junho 05, 2008

O Prestígio é Tudo

E não, é claro, não estou falando do chocolate (que antigamente anunciava pra burro na tevê, com seu recheio de coco). Estou falando do futuro dos direitos autorais e dos ganhos dos artistas e criadores intelectuais num futuro digitalizado. Quem acompanha este blogue há mais tempo leu a minha crônica que saiu na página Logo, no Globo, ano passado. Toda essa história de pirataria digital, no fim, dizem as gravadoras, filmadoras, editoras e afins, resume-se à proteção da propriedade intelectual.

Propriedade intelectual é um erro por si só. Arte para ter valor tem justamente que ser apropriada por outras pessoas. Tem que ensinar, educar e influenciar - ser a fundação para outras criações, morais, artísticas, educacionais, ou mesmo tecnológicas - ou não tem importância. Mas pulemos essa discussão filosófica e vamos direto ao ponto prático: como vamos remunerar os criadores?

Como eu já disse na crônica e pretendo me estender mais aqui, a grande mercadoria para a produção artística hoje em dia é o prestígio. Uma vez que você tenha aparecido, você tem tudo. Seja com livros bem recebidos pela crítica, seja como ator numa peça ou filme de vanguarda, ou mesmo como Big Brother. Alcançado o panteão da fama, existem milhares de maneiras de faturar algum: anúncios, cachê para palestras, entrevistas ou (no caso de atores, modelos, bigbrothers ou outros cuja contribuição ao imaginário coletivo seja o rosto, o corpo, a presença) até mesmo para simplesmente aparecer em festas.

Escritores que se estabeleçam como bem-sucedidos poderão trabalhar escrevendo novelas ou seriados de tevê (que, aliás, sempre foram exibidos de graça e estranhamente não faliram todas as emissoras do mundo) ou colunas de jornal. Diretores de vídeo também. O prestígio também lhes permitirá conseguir mais facilmente patrocínios sob leis Rouanet. Músicos poderão agendar mais facilmente shows (além dos jabás de aparições em festa e afins).

Vejam o caso de Antônio Adolfo, o primeiro sujeito a lançar discos independentes, fora de gravadoras, a se dar bem. Ele fazia belos vinis de música instrumental. Será que a venda desses LPs realmente o sustentava? Provavelmente dava alguma grana, sim, mas o público para música instrumental brasileira é pequeno. Suas vendagens não deviam ser altas. Tampouco atrairia tanta gente para shows. E sua popularidade não seria suficiente para aparecer na Caras e vender sua imagem faturando com jabás.

Mas a liberdade de poder guiar sua própria carreira e lançar as faixas que ele queria, produzidas como ele queria, com a qualidade que ele queria lhe permitiu estabelecer-se como compositor e instrumentista de excepcional qualidade. Passou a ser requisitadíssimo para fazer produções, compor trilhas sonoras de musicais infantis, filmes e similares. E com o prestígio angariado abriu uma escola de música que tem várias filiais e onde hoje minha irmã dá aula.

Obviamente que, mesmo já tendo prestígio, esse pessoal bigbrother e afins terá que se manter na mídia, fazer uma manutenção de imagem. Para tanto, haverá uma demanda de novos trabalhos, novos videoclipes, novas novelas, novos filmes, quiçá filmes independentes de alto prestígio com a crítica e baixo retorno financeiro. E terão que pagar os técnicos que iluminam, maquiam, constróem os cenários etc. etc. Vocês pegaram o espírito da coisa.

No meio dos anos 90, com a explosão de internet e tevê a cabo, a globalização cultural inflacionou o mercado de criatividade. Em 1992, os atores que eram as maiores estrelas da Globo recebiam o então altíssimo salário de 8 mil dólares mensais. Bebeto, o único jogador de seleção ainda em atividade aqui, faturava 20 mil dólares mensais. As proporções aumentavam, mas o que o povo ganhava lá fora também era bem menos do que passou a ser considerado normal por volta de 1996, 1997. Brad Pitt, ao receber 20 milhões de dólares para aparecer naquele filme com o Anthony Hopkins, cujo nome esqueci, em que ele fazia o mr. Black, deu uma entrevista dizendo que era um acinte ele ganhar tal quantia, mas se tinha alguém pagando, também não era maluco para rasgar dinheiro.

Tal inflação de custos cobrou seu preço: qualquer projeto cultural mais ambicioso passou a custar muitíssimo mais caro e o mainstream tornou-se ainda mais conservador do que sempre foi, já que o investimento em risco era absurdamente grande. A música pop estacionou, o cinemão americano tornou-se uma bobagem necessariamente dirigida a toda a família (mais sobre isso numa próxima postagem). Enfim, a pirataria digital, o livre acesso de qualquer um com computador a obras artísticas pode ser uma poderosa ferramenta de democratização e de evolução artística. Pode ser que os criadores passem a não faturar tanto quanto os mais bem-sucedidos de hoje em dia, mas estamos há pouco mais de dez anos vivendo uma verdadeira bolha criativa. Os maiores ameaçados são as gravadoras, filmadoras, editoras e afins. Mesmo os Paulos Coelhos e Mobys da vida não vão verter tantas lágrimas assim por eles.

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