê de cara aquela mulher dando?
Melhor ver Homem de Ferro.
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1 comentário:
Adorei seu post!
Pessoal, essa eu tenho que recomendar, dois sites interessantíssimos: www.meus3desejos.com.br e www.videoflix.com.br.
Abs.
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