outubro 31, 2008
Um Vislumbre de Esperança
A Glimpse of Hope (abridged single camera) from Deja Donne on Vimeo.
Na revista-saite Zé Pereira, do qual este blogueiro faz parte, tem um texto da Leandra Leal reclamando que não querem saber o que os jovens da geração dela têm pra falar. Não é bem assim. Ninguém nunca se interessou no que os jovens de qualquer geração tinham a falar.
Pra ser ouvida, a garotada dos sempre citados anos 60 teve que tomar de assalto o subproduto jovem mais rasteiro da cultura de massa – o rock – e subvertê-lo. Sempre que a juventude resolve se apoderar do (normalmente) lixo que a indústria cultural reserva para o seu segmento de mercado, é obrigada a ouvir que aquilo é uma porcaria, um barulho, uma bobagem, uma pieguice. Foi assim com o rock, com o punk rock, com o rap, com a música eletrônica, até mesmo a própria Internet, a coisa potencialmente mais iluminista e engajadora que já apareceu, já foi acusada de alienante. Alienante são as sugestões de Veja quase toda semana na capa do tipo “o curso que seu filho deve começar a fazer aos 7 anos para ter emprego no mundo de amanhã”. Como se o povo que ficasse estudando milhões de cursos e fazendo pós-graduações e MBAs fosse quem se desse bem na vida. Pensar realmente se aprende na escola, mas não num seminário “liderança e relações humanas no ambiente de trabalho” ou similares.
É por isso que foi ótimo ter ido ver a apresentação de “A glimpse of hope”. O blogueiro confessa que quando viu que não era recomendado para menores de 18 anos, ia ter mulher pelada e, como Pedro Cardoso condenou a nudez apenas na tevê e no cinema, liberando portanto teatro e dança (segundo o valente editor Zé José, seria porque ele acha que apenas pobre não tem direito de ver mulher pelada), não haveria problema ético algum. Não rola nem peitinho, mas ainda assim o espetáculo roda rápido e o tempo passa voando. Como sói acontecer quando se é jovem.
E “a glimpse of hope” é uma celebração da juventude. Enérgico, dinâmico, com uma sensualidade agressiva e inexperiente. O cenário, os figurinos e parte da coreografia remetem mesmo a “West Side Story”, que tinha as mesmas preocupações de estetizar a adolescência, mas seus autores cometiam o erro de muito artista brasileiro - em vez de mostrar uma gangue de rua da época do filme, mostravam uma gangue de rua saída diretamente de “Beco sem saída”, filme dos anos 30 com uns pivetinhos edulcorados que fizeram tanto sucesso que foram reaproveitados em outro filme com Humphrey Bogart e viraram depois trupe de comédia.
Já “Glimpse of hope” não está buscando uma valorização artística através de denúncia social. O espetáculo neste sentido é despretensioso – apenas retrata o idealismo da juventude, a vontade de mudar o mundo, de se divertir, de explorar o mundo. A cara da adolescência. As quatro dançarinas, com cara de adolescente, ao contrário das bailarinas a que estamos acostumados, brigam, ficam, desfraldam bandeiras, seduzem, gritam palavras de ordem, sempre cheias de energia, nos gestos, nos passos, nas intenções, e parecem ter um sincero desejo de fazer deste um planeta melhor, mesmo não sabendo direito como. E, ainda que não consigam, vão com certeza se divertir durante a viagem e aprender o suficiente pra arrumarem bons empregos no competitivo mundo de amanhã.
A razão pela qual eu e boa parte da humanidade acha a dança contemporânea chata é a sua tendência à abstração. Assistir aos dançarinos da Deborah Colker pondo e tirando jarros do palco em alta velocidade, escalando paredes verticais (1), ou grupos estrangeiros com deslumbrantes efeitos de luz e composição pode até ser bonito, mas é basicamente um exercício de técnica, que em balé acaba se tornando uma celebração da coordenação motora, da flexibilidade, da agilidade, da força muscular – uma celebração materialista do corpo e da juventude. É por isso que “a glimpse of hope” é tão mais divertido. Mais caótico, desordenado, bagunçado e sincero, querendo dizer alguma coisa, mesmo que às vezes nem pareça saber como. O espetáculo italiano tem um inconfundível ar de apresentação de universitários, com toda aquela carga de esperança no futuro, no mundo e nas pessoas de quem está a um passo de se tornar adulto. “A glimpse of hope” é portanto também uma celebração da juventude, sim, mas não do corpo jovem e sim do espírito jovem. A grande diferença.
“A glimpse of hope” prova o que a Leandra Leal quis dizer. Garotada inteligente, crítica e que sabe das coisas sempre vai existir. Na maior parte do tempo ninguém vai querer ouvi-la, principalmente uma indústria cultural neoliberal que quer botar esse pessoal todo pra fazer MBA no tempo livre da faculdade. Nada disso, esse povo tem sua própria cabeça, idealista, ingênua mesmo, que se dane. Eles são jovens e inexperientes e acreditam que as coisas são bem claras: existe o bem. Existe o mal. E existe a esperança.
Nem tudo está perdido, ainda há um vislumbre de esperança.
(1) Lá pelos anos 90, em um desses festivais de dança, uma companhia americana veio ao Brasil e a revista de Domingo, na época, tinha como política em algumas matérias botar alguém do ramo, em vez de jornalista, pra fazer uma entrevista, e puseram a Deborah Colker pra entrevistar o coreógrafo ianque. Em vez de falar sobre ele, ela logo na segunda pergunta resolveu aproveitar o espaço pra reclamar e indagou do cara se ele teria condições de desenvolver o trabalho dele se tivesse apenas o patrocínio (de uma estatal) que a companhia dela tinha, acho que de um milhão de dólares por ano. O gringo arregalou os olhos e, pasmo, exclamou “o quê? Um milhão de dólares? Se eu tivesse alguém me dando um milhão de dólares por ano, eu acho que só faria uma montagem por ano! É muito dinheiro!” A Deborah ainda tentou contra-argumentar que ela tinha gastos com viagens, aluguel de local de ensaio, essas coisas, mas nada convenceu a estrela do festival, que continuou achando muita grana pra ganhar de um mecenas. Engraçadíssimo.
outubro 30, 2008
outubro 29, 2008
outubro 26, 2008
Blogue Sem Lei II
(My Darling Clementine, 1946)
Ainda outro dia n'os Simpsons, o Dom Pixote apareceu confessando que sempre foi gay, mas os produtores não o deixariam assumir. Mas isso não tem nada a ver, fora o fato de que ele estava sempre cantando (desafinado) a música que dá o título (em inglês) a mais uma obra-prima deJohn Ford, “Oh querida, oh querida, oh querida Clementina...”
Sob esta canção, John Ford reconta o duelo de OK Corrall e consegue ser ainda menos fiel à história do que o John Sturges no capítulo anterior. Mas quem liga para os fatos quando se está criando lendas? Ninguém nunca reclamou com Homero que homens invulneráveis não existiam. E John Ford se apropria dos folclóricos Earps e Clantons não para fazer mais uma fita de bangue-bangue, mas para montar sua própria mitologia, praticamente narrar sua própria cosmogonia americana. Se para Sturges o oeste era a terra onde os homens eram homens, para Ford era onde os homens eram deuses.
Onde Sturges foi épico, Ford foi lírico. Com uma extraordinária fotografia em preto-e-branco em a locação favorita do diretor irlandês, Monument Valley, a fita tem um visual fortemente poético. As composições fazem uso das calçadas de madeira, das traves e vigas para enquadrar os personagens e a paisagem. Os homens se amontoam no salloon enfumaçado, mas quando alguém abre a porta dá de cara com as formações de pedra do vale monumental, amplo horizonte e belas nuvens no céu, sendo quase palpável a sensação de frescor e liberdade, bem como a confortante segurança oferecida pela vila em pleno deserto. Quando os Earps deixam seu caçula cuidando do gado e vão à cidade para tomar um banho e uma cerveja, as luzes e a música em contraste com a escuridão plana de onde eles saíram é quase um abrigo maternal, as maravilhas da civilização que Ford tanto prezava.
Sturges concentra sua história em seus dois protagonistas. Todos mais, o que não totaliza muita gente, são coadjuvantes, inclusive os vilões. Ford, humanista ao extremo, povoa sua cidade com os mais diversos tipos e todos eles, mesmo os que aparecem uma ou duas cenas, são personagens e não figurantes. Somente assim ele pode conjurar o clima comunal tão essencial à sua visão da civilização conquistando o agreste, a ordem avançando sobre o caos. Incidentalmente, ficamos extremamente envolvidos emocionalmente e cenas que de outra maneira poderiam parecer piegas e sentimentais acabam passando incólumes diante de nossos olhos.
E o lirismo se espraia por todo o filme. Wyatt Earp se distrai tentando se equilibrar nas pernas traseiras da cadeira. Quando atraído pela Clementine que dá nome ao longa, ele pergunta ao garçom se ele já se apaixonara, recebendo a resposta, “não, sempre fui um barman”. As pessoas se movem languidamente. O primeiro encontro dos Earp com Doc Holliday é um elaborado ritual de masculinidade e determinação sem violência (compare com o filme de Sturges, onde os dois se “apresentam” com um assassinato e depois uma fuga). E, falando em Holliday, até a canastrice de Victor Mature funciona à perfeição em um clima tão poético e mitológico.
E o que é Doc Holliday no longa? Alguns o apontam como o reflexo sombrio de Wyatt Earp, o herói nobre e cheio de qualidades, mas seu fatalismo auto-destrutivo furioso serve a várias leituras, inclusive de que ele poderia representar os valores europeus. Antes da chegada dos Earp, quem mantinha precariamente a ordem em Tombstone era ele. Suas intenções eram boas, mas seus vícios, decorrente de sua doença, comprometem a pureza de seus feitos. Ele tem todos os predicados do Velho Mundo – um diploma (de médico nessa versão, uma promoção para o dentista que ele era na vida real), cultura clássica (sabe Shakespeare de cor), habilidade marcial, mas lhe falta determinação, corroído que está pela tuberculose, e a idéia de morte o leva a buscar a satisfação de seus desejos, inclusive os sexuais, representados por Chiuauha, a mestiça que todo mundo maltrata no filme. Uau, Holliday é o decadentismo em pessoa. Sua união com o ideal americano encarnado por Henry Fonda provar-se-á invencível (o quê? Você não sabia que o duelo em OK Corrall termina com a vitória dos Earp? Desculpe).
Aliás, a maneira como a pobre Chiuauha é tratada na fita, bem como o índio que aparece tocando zona com um revólver e é tratado como um idiota por Earp (“que cidade é essa que vende álcool para índios?”), deixam o povo politicamente correto de orelha em pé com Ford, mas essa é uma preocupação superficial, estamos falando de mitos aqui, é como reclamar que as mulheres não são bem retratadas na história da Caixa de Pandora ou na expulsão do Paraíso. O que interessa para Ford são os ideais, e o ideal feminino é encarnado por Clementine, a ex-noiva de Doc Holliday que aparece de surpresa e por quem Earp se apaixona, mostrando seu lado tímido. Nas mãos de Ford, a cena da dança (o ritual comunal presente nos filmes do diretor mostrando o homem celebrando sua conquista sobre o agreste) em que Earp pergunta se pode dançar com ela é tocante. Mesmo Chiuauha, que nesta versão TAMBÉM corneia o Holliday com o John Ireland (representando o jovem Billy Clanton encarnado por Dennis Hopper no longa de Sturges) é digna de nossa pena, em sua paixão pelo médico.
Só quem não tem um pingo de nossa simpatia na história toda são os Clanton. Basta o olhar do Velho Clanton e seu primogênito para sabermos que eles são bestas-feras selvagens e indomadas. Os Clanton praticamente não falam no filme, sendo Walter Brennan seu porta-voz, o único que tem o dom da prosa na família. O ator, normalmente um ajudante com tons cômicos, modula a voz um pouco mais grave e tinge de ameaça cada palavra, mesmo quando está tentando parecer gente boa. Suas idéias de criação de filho são exemplificadas quando Wyatt Earp sai depois de dominar os Clanton numa confusão de bar e o patriarca chicoteia sua prole enquanto dá seu conselho paterno: “quando puxar uma arma, MATE um homem!” Não é surpresa que seu garoto mais velho pareça desprovido de fala, com o olhar hostil sempre fixo e tenso como uma corda de piano.
E assim se desenrola a história que levará ao inevitável confronto, como em toda narrativa mitológica, o herói relutante enfrentando o inimigo-metáfora e incapaz de encontrar paz para si mesmo. O duelo final é um confronto de caráter e não de habilidade; ao invés da ação enérgica de Sturges, temos mais belíssimas cenas poéticas, como um sujeito caindo atingido por tiros vindo de uma nuvem de areia ou outro passando correndo de um lado e entrando lentamente em quadro do outro lado o seu alvo, mortalmente atingido. John Ford sabe como contar uma história e, mais do que isso, como contar uma lenda. “Paixão dos Fortes” não tem um pingo de veracidade, mesmo com o diretor tendo conhecido pessoalmente Earp no final da vida, mas diz muito mais sobre a América e o oeste do que um tiroteio entre arruaceiros violentos jamais poderia dizer. Um clássico, uma obra-prima, é de matéria como esta fita que as mitologias são feitas.
Morro do Castelo
Essa primeira é mais tradicional, depois da reforma de Passos nos primeiros anos do século XX. O prédio com cúpula perto do verde que é o Passeio Público é o finado palácio Monroe, onde hoje é o estacionamento subterrâneo da Cinelândia. Seguindo pela direita em linha reta com seu domo, dá pra ver a torre da Igreja de Santa Luzia, já sem uma praia em frente, mas ainda à beira-mar.
Esta é que é o bicho. Foi tirada na Primeiro de Março, olhando em direção da Av. Beira-Mar e do que hoje é o Aterro. A igreja que aparece à esquerda é aquela, cujo nome agora me escapa, entre o Fórum e o Palácio Tiradentes. O cata-vento com galo deve ser da Igreja da Sé e o fotógrafo deve ter batido a chapa lá naquela igreja lá, em 1893. O morro era enorme e dominava o centro todo mesmo. Um barato.
As Armas Mais Idiotas da Ficção Científica
O povo por volta dos 40 jamais esquecerá de National Kid. Ele foi pra quem cresceu no início dos anos 70 o que depois foram Jaspion, Power Rangers, Cavaleiros do Zodíaco, Dragonball, Naruto, e sei lá mais o que a garotada tá vendo hoje em dia de seriado de ação japonês. Como em todos eles, mesmo nos mais baratos, a composição pictográfica é muito mais cuidada que em seus congêneres ocidentais. National Kid tinha uma estética muito mais próxima da cinematográfica do que os enlatados coloridos dos anos 70... mas era muito, muito ruim.
Esses aí embaixo são os incas venusianos (?????). Pensando bem, é uma ótima idéia, combina tradicionais vilões de uma civilização esquisita com alienígenas e ainda joga na mistura um pouco de Erich von Daniken, em plena voga na época.
Mas na verdade eles estavam muito mais para os portugueses do espaço do que para pré-colombianos siderais. Um dos ajudantes-mirim do National Kid, por exemplo, quando prisioneiro guardado por um dos Incas, pede pra ver sua arma futurista e maneiríssima. O guarda, sorridente e orgulhoso a empresta e o garotinho, cujos olhos puxados deixam claro que não é lusitano, a aponta para o vivente e o obriga a libertá-lo...
Mas essa não é a pior. Esses invasores siderais têm várias vezes sua nave-mãe abordada pelo herói japa. A cada vez, eles disparam suas armas de raios contra o Kid, que imóvel, em meio a fumaça, numa cena ridícula, apenas gargalha. Isso várias vezes. Até que numa dessas, os incas capturam o National Kid e antes que ele comece a porrar todo mundo, sua rainha (que, surpreendentemente, não é loura) aparece e fala pra ele: "Veja, National Kid, com nossa tecnologia avançada, construímos esse robô...". E uma porta se abre mostrando um sósia do Kid. A rainha continua: "e ele é três vezes mais poderoso do que você!!!"
Nessa hora o que qualquer nerd fã de quadrinhos, seriados, filme de ação ou similar pensaria? Que obviamente ela poria o robô pra sair na porrada com o National Kid, é claro! Não! O que a anta faz? Pega a arma de raios incrementada do guarda mais próximo, aponta contra o robô e o destrói em chamas!!!!!!! E ainda vira pro herói japa e explica, "isso é apenas para mostrar o que podemos fazer com você!"
Pelos poderes de Greyskull, alguém levou grana na concorrência pra construir esse robô! Isso é a coisa mais idiota que eu já ouvi na vida! E o pior, o Kid realmente se entrega e é aprisionado e, se não me engano, é aí que o ajudante-mirim que pediu pra ver a arma maneira do guarda aparece pra libertá-lo. Assim,na ponta dessa lista, estão os Lusitanos Siderais, digo, os Incas Venusianos, os temíveis (ha, ha, ha) inimigos de NATIONAL KID!!!
Ciência, Superstição e Homossexualismo
Sei lá de onde tiraram tal estatística e porque a especificação em mulheres, mas fiquei chocado. Jamais imaginei que o número 13 tivesse realmente alguma coisa a ver com azar, afinal não sou supersticioso, não acredito nessas coisas. Todos sabemos que azar está relacionado a trânsitos astrológicos, mau-olhado e magia. Como a matéria é iluminista, o sujeito racionaliza explicando que as pessoas ficam mais tensas por causa da data e por isso mais propensas a erros infelizes.
Mais tensas? Eu também fico mais tenso quando quero paquerar desconhecidas e recém-conhecidas, mas não acontecem 38% a mais de acidentes comigo nessas ocasiões!!! Essa variação estatística é absurdamente exagerada! Tenho quase certeza que houve algum tipo de erro tipográfico, como uma vírgula ausente entre os dois dígitos ou similar, mas se esses números estiverem mesmo corretos exijo uma imediata e ampla investigação sobre os poderes do número 13 de alterar a realidade desfavoravelmente, porque essa racionalização não só não convenceu ninguém como é claramente anti-científica: o vivente partiu de uma idéia preconcebida de que a data não tem culpa nenhuma e procurou um motivo pra tais números. Eu também não acredito que a data tenha culpa, mas são TRINTA E OITO POR CENTO!!!! Eu não sei nem se trinta e oito em cem humanos que saibam o dia em que estão sejam supersticiosos com a sexta-feira 13! Tem que ir além de dizer que é estresse emocional! Chamem o House!
E o pior não é isso. Eu não leio o New England Journal of Medicine nem qualquer publicação científica acadêmica, mas pelo que eu leio nas páginas de jornais os racionais cientistas andam se vendendo barato e não só ao iluminismo que norteia a própria escolha de sua profissão. Eles andam tão fascinados com a rigidez formal mesmo em campos onde não têm conhecimento suficiente que andam extrapolando demais. A onda de uns vinte anos pra cá de sujeitar à genética os traços de personalidade é um exemplo. Outro dia eu li uma materinha sobre um estudo que provava que expressões faciais eram genéticas porque os cegos tinham expressões parecidas com as de seus familiares, mesmo não podendo vê-las para se guiar por elas. Parece que não ocorreu a ninguém que os familiares viam as do cego.
Mas esse é um mau exemplo, porque, afinal de contas, vai ver as expressões eram parecidíssimas e minha explicação não dava conta da extrema semelhança. Melhor se encaixa nesse perfil as tentativas de se explicar o homossexualismo como genético.
Eu sei, eu sei, tem o preconceito, os religiosos babacas tentando curá-los, daí a comunidade lá na América de cima começou a tentar vender essa idéia aproveitando a corrente científica em voga e com isso justificando sua existência, ao mesmo tempo em que deixava claro que qualquer tipo de terapia ou psicanálise não mudaria sua orientação sexual.
O único problema com essa teoria de que o homossexualismo é genético desde o início sempre foi uma coisa básica: se é genético é hereditário e se fosse hereditário já estaria extinto. É como aquela piada do “Top Gang 2”, em que o sujeito fala pra mulher que ela não deveria ter ido ao monastério budista, explicando: “esses monges fizeram voto de castidade, bem como seus pais e os pais de seus pais”. Homossexuais não se reproduzem. Quero dizer, se reproduzem, é claro, veja a Cássia Eller e o Carlos Augusto Strazzer, por exemplo, mas numa taxa muito menor que os genes heterossexuais. Em poucas gerações eles estariam extintos.
Mas nunca vi ninguém mencionando esse raciocínio óbvio sempre que vi documentários no Discovery ou afins, a não ser, pela primeira vez, outro dia no jornal, quando um cientista europeu propôs uma teoria de que talvez fosse um gene recessivo transmitido pela mãe. Só foi mencionado o detalhe da não-hereditariedade quando alguém apareceu com uma explicação. Parece um clássico caso não de alguém procurando descobrir o que causa x, mas de alguém que quer que y cause x e não vai descansar até encontrar uma explicação que se adeque às suas crenças. Engraçado como ciência e religião no fim sejam tão parecidas (1).
Mas o que me incomoda nessa posição da comunidade GLS de tentar contornar o preconceito com a idéia de que eles não têm escolha por causa do que está em seus genes é que, céus, num ambiente de intolerância vai depor contra eles. Esses genes obviamente não favorecem a perpetuação da espécie e daí a serem considerados uma doença genética, como a talassenia falciforme, é um passo. Sem contar que perdem o apoio de toda a galera não-convencional, que tradicionalmente sempre esteve a seu lado e a favor do direito de ter (ou não) sua religião discordante, seu comportamento discordante, suas perversões (2). Tudo bem, o povo GLS costuma sofrer muito mais discriminação, mas essa idéia genética é extremamente perigosa e leva muito mais facilmente a uma justificativa de gente com uma “cura” para o homossexualismo.
Mas trinta e oito por cento????? Esse número TEM que estar errado. Se não, tenho que reencontrar meu baralho de tarô...
(1) Sempre achei axiomas muito parecidos com dogmas.
outubro 25, 2008
Eu, por Xalberto
outubro 21, 2008
A História do Cinema
Capítulo 1: The Great Train Robbery
Diz uma história que preparava-se a adaptação de uma peça de sucesso para o cinema. Ainda em princípios de produção, o cineasta foi ao teatro assistir ao espetáculo e conversar com o autor-diretor da montagem. Em meio ao bate-papo, este virou para o sujeito dos 24 quadros por segundo e falou, "quer saber, vocês de cinema complicam tudo. Se eu fosse fazer um filme disto, eu simplesmente punha uma câmera numa cadeira e deixava rolar", ao que o "você do cinema" retrucou, "certo. Mas em QUAL cadeira você poria a câmera?"
Miríades de opções a mais que o cinema oferece à parte, na verdade o raciocínio do nosso teatrólogo era o mesmo dos primeiros cineastas. Começando uma nova arte do nada, ainda na aurora da arte moderna e das teorias futuristas e de avant-garde que revolucionariam o metiê nos anos 20, o povo com uma câmera na mão não tinha muita idéia na cabeça do que fazer com ela. As primeiras tentativas de contar historinhas com o cinematógrafo usavam a mídia como um teatro (mudo) a jato - os cenários podiam mudar instantaneamente (incluindo exteriores) e o uso inteligente de cortes e efeitos de montagem podia criar ilusões impensáveis num palco. No Rio de Janeiro, por exemplo, fez muito sucesso na década de 1900 a nacionalíssima película musical (sim, musical mudo) PAZ E AMOR. Durante a projeção, os atores ficavam atrás da tela fazendo a dublagem. Ou seja, o filme servia apenas para economizar na produção de uma revista musical!
E assim eram todas as fitas no alvorecer da sétima arte. A câmera ficava estática, aberta, enquadrando o que equivaleria aproximadamente a um palco, e com a ação acontecendo da esquerda para a direita (e vice-versa), para que nenhum ator ficasse de costas para a câmera (e no filme mudo, que é basicamente uma pantomima, a expressão do mímico é fundamental para a compreensão da história). À bidimensionalidade da tela somava-se a bidimensionalidade da ação, ficando tudo chapado e artificial ao extremo. Felizmente, logo algumas pessoas com generoso número de células gliais perceberam que tal abordagem era humilhante e degradante para toda a tecnologia envolvida na manufatura de películas. E começaram a experimentação que levaria à firme conclusão de que o cinema era a expressão do MOVIMENTO.
THE GREAT TRAIN ROBBERY é um filme de 1903, ainda bastante primitivo. A ação transcorre da esquerda para a direita. A pantomima é exagerada e risível para os nossos padrões. Durante o primeiro ato, a tecnologia é usada para criar superilusões teatrais (as projeções ao fundo na primeira cena (aos 20 segundos) e no tiroteio no vagão - 2 minutos) e a ação externa também transcorre bidimensionalmente. No entanto, alguns detalhes importantíssimos mostram o início da criação da LINGUAGEM DO CINEMA, independente e diferente da teatral.
Aos 2m48s, a câmera está presa em cima de um vagão. Está em movimento. E o bandido aparece em primeiro plano e move-se rumo ao fundo, de costas para ela. Subitamente o filme parece muito menos primitivo e tem um ar vagamente contemporâneo. Uma trucagem elementar termina a porrada com uma nota violentíssima. O enquadramento é ótimo e elegante e está criada a ação tridimensional. Está quebrada a bidimensionalidade da tela. A sétima arte torna-se uma experiência muito mais real e envolvente.
Aos 4m20s, os bandidos alinham os passageiros para assaltá-los. Para enquadrar esta ação de frente, a câmera, mesmo com a lente mais angular de que se dispunha na época, teria que ficar longe demais para que se distinguisse o que estava acontecendo. O diretor, Edwin S. Porter, sem alternativa, fez o que qualquer fotógrafo amador experiente faria - pegou a cena em diagonal. A composição é muito mais bonita e dinâmica e novamente está quebrada a bidimensionalidade da fita. Mais uma vez ela parece muito menos primitiva.
A cena seguinte também é diagonal, mas o que mais emociona os amantes do cinema é que, aos 6m09s, os bandidos saltam do trem. Em vez de mostrá-los saltando de lado, correndo da direita para a esquerda até sair de quadro, cortar para uma cena adjacente, com eles novamente correndo da direita para a esquerda até sair de quadro, tudo isso captado a uma distância respeitável, o que Edwin, o S. Porter, fez? Ele pegou a uma distância que, para a época, poderia ser considerada média, e FOI MOVENDO A CÂMERA PARA MANTER OS BANDIDOS EM QUADRO ENQUANTO ELES SUMIAM MONTANHA ABAIXO. A câmera estática está morta! Logo ela estaria sendo montada por Abel Gance no pescoço de cavalos. A ação é muito mais envolvente. A câmera segue o movimento como nossos olhos fariam - ela É nossos olhos! Nasce o cinema!
Infelizmente, Porter não seria o homem que levaria essas descobertas às últimas consequências. A cena é seguida por mais interiores bidimensionais, sem cortes, de longe. A patrulha persegue os bandidos atirando vindo de segundo plano para primeiro plano, mas não ocorreu ao diretor que a câmera poderia se movimentar não só da esquerda para a direita como também do fundo para a frente. Mesmo a quebra da quarta parede quando o bandido atira na platéia, na última cena, é apenas um efeito, não um manifesto de uma nova estética (e, apesar de tudo, um grande efeito, já que diz a lenda que espectadores se abaixavam ou saíam correndo neste momento).
Estávamos em 1903. Numa época em que o ritmo das descobertas era consideravelmente mais lento, o cinema avançava rapidamente. Passava de curiosidade a entretenimento de qualidade e firmava-se como arte, desenvolvendo sua estética e sua linguagem. Foram esses primeiros avanços que mostraram aos artistas modernos que eles poderiam usar aquela nova maneira de expressão, convenientemente de alta tecnologia, moderna como as concepções daqueles malucos do começo do século (vinte), poderia adaptar-se admiravelmente às suas propostas e teorias.
Ainda mais depois que um americano conservador e caretão chamado D. W. Griffith quebrasse a ação em planos rápidos e curtos que mostravam sempre exatamente aquilo que você precisava ver naquele momento, em vez de enquadrar uma cena inteira e deixar que o espectador escolhesse o que lhe interessava.
outubro 20, 2008
Na Ponta da Minha Língua Dançam e Zombam Duendes Azuis
Pra quem acredita (e até a Livia Rosa acreditava), eis aqui a segunda aparição do bicho. Apesar de ambos os avistamentos terem sido na Argentina, ninguém ainda levou em conta que podia apenas ser o Maradona.
Por sorte as duas filmagens foram feitas por adolescentes, jovens e inocentes, e assim podemos ter certeza de que não foi uma armação.
O título da postagem é de uma brilhante música-litania de João Morais e Joaquim.
outubro 19, 2008
Blogue Sem Lei I
Saindo do Odeon durante o Festival do Rio, o blogueiro comprou na banca ali em frente "Gunfight at OK Corral" por 7,99 e gostou tanto que resolveu rever westerns clássicos e postar sobre eles.
Antes de “Segunda Sem Lei” denominar o começo da semana no Baixo Gávea era a sessão de bangue-bangue na Bandeirantes (hoje Band). O western já tinha sido banido dos cinemas, até mesmo em sua última encarnação italiana; mesmo a Globo já os tinha varrido para os corujões, retirando-os até mesmo da Sessão da Tarde (1), mas o gênero ainda teria durante muito tempo apelo para a platéia masculina, o que levava a emissora paulista a apostar que fitas com mais de 20 anos no horário nobre poderiam render uma lucrativa audiência na relação custo/benefício.
Foi assim que há muito tempo atrás vi pela primeira vez “Sem Lei e Sem Alma”, até curioso porque a crítica do JB tinha dado 3 estrelas pra fita e naquela época de fim de ditadura rarissimamente filmes-pipoca como westerns levavam mais que duas. Tinha Kirk Douglas e Burt Lancaster, ainda com status de estrela à época e me diverti à larga, mas mesmo naqueles tempos achei que parecia apenas um bangue-bangue bom, faltava alguma coisa. Hoje em dia eu sei que o longa carecia da dimensão mitológica dos clássicos do gênero.
Mas eu vi “Sem lei e sem alma” numa tevê de 20 polegadas, dublado, de uma cópia 16 mm telecinada e reenquadrada para o formato quase quadrado dos televisores de tela curva na época. Quando botei o DVD no aparelho e ele começou a rodar, já bateu logo de cara uma ótima notícia: o logotipo do VistaVision (2). Só a qualidade superior do negativo maior e o formato original ocupando toda a área de um monitor de 50 polegadas já dão à fita algo de que ela carecia tremendamente: uma dimensão, se não mitológica, ao menos mais épica.
Quartos de hotel e salloons não são mais apertados e com uma aparência barata, eles se estendem de um canto a outro da tela, exibindo em maior definição mais detalhes da cenografia, papéis de parede nuançados, a textura da pintura, as rendas dos tecidos. A cuidadosa iluminação valoriza as cores quentes e saturadas e dá profundidade nas cenas noturnas ou em ambientes mais escuros. Os personagens continuam sem essa profundidade, mas, afinal de contas, este é um bangue-bangue no molde clássico, de fábulas para barbados, como bem definiu o crítico americano Glenn Erikson.
Wyatt Earp é um herói tão sério que Burt Lancaster praticamente não tem a chance de dar seu sorriso cínico. Logo no começo um velho amigo de família diz que ninguém poderia imaginar que ele acabaria se transformando num agente da lei; pouco depois Earp encontra Doc Holliday que se lembra de tê-lo atendido dez anos atrás, quando ainda era dentista, e que desde então sempre soubera que Wyatt acabaria como delegado. Homens de verdade sabem avaliar o caráter dos outros com precisão e por isso mesmo o velho amigo de família lá de cima vai acabar se revelando um xerife aquém das exigências do cargo.
Holliday e Earp não se entendem à primeira vista, mas ganham o respeito um do outro quando mostram seu valor, Holliday num confronto e Earp quando, mesmo a contragosto, resgata o ex-dentista de um linchamento, devido ao seu código de ética. Pouco antes Holliday justificara a maneira como tratava sua amante Kate, explicando que ela o lembrava de “tudo que eu não gosto em Doc Holliday”. Earp é o contrário, rememora-o de tudo que ele gosta em Doc Holliday.
Por isso, quando eles se reencontram em outra cidade, ambos se mostram muito mais amáveis um com o outro. Para deixar bem claro o que Earp representa para Holliday, o encontro é num barbeiro e o ex-dentista está justamente terminando seu ritual de beleza – sozinho. Treze anos antes John Ford já usara a barbearia como metáfora para civilização na fronteira em sua própria versão do duelo dos Earps com os Clantons.
Ganhando o respeito de Wyatt Earp (e, por conseguinte, da sociedade que ele representa), Holliday recupera parte de seu amor-próprio e chega mesmo a flertar com a grande jogadora chegada à cidade, a ruivíssima belezura Rhonda Fleming. Mas, como ele diz, ela é uma dama, e acaba caindo nos braços de Earp. A vida de xerife é dureza e ele não pode sair dez minutos pra namorar que uma gangue invade a cidade e baleia seu assistente. Nesse mundo de homens de verdade, mulheres são uma distração e companheirismo advém da amizade masculina. Depois querem saber de onde saíram os caubóis gay de “Brokeback Mountain”. Mais um pouco e eles iam parecer um bando de gregos ou macedônios, que não consideravam muito viril um sujeito gostar daquela coisa macia e sem pêlos chamada “mulher”.
Earp localiza seus inimigos, os Clantons, e junta-se a seus irmãos para enfrentá-los. No momento em que sai para o confronto, Holliday abre a porta de seu quarto e os dois são enquadrados juntos, com o ex-dentista no espelho, usando uma roupa quase exatamente igual à de Earp, uma imagem quase idêntica, embora menor. Essa é a terra em que os homens resolvem seus problemas pessoalmente e, mais importante do que a lei, são os valores americanos: família, coragem, determinação e masculinidade. Nessa afirmação de valores viris, John Sturges ganha a platéia e faz um enorme sucesso de público, mas perde a dimensão mitológica.
A direção, aliás, é outra coisa que se perde numa tela pequena. A fita é do tempo em que close era uma tomada do diafragma do sujeito pra cima, e não a câmera enfiada no nariz dele. Sturges encena seus diálogos quase que só em plano geral, com poucos cortes, fazendo os personagens se moverem pelo cenário enquanto falam, dentro do enquadramento estabilizador. Esse estilo carece de uma imagem bem grande, que não transforme os atores em pontinhos, com suas expressões indistinguíveis, mas visto num tamanho apropriado é muito mais dinâmico do que as cabecinhas falantes paradas, uma em cada canto da tela, aparecendo alternadamente em seguidos planos e contra-planos, marca registrada dos longas de ação de hoje, planeados para passarem a maior parte de sua existência em vídeo doméstico. Destarte, o diálogo ok (o duelo é em OK Corral, sacou, sacou?) parece muito melhor, ainda mais com Kirk Douglas emprestando a ele toda sua carismática canastrice, fazendo um ótimo parceiro para um Burt Lancaster atipicamente contido, como pede o papel.
Além desses dois e da deliciosa Rhonda Fleming, o filme ainda tem entre seus atores os futuros astros de spaghetti Lee van Cleef e Jack Elam. Dennis Hopper faz um perturbado Billy Clanton e nos deixa pensando se o ar aflito e angustiado dele é por causa da influência de seu falecido amigo James Dean ou porque ele ainda não se recuperou de ter encontrado sua supostamente casta namorada adolescente Natalie Wood na cama com o diretor quarentão Nicholas Ray durante as filmagens de “Juventude Transviada”. Também presente na fita estão DeForrest Kelley, o dr. McCoy de “Jornada nas Estrelas”, em uma de suas 5.289 aparições como coadjuvante em bangue-bangues antes de partir para o espaço, e John Ireland, baleado pelos Earps em Ok Corral pela segunda vez em 11 anos – a primeira foi em “Paixão dos Fortes”, de John Ford, quando era ele quem fazia o Billy Clanton. Na versão de John Sturges ele faz o pistoleiro contratado Johnny Ringo. De comum nos dois papéis, só ele corneando Doc Holliday.
Aliás, pra quem tiver curiosidade, a amante de Holliday no filme, Kate, viveu até os 90 anos, chegando a ver o começo da II Guerra – ela testemunhou também a Guerra Civil e são dois mundos tão completamente diferentes que é difícil imaginá-los ambos durante uma única vida. O episódio da gangue invadindo a cidade também é baseado em fatos reais, mas o resto é bem, bem romanceado. As três versões subsequentes da história – uma delas do próprio Sturges – seriam bem mais fiéis e revisionistas, com heróis menos luminosos e bandidos ainda mais sádicos. Mas o verdadeiro tempo do western já tinha passado. O tempo em que os homens eram homens e ninguém fazia piadinhas sobre “Brokeback Mountain” por causa disso.
“Sem lei e sem alma” pode ser encontrado até por 7,99 reais em banca de jornais.
(1) Lembro nos anos 70 de Artur da Távola, em sua coluna no Globo, congratulando a TV Globo por ter tirado de sua programação vespertina os “desenhos violentos” dos outros canais (leia-se “Capitão Aza”). Em vez de ver bigornas caindo na cabeça de patos falantes, que saíam amassados e já estavam inteiros na cena seguinte, os pirralhos passaram a ter a chance de ver caubóis disparando contra índios à queima-roupa e sendo empalados por flechas de fogo ou caindo do telhado de saloons em seus espasmos de morte.
(2) Pra quem já ultrapassou as 29 polegadas e aderiu à conexão do DVD via video-componente, ou já aplainou a tela, é bastante visível a diferença de qualidade entre um disco e outro. Os piores são alguns lançados a partir de videolaser ou velhas telecinagens pra tevê de empresas que tinham os direitos para vídeo doméstico na era do VHS e o contrato nada falava sobre mídias futuras. Os melhores são os THX e Superbit, sendo que estes dispensam extras para poder usar menos compressão digital. A fonte original também influi bastante e fitas filmadas em VistaVision ou Ultra Panavision 70, ou Super65, principalmente se em Technicolor, são superiores ao Cinemascope e Super35. Finalmente, os negativos Technicolor entregam cores quentes e saturadas.
outubro 17, 2008
Último Debate Obama x McCain
outubro 14, 2008
Furtivo e Covarde
Tudo que vive é o filho
Nunca devorei a carne dos inimigos caídos
Para herdar sua coragem
Nunca brindei com os crânios
dos inimigos
por sua valentia que me enobrecia
Nunca amei de verdade
Amei como nos ensinam a matar
nas escolas nas creches no emprego no governo na tevê
Amei furtivamente
A sangue-frio
Amei pelas costas
Covardemente
Mantendo o colarinho os punhos o paletó
impecáveis
Vivemos como matamos
Pois tudo que está morto torna-se pai
E só o filho está vivo
Sedução
a diferença
entre o predador circundando seu território
e o carniceiro esfomeado
Entreouvido na Caminhada no Aterro
(Como não ouvi a discussão toda, suponho que seja explicando por que homossexualismo feminino esteja tão em voga e tão aceito hoje em dia. Sabe que nunca tinha pensado nisso?)
outubro 13, 2008
(do filme AMORES PARISIENSES, do Resnais. Adorei MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS que vi ano passado. O primeiro é de 1997 e quase todo o elenco do segundo já estava com o diretor dez anos atrás. O corretor de imóveis romântico fazia um corretor de imóveis romântico, o soldado fazia o chefe do corretor, a ex-stripper convertida fazia uma mulher bem mais nova casada com o garçom gay, que no mais antigo era um mulherengo. Ambos são filmes de relacionamentos, mas Resnais tem muito mais amor pela humanidade do que, digamos, Woody Allen, e muito mais carinho pelos seus personagens
Aliás, Resnais tem um ótimo filme, I WANT TO GO BACK, em que ele diz o que pensa desses americanos envergonhados de sua cultura pop querendo parecer intelectuais imitando europeus).
Nobel
outubro 08, 2008
Festival de Cinema do Rio 2008
E agora o pódio da ZÉ PEREIRA (da qual este blogueiro faz parte) dos melhores filmes da mostra competitiva da Première Brasil deste ano. De se notar que, à exceção de “Festa da Menina Morta”, praticamente todos os outros longas da competição parecem abordar mais o universo de referências pop e culturais dos autores do que o universo de seu cotidiano real. “Rinha”, “Vingança”, “Verônica”, “Apenas o fim” e, de certa forma, “Se nada mais de certo” abdicam de sinceridade e preferem mostrar um mundo estilizado filtrado por seu amor ao cinema, aos quadrinhos e aos seriados de tevê com o qual cresceram, uma tendência que, para o bem e para o mal, moldou a produção brasileira dos anos 80 e que volta agora com força total depois de um período mais regionalista e engajado. "Juventude" escapa desta fórmula, mas cai na do próprio Domingos de Oliveira, que usa o formato confessional desde "Todas as mulheres do mundo" e principalmente depois que adaptou os diários de sua filha para o megahipersucesso teatral "Confissões de adolescente".
1. Festa da Menina Morta
O ritmo lentíssimo e a rigidez formal vão levar boa parte do público a urrar em agonia, mas, ao contrário de muitas fitas onde tais atributos têm apenas a função de conferir solenidade e intimidar o público, Mateus [AUTOTEXTO] tem um objetivo aqui – refletir a miséria e a ritualização religiosa da vida no Alto Cafundó do Judas. Com a temática mais original e complexa da mostra este ano, abordando religião (e, por extensão, a arte), messianismo (e, por extensão, a estrela) e miséria, o filme ainda apresenta a belíssima fotografia de Lula Carvalho. O grande senão para o imenso quadro de críticos especializados deste saite é o incesto homossexual, no qual nenhum dos nossos muitos especialistas viu qualquer outra função a não ser a de chocar.
2. Se nada mais der certo
Jornalista de classe média meio marginal - e paulista! - pode soar redundante e um enorme risco, ainda mais juntando a isso pequenos traficantes, travestis, personagens deprimidos e um discurso contra vender-se ao sistema (e ainda por cima com câmera tremida, desfocada e edição nervosa). Só sair ileso dessa premissa é um feito e tanto, mas José Eduardo Belmonte vai além e consegue prender a atenção do público mostrando sinceridade nas relações afetivas dos carentes personagens principais e verossimilhança nessa misturada de referências culturais pop típica dos anos 80.
3. Vingança
Rinha
“Vingança”, “Rinha”, “Verônica” e “Apenas o fim” radicalizam o que se comentou acima e mostram a tremenda influência das referências culturais de seus autores. “Verônica” trafega por terreno delicado ao usar realidade brasileira como pano de fundo para um thriller e perde para os outros por ter contado com imensamente maiores recursos de produção. “Apenas o fim” tem grandes cenas e diálogos, mas contou com zero recursos de produção (é um projeto de um estudante de cinema de 19 anos!) e isso é visível. O nosso descomunal quadro de críticos portanto acabou se dividindo entre o esfuziante “Rinha”, com uma proposta mais abarcante, e o conciso e pequeno “Vingança”. Ambos às vezes escorregam nos clichês, mas a maior precisão deste e a menor quantidade de recursos (grana, sempre a grana) o fazem empatar com a visualmente mais interessante e movimentada fita sobre festas, violência, humor negro e jiujutecas.
Festival de Cinema do Rio 2008 - A Canção de Baal, de Helena Ignez
O enviado especial Antônio Rogério da Silva achou as composições reminiscentes da era pré-som e não gostou da história, por isso que achou que o filme teria sido melhor se mudo, ainda que visualmente esplêndido. É que ele esqueceu que cinema é uma arte visual e se o visual é bom, metade do caminho já foi.
E quando se fala que o visual de “A canção de Baal” é muito bom, não se está querendo dizer que “a fotografia é bonita”, famosa frase que corresponde ao beijo da morte, como muito bem definiu o cartunista e resenhista deste grande saite (e do dele, é claro), Arnaldo Branco. Não, a fita não só tem bela fotografia e iluminação como conta com excelentes enquadramentos, ótima direção de arte e grandes locações, a maioria aparentemente no meio do mato. Ah, sim, e ainda tem belas e muitas mulheres bonitas sem roupa e carinhosamente fotografadas (para as moças e alternativos, tem também éfebo pelado).
E, se você realmente saiu de casa para ir ao cinema ver a estréia na direção de Helena Ignez, grande musa do cinema udigrudi, viúva do brilhante Rogério Sganzerla, certamente sabia no que estava se metendo. Um ar contracultural anos 70, Brecht, Einstein e um hippie velho ao mesmo tempo fracassado e bem-sucedido, genial e farsante, amoroso sedutor e perverso pústula. Arte não sobrevive sem crueldade e é impossível amar sem magoar e quando o poeta e cantor Baal com sua voz roufenha ataca suas canções, revela todas as suas facetas, incluindo o lado negro da Força.
Os diálogos não têm nenhum realismo e a narrativa nenhuma linearidade, mas conhecemos e entendemos os personagens (e as personagens! Sem roupa!) e o filme é extremamente fiel e bem-sucedido em sua proposta contracultural udigrudi hippie alternativa easy rider marginal de mimeógrafo. De tão retrô a fita é até capaz de agradar os moderninhos cínicos negativistas materialistas céticos. Já pra quem já é chegado na coisa, vai dar uma vontade terrível de juntar os amigos e se mandar pra São Pedro da Serra, pra ficar tomando cachaça, ouvindo música e planejando como mudar o mundo.
P. S.: Pouco antes da projeção, alinhou-se frente à tela a equipe de produção e algumas das belas atrizes que iriam encantar a fita logo depois. Entre as muitas jovens, uma chamava a atenção por ser extremamente parecida com a Beth Goulart. Bastou rolar os créditos para se perceber que não era só parecença, era a própria, embora por todos os cálculos lunares e solares ela devesse ter mais de 40 anos e não apenas os vinte e poucos que levou ao cinema. Não foi só Christiane Torloni que descobriu o segredo da eterna juventude. Pena que ela não se juntou à turma depois no Verdinho da Cinelândia.
Festival de Cinema do Rio 2008
Verônica, de Maurício Farias
Os Farias fizeram o maior clássico policial do cinema brasileiro, “O assalto ao trem pagador”, e um dos melhores veículos infanto-juvenis para cantor na crista da onda (e não só no Brasil), o divertidíssimo “Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa” (tão à frente do seu tempo que tinha em sua trama um samurai com poderes místicos e um final enigmático sugerindo forças cósmicas em conflito). Mais polêmico foi o “Pra frente, Brasil”, de 1982, na época da abertura política, sobre a tortura na ditadura. Muita gente achou que soava ridículo a então estrela global Elizabeth Savalla dizendo (mal) “nunca vou abandonar a luta armada” e que fazer um thriller sobre esse assunto era de gosto duvidoso. Outra turma argumentava que o formato tinha mais apelo de público e, mesmo não sendo uma análise profunda ou particularmente corajosa, levava a discussão sobre os anos de chumbo a mais gente do que quietas fitas menos comerciais, como “Nunca fomos tão felizes”.
Essa discussão, de certa forma, pode se aplicar ao “Verônica”, de Maurício Farias, que também co-escreveu o roteiro que empilha clichê sobre clichê (começa, acreditem, com o microfilme – atualizado para um pen-drive - que cai por acaso nas mãos da protagonista!) com competência, profissionalismo e excelente ritmo, criando uma trama policial divertida e eficiente. Infelizmente, os diálogos também abusam do lugar-comum de forma bem menos agradável. O que é uma pena, porque as falas da cena de abertura são ótimas e preparam o espectador para linhas bem melhores do que as entregues pelo resto do longa.
A direção também não aproveita ao máximo as muitas boas cenas de suspense no roteiro, preferindo partir para uma edição picada e uma resolução rápida, ao invés de esticar o tempo cinematográfico. Andréa Beltrão está excelente como a professora e vai bem do mau-humor e irritação aos momentos mais candentes, sem deixar a peteca cair. Mas o garoto Matheus Sá, que em boa parte da fita contracena com ela, frequentemente deixa a desejar, prejudicando a química central do filme. Marco Ricca cria seu personagem sem muitas nuances, e nem o longa exige tanto dele, mas muitos dos atores que aparecem em pequenos papéis ou têm apenas duas ou três falas não aparecem bem.
Em suma, apesar de seus problemas e de uma resolução algo insatisfatória, “Verônica” é um thriller bastante divertido, podendo se perceber o prazer dos escritores em alinhavar com eficiência e precisão os clichês que eles tanto admiram em filmes policiais, bem como o de Andréa Beltrão ao interpretar sua professora de meia-idade, frustrada e, embora ainda bastante atraente, com clara noção de que seus dias de juventude estão no fim. A produção evita locações óbvias e passa o tempo inteiro filmando em condomínios de classe média baixa, enormes prédios de conjugados, favelas menos cenográficas do que o de costume e biroscas pé-sujo em lugares como a praça da Harmonia, a Gamboa e a Praça Onze. O problema é que a fita se põe de pé apoiando-se em tráfico de drogas e policiais corruptos, que funcionam muito mais como McGuffins – os traficantes virtualmente aparecem apenas na abertura e em uma cena de perseguição – do que como sinceras e cortantes denúncias sociais.
Para o valente editor deste saite, Zé José, por exemplo, é um absurdo que, além de condenarmos esse povo miserável todo a viver nesses guetos dominados pelo movimento, ainda os usemos como cenário e figurantes para fantasias cinematográficas. Mas será que devemos ser tão duros assim com “Verônica”? O enfoque do longa é na classe média mais para baixa que habita as quitinetes daqueles monstros de alvenaria que invadiram o Rio entre os anos 50 e 70, principalmente. Em quase todos os enquadramentos externos, sempre se vê ao fundo comunidades, velhos sobrados decadentes, cortiços, praças concretadas sem verde. Para boa parte da população da cidade, é essa a visão de seu mundo, com a miséria e a violência do tráfico de drogas sendo algo periférico, que ameaça envolvê-la, mas com o qual ela convive periclitantemente. Não deixa, portanto, de ser um comentário subliminar à visão de vida de Verônica e suas amigas professoras, com todos aqueles tiroteios e chefões do crime sendo algo meio distante, cuja existência o diretor Maurício Farias (assim como o noticiário, na vida real) insiste em lembrar sempre, apesar dos esforços para ignorá-la.
Em suma, “Verônica” é um filme feito por quem tem noção de como funciona uma história de gênero e que consegue com verossimilhança desenrolar um thriller no Rio de Janeiro. A direção, os diálogos e algumas atuações não estão à altura do divertido roteiro, mas é delicado usar problemas sociais sérios como os do Rio como alavanca de filme de suspense. A fita consegue se sair bem dessa, mas é sempre bom lembrar, por exemplo, que Hitchcock costumava lançar mão de tramas mirabolantes e claramente irreais para pôr de pé seus comentários sobre sexo, voyeurismo, poder, dinheiro e materialismo. Quando resolveu partir para assuntos menos abstratos, em “O homem errado”, abdicou de suas voltas de força cinematográficas e se concentrou em fazer um longa mais comportadinho, por mais compatível com a gravidade do tema.
outubro 06, 2008
Woody Allen é um Velho Pedófilo e Incestuoso
A Revista Zé Pereira mudou. Agora é online, quer dominar o mundo e para isso chamou megalômanos paranóicos de toda a Web para colaborar. Fui chamado para cobrir o Festival do Rio 2008 e vou publicar simultaneamente aqui e lá tudo a que eu for assistir.
Matheus Souza resolveu se antecipar às críticas ao seu filme e faz a garota bonita comentar que leu o roteiro do namorado estudante de cinema e que parece peça de teatro, não acontece nada. A referência é à própria fita, é claro, o problema é outro, é que desde quando não acontece nada em “Henrique V”, “Peer Gynt”, “Cyrano de Bergerac”, “Rasga coração” ou “Os 7 gatinhos”?
Mas não é mais esse tipo de peça que se vê nos palcos. A herança do besteirol, o teatro que esqueceu a politização e começou a fazer humor com referências da cultura pop e dos rituais diários de uma classe média mais globalizada e sofisticada urbana, foi o espetáculo sobre relacionamentos com um viés cômico. Exigia pouca gente, nada de cenários suntuosos ou efeitos elaboradíssimos de luz, muito menos coreografias ou cenas de luta e duelo. A coisa foi se radicalizando até que os atores começaram a se produzir buscando textos que fossem monólogos e se encaixassem nesse perfil confessional. Assim sairia barato e daria chance à estrela de brilhar. E esse formato, explorado à exaustão, sobrevive até hoje, com vários deles habitando neste momento os tijolinhos dos cadernos culturais e alguns lotando os teatros. Transpor isso para as telas é complicado porque o cinema não tem a presença física do ator junto à platéia. Mesmo com essa vantagem poucas dessas produções arriscam-se a ir além de uma hora de duração.
Por isso “Apenas o fim” desde o começo avisa que a história durará uma hora. Com cinco minutos de filme os personagens já estão delineados e já sabemos tudo que vai acontecer com eles. A garota bonita resolve terminar tudo com o namorado nerd e sensível e os dois se despedem durante uma hora, relembrando o namoro. Não há nenhuma explicação plausível e os flashbacks e memórias, menos do que esclarecer a história emocional dos dois, são um veículo para o estudante de cinema falar de si próprio. Sua namorada, mesmo levando-se em conta que é mostrada pelo ponto de vista do garoto, é apenas uma escada para os ditos espirituosos e comentários irônicos do sujeito. Alguns excelentes e engraçadíssimos, outros nem tanto, todos contando com um Gregório Duvivier que extrai o máximo de cada um. Já nos momentos dramáticos o elenco não rende tanto, até porque eles aparecem forçada e subitamente no meio da história, como se quem estivesse escrevendo lembrasse de repente que era preciso um pouco de emoção.
Mas essa crítica aí em cima está sendo feita como se a fita tivesse saído de Hollywood, das mãos de veteranos artesãos. “Apenas o fim” é um longa de um rapaz de 19 anos que juntou os amigos de faculdade e botou um filme em pé, assim como o Colombo fez com o ovo – falar é fácil, quero ver fazer. Precisando de uma historinha que prendesse a emoção, pudesse ser filmada no campus da universidade e tivesse pouca gente, é quase impossível para um adolescente conseguir pensar em outro enredo que parecesse verossímil. Há excelentes diálogos e o esquete com o sonho da menina no quadro-negro é hilariante. Argumentando-se agora como um universitário com menos de 20 anos, a grande reclamação é que o rapaz repete várias vezes como sua namorada é a moça mais louca que ele já encontrou e em qualquer curso superior de ciências humanas aquela personagem não pega nem banco de time juvenil; aliás, os dois mais parecem namoradinhos de segundo do que de terceiro grau.
O estudante de cinema é um nerd sensível, não é bonito, sente-se meio desajustado e um perdedor; é óbvia a influência de Woody Allen, sendo desnecessário para se chegar a essa conclusão a aparição do poster do cineasta no que provavelmente é a casa do protagonista. Allen é a grande influência que criou o filme sobre relacionamento, quando nos anos 70 a mudança de valores, inclusive sobre responsabilidade e maturidade (veja a crítica sobre “Juventude”) fez as pessoas passarem a encarar casamento como apenas outro tipo de namoro. Assim como o teatro lá em cima, Allen começou fazendo besteirol e depois resolveu falar sobre as pessoas. Como já disse uma dramaturga ianque cujo nome me escapa agora, nos anos 90 o buraco na camada de ozônio aumentou, a CIA teve o orçamento aumentado e age em cada vez mais países, com mais abundância do que nunca na história, cada vez maior é a desigualdade social, o fascismo, a intolerância religiosa e o racismo estão voltando no mundo inteiro e qual a grande obssessão dos autores e do público americanos? Os relacionamentos.
Woody Allen costuma pintar um mundo injusto com as pessoas mais sensíveis e desajustadas, com mulheres, grandes, incompreensíveis e assustadoras demais. Os personagens de Allen são sempre obcecados com elas, sendo os que mais genuinamente as amam e por isso os que normalmente se dão mal, vítimas de um destino injusto e arbitrário. Para os adolescentes nerds a identificação é automática, afinal as mães lhes dão (ou deram até ontem) a sua mesada, moram com eles e os controlam (ou o fizeram até ontem), e eles ainda estão (ou não) começando a descobrir a independência e a vida lá fora.
Mas isso é uma fase que acaba com a juventude. Depois as pessoas crescem, tomam boa parte da vida nas próprias mãos e tornam-se responsáveis por seus atos. Existe sorte, é verdade, mas ela sempre está do lado de quem realmente quer alguma coisa. Com o tempo se descobre que as pessoas são vítimas apenas do que elas fazem com suas próprias vidas. "Nada acontece a uma pessoa que não se pareça com ela", já dizia Aldous Huxley. Sempre que alguém pensasse em fazer uma história de relacionamento meio Woody Allen, deveria ser contando o que leva um velho rico, bem-sucedido, famoso e respeitado a comer a própria filha menor de idade, pelas costas da mãe, e ainda por cima passar o tempo todo reclamando como a vida é injusta para com ele. Esse seria um filme interessante.
Festival de Cinema do Rio 2008 - Se Nada Mais Der Certo
Rapaz, estava falando ainda outro dia, na crítica do “Vingança”, do povo que cresceu nos anos 80 vendo filme noir, lendo Bukowski, então sendo lançado aqui pela Braziliense, e colecionando as primeiras “graphic novels” a aparecer nestas plagas, e de como suas tentativas de contar histórias transpondo o herói sensível, cínico e ultra-romântico que eles tanto admiravam para as telas trouxe resultados aquém do esperado. Pois não é que 20 anos depois finalmente eles estão conseguindo?
E a influência desses ícones aí em cima no “Se nada mais der certo”, de José Eduardo Fonseca, é tanta que em dado momento os personagens se embebedam com a ajuda da “vodka Bukowski”. O velho Buk não tinha simpatias por povo de classe média metido a ser verdadeiro marginal, como o jornalista duro protagonista do longa, mas a coisa (quase) toda é tão bem feita que consegue desviar-se da auto-exaltação e da auto-piedade, as armadilhas escondidas na folhagem de quem resolve contar uma história seguindo com esse tipo de herói.
Sim, porque o jornalista que Cauã Reymond defende bem é claramente alter ego dos criadores e figura de identificação da platéia. Vez por outra o roteiro escorrega em seu romantismo ético, como quando deixa claro que ele não se deita com nenhuma das duas mulheres de quem passa o filme cuidando, uma delas inclusive morando com ele, uma moça bem neurótica, e não é pra menos, o sujeito por quem ela obviamente sente atração não toma nenhuma atitude...
Mas isso é detalhe. Usando a hoje em dia já tradicional câmera de vídeo tremida e desfocada e edição nervosa, a fita segue a vida de alguns personagens que se encontram por acaso – a moça de sexualidade duvidosa que faz alguns aviões, um taxista depressivo, o jornalista duro, e como eles formam uma família postiça. O jornalista volta e meia mostra romantismo e dignidade demais, como quando faz um discurso contra se vender à sociedade de consumo (felizmente de apenas umas duas linhas) ou não consegue desempenhar quando um amigo patrocina uma ida ao bordel, mas a vontade dele de fazer amizade com todo mundo e a óbvia alegria que ele e os outros habitantes da fita sentem em companhia um dos outros conseguem nos vender esse universo fílmico de desajustados felizes por encontrar seus iguais.
Como sói acontecer nos filmes noir e graphic novels que influenciaram os criadores de “Se nada mais der certo”, a história acaba descambando para crimes, aventuras e armadilhas do destino. A trama é bem recheada de incidentes e não se detém muito em nenhum deles a ponto de nos fazer pensar em sua verossimilhança ou se são tão importantes, mantendo nosso interesse e atração. E, importante, mantém o ar regional, escapando de outro erro normal nesse tipo de fita, a exposição da alienação do artista, incapaz de se libertar da influência da cultura americana, presente o tempo todo, é claro, mas filtrada por olhos de metrópole do terceiro mundo.
outubro 04, 2008
Festival de Cinema do Rio 2008 - Glória ao Cineasta, de Takeshi Kitano
Pois alguma coisa deve ter acontecido, tipo ele levou um pé na bunda, ficou meio arrasado e resolveu se trancar em casa algumas semanas com uns DVDs do Monty Python, de uns filmes-cabeça e nos intervalos entre os disquinhos ficou zapeando e vendo os animês e programas de auditório, tudo regado a bastante substâncias estupefacientes, que ninguém deve consumir, pois seria uma infração da Lei e estaria ainda por cima financiando o crime organizado. Aí, no meio da fumaça e da sala escura, o Kitano ficou com o pensamento nostálgico, lembrando como eram bons os tempos em que ele ficava fazendo aquelas comédias, como as coisas eram mais fáceis naquela época... e resolveu fazer uma. Detonando filmes-cabeça, os arrasa-quarteirão de bilheteria, ele mesmo, com um jeitão Monty Python, mas com aquelas coisas de cultura pop bem japonesa, saca assim? “E como é que a gente vai chamar isso”, perguntou o japa doidão fumando com ele. “Glória”, respondeu o Kitano. “Não aguento mais você falando dessa mulher”, respondeu o interlocutor, “mas ela tinha que voltar pra mim... de que adianta ser cineasta sem ela?” “Por que você não chama o filme de GLÓRIA AO CINEASTA pra ela se tocar que você ainda sente falta dela?”
E assim começou a produção. O filme sacaneia Ozu (em preto-e-branco e com câmera parada, parando a história no meio porque hoje em dia ninguém aguenta ver pessoas tomando chá e saquê durante meia hora), as fitas de Yakuza do próprio diretor, os chineses voadores e os super-samurais, a enxurrada do terror japa, até o final over-over-over-over-over-over-(...)-over-over-over, com piadinhas que lembram o estilo absurdo e exagerado do finado programa de apostas “Banzai” (que, aliás, era uma falsificação japonesa), embora sem incursões na escatologia (como aquela vez em que o show perguntava, “qual desses sujeitos é um farsante e está apenas fingindo ser um veterinário com o braço enfiado no cu da vaca, já que na verdade é maneta?”). Pra se ter a idéia da coisa, uma das cenas é quando o dublê boneco de Kitano (não pergunte) está sendo espancado violentamente; seu cabelo falso cai aos poucos; depois é a vez de seu uniforme japonga, revelando uma camisa branca com detalhes em vermelho e azul; os agressores olham aterrorizados; a câmera recua e revela-se que o boneco virou um boneco de Zinedine Zidane, com a 10 da França, que cabeceia e nocauteia todo mundo.
Isso, é claro, é só o começo; não vamos entrar em detalhes sobre o anúncio perseguindo o trem ou o robô com o soco-foguete que enfrentou Saddam Hussein. Não dá pra contar as paródias das delicadas composições das fitas sensíveis que inundam o Estação não só durante o festival, nem da sátira ao próprio último drama pesadão (em que Kitano só atua), “Consumido pelo ódio”. “Glória ao cineasta” é o tipo do filme que as piadas só funcionam (e muitas não) vistas, e não contadas. Na metade final, tudo é tão absurdamente overmente exageradamente demais que cansa e se perde um pouco. Mas, em casa, um dia, com os amigos, a fim de curtir, vai ser um barato.
outubro 03, 2008
O Aterro Não é um Lugar Seguro para Mamíferos
a) O artista buscava uma metáfora poderosa sobre a decadência do Rio;
b) Vacilou na mão do CV e os elementos resolveram submetê-lo ao "Golfinhos de Miami" (v. Tropa de Elite V);
c) Foí vítima de atropelamento e fuga;
d) Foi vítima de um assalto;
e) Foi fazer seu jogging, mas estava fora de forma e acabou botando as tripas para fora;
f) Estava em casa depois que o pai e a madrasta saíram, quando apareceu um terceiro homem e o atirou pela janela.
Ex-centricidade
que as estrelas continuarão a brilhar
e que as ruas continuarão sendo trilhadas
depois de mim
O pior é constatar
que nada disso
foi criado para mim
Outras Grandes Produções do Cinema Brasileiro
outubro 02, 2008
Festival de Cinema do Rio 2008 - Premiere Brasil
De Volta para o Futuro
Demorou cinco filmes e uma semana, mas finalmente apareceu mulher pelada na Première Brasil. O que houve com o cinema brasileiro dos anos 70 e 80 pra cá?
E talvez por não coincidência o primeiro longa com tais atributos acabou sendo justamente um com jeitão de anos 80. Aquela foi a época em que a primeira geração criada com televisão chegou às telas, fascinada com quadrinhos da “Heavy Metal” e o “film noir” que passava no Corujão (antes da cinematografia em preto-e-branco ser banida da tevê aberta e refugiar-se no solitário TCM). Urbana e globalizada via satélite, não tinha muita intimidade com miséria e regionalismo, daí uma tentativa de transpor os angustiados anti-heróis de classe média das fitas dos anos 40 e 50 para o Brasil que, passando pela década perdida, parecia se prestar muito bem a tal papel.
Mas a enorme dificuldade na obtenção de fundos, a inexperiência, os engasgos naturais ao se tentar uma estética nova, os problemas e custos muito maiores da película sobre o vídeo digital e, por que não dizer, em alguns casos a falta de talento, deixaram como herança um punhado de fitas esforçadas porém esquecíveis. Vinte anos depois, “Vingança” leva às telas em alta definição uma trama policialesca de louca paixão, ironias do destino e mulheres irresistíveis com muito mais competência e profissionalismo, mas bem menos preocupação com claro-escuro (ou mesmo escuro, o filme é muito luminoso evocando a radiante personalidade da Carol), e, infelizmente, menos mulher pelada também.
Guta Stresser, aliás, não deve ter tido o menor problema em ser convencida a tirar a roupa (yes!) depois de ler a quantidade de boas linhas reservadas a seu personagem – e aí começam as vantagens de “Vingança” sobre a turma oitentista, um roteiro bem melhor. Pena que, apesar da ótima atuação da garota – trajada e despida (não o suficiente) – a direção não tenha imposto um ritmo mais acelerado às falas dela, bem como às do taciturno protagonista. Depois de uma semana de Premiére Brasil, apesar da qualidade dos filmes, seria bom alguém lembrar que personagem angustiado não precisa necessariamente se mover ou falar lentamente (cf. Bogart, Humphrey, ou Gabin, Jean, ou Newman, Paul), tampouco moças charmosas de uma maneira encantadoramente alternativa (cf. Bacall, Lauren).
Aliás, depois do pós-modernismo MTV de “Rinha” e dos dois exemplares do cinema neonovo, foi muito estranho entrar no Odeon e assistir a uma narrativa convencional. Convencional até talvez demais. Com ênfase em planos médios e closes a fita tem um ar inegavelmente televisivo, como se ideada para caber confortavelmente numa tela pequena. A boa trama, as boas atuações e os bons diálogos, entretanto, carregam o espectador pela história confortavelmente e, principalmente, com uma sensação de satisfação de história policial bem resolvida ao final (qual o problema se tem algumas coincidências? Aposto que você adora “Casablanca”), o que é raro aqui onde canta o sabiá.
O protagonista, apesar de seu permanente ar sorumbático e macambúzio traindo sua aflição interna, acaba se revelando uma construção coerente e interessante. O bem escrito patriarca de José de Abreu permite ao veterano exibir seus dotes tespianos. E a moça encarnada pela Guta Stresser pode ser mais a personificação de sonhos masculinos do que uma mulher de verdade, mas assim também o são grandes personagens do cinema e da literatura (e você acredita realmente que tinha tanta mulher atrás do Bukowski mesmo?) e, tirando a parte na rua da cena de sedução, é otimamente redigida. E ainda por cima ela tira a roupa. Legal.
Festival de Cinema 2008 - "Feliz Natal", de Selton Mello
A coisa melhorou com o patrocínio e as leis de incentivo, e muito mais ainda com a introdução das câmeras de vídeo digital, que dispensaram a caríssima película, mas continua sendo muito difícil fazer cinema no Brasil. Uma das consequências é que o sujeito talentoso, quando tem sua oportunidade, precisa de qualquer maneira provar suas qualidades e fazer se possível logo sua obra-prima, pois sabe lá o Santinho quando vai aparecer outra chance. Assim o vivente logo na estréia tem não só que mostrar pleno domínio da técnica, da linguagem como ainda por cima ter algo de relevante a dizer, mesmo com toda sua inexperiência.
Selton Mello, talentoso, bem-sucedido, famoso, gente boa etc., podia ter seguido a trilha de boa parte dos atores que resolve se bancar em teatro e cinema e ter buscado um caminho comercial que servisse para destacar seus dons tespianos (quantas e quantas vezes não me foi pedido por gente de teatro um texto que fosse monólogo, por barato de produzir e dar a chance do ator brilhar, e, “ça va sans dire”, uma comédia, assim, meio besteirol, por ter mais apelo de público). Mas resolveu correr o risco, mostrar o que tinha a dizer e “Feliz Natal”, que esteticamente pode ser posto junto do cinema neonovo de Chico Assis, Beto Brant, e agora também Mateus [AUTOTEXTO], entre outros, encara aqueles obstáculos lá do lide e acaba revelando a inexperiência de seu diretor.
Denise Lopes se aproxima das bolas já com o taco na mão, na festa de lançamento de Feliz Natal
A fita quer mostrar o vazio na vida de uma família durante a comemoração de Natal, mas o roteiro indeciso não define exatamente como as coisas chegaram a isso. Há uma menção a um acontecimento importante que mudou a vida de um dos personagens, mas tudo é muito vago e boa parte é deixada à imaginação dos espectadores, embora outros pontos óbvios sejam reforçados à exaustão (exemplo: o protagonista, no dia de Natal, deixa a família e os amigos para procurar um túmulo num cemitério. O vigia da necrópole então comenta, “puxa, nunca vi ninguém deixar a família e os amigos no dia de Natal para procurar um túmulo num cemitério. Deve ser alguém bem importante para você”).
A câmera tenta fugir de qualquer maneira do lugar-comum, mas em sua busca incessante de ângulos originais e interessantes muitas e muitas vezes acaba descambando para hipercloses, ou para silhuetas conversando que deixam no espectador dúvida sobre quem está falando. Como a maioria dos diálogos é banal, esta pode ter sido justamente a intenção do diretor, mas num roteiro em que tão pouco é dito claramente, a sensação é de que pode se perder informação importante, não sabendo quem comentou o quê em determinado momento. Em meio a tanta gente sussurrando, os personagens que saem desse molde acabam se sobressaindo e permitindo a Lúcio Mauro, o pai, e Darlene Glória, a mãe, embolsarem a fita. Por esse mesmo motivo também se destacam os amigos doidões do protagonista.
O longa também é carregado de simbolismo do começo ao fim – Um ferro-velho, Caio martelando e destruindo carros, fazendo amor sem entusiasmo debaixo do chuveiro, como para lavar velhas culpas, Darlene Glória se maquiando, fazendo discurso ignorado sobre o espírito de Natal e por aí vai. Mais uma vez não condiz com o roteiro tão avaro em nos explicar como a família se desagregou tanto. Embora as imagens sejam inegavelmente melancólicas, falta substância a tanto quieto desespero. Angústia e depressão são sentimentos exatamente assim, vagos e indefinidos, e a turma do Freud fez a fortuna justamente tentando identificar a fonte deles. Mais do que mostrar os atos, nos são exibidas apenas as consequências, sem maiores detalhes. Os autores não quiseram ou não conseguiram lidar com o que seria muito mais trabalhoso e, principalmente, doloroso, ainda mais para pessoas tão jovens (doloroso sim. Pensa que escrever sobre suas emoções é moleza?).
Da forma como está, a sensação ao final do angustiado “Feliz Natal” é como se alguém mostrasse Nova Orleans inundada ou Sumatra arrasada ou Nova Iorque sem as torres gêmeas e não contasse o que tinha acontecido, fazendo a elipse do Katrina, do tsunami e dos jatos. A sensação de quem chegou depois do vendaval e encontrou a casa destruída sem nenhuma explicação.
outubro 01, 2008
Festival de Cinema 2008 - JUVENTUDE, de Domingos de Oliveira
Pois é, o Pete Townshend alcançou a fama com esse verso aí em cima. Quando ele chegou lá pelos sessentinha, alguém perguntou, “e aí, e aquele papo de preferir morrer a envelhecer?”, ao que o escrevinhador de “Tommy” respondeu, “ué, mas eu AINDA prefiro morrer a envelhecer!”
Antigamente as coisas eram mais fáceis. Você era rico e passava a vida espezinhando os inferiores, dormindo com a mulher dos menos favorecidos e festejando, até a gota, a arterosclerose, os parasitos e as doenças infecto-contagiosas transformarem-no numa ruína, quando então descobria sua espiritualidade e sabedoria e esperava a morte que chegava logo, ou você era pobre e trabalhava feito um condenado até, na provecta idade de trinta e cinco anos, ser um ancião. Tudo simples. Mas aí veio a Revolução Industrial, a classe média apareceu e a expectativa de vida começou a subir.
Era mais fácil lidar com a decadência e a morte. Não existiam UTIs ou asilos. Os clãs viviam todos na mesma casa e cuidavam dos parentes mais velhos, bem anciãos (alguns com quase setenta anos!). Quando chegava a hora deles, normalmente após uma longa doença, as crianças eram levadas junto à cama para se despedirem. No século XX, com o crescimento das cidades e o surgimento do apartamento, bem como dos eletrodomésticos que dispensavam a enorme criadagem necessária anteriormente, as famílias se separaram. Em cada residência passou a morar apenas a família nuclear – o pai, a mãe, os filhos (muitas vezes até sem um dos pais). Até a empregada passou a ser diarista. Sem crescerem lidando com a morte (até porque é uma idéia abominada pela sociedade de consumo) e relacionando-se com um número bem menor de parentes (o que agrava os complexos de édipo e outras neuroses surgidas no âmbito familiar), começou a surgir a o perfil da personalidade neurótica de classe média globalizada sensível que fez a fama de Woody Allen.
A princípio eram os jovens que chegavam ao fim de seus estudos e não sabiam bem o que queriam da vida, não se casavam e se enquadravam imediatamente. Esses jovens cresceram e lá pelo final dos anos 70, início dos 80, fez sucesso uma série americana, “Thirty-something”, enfocando o pessoal que mesmo depois dos trinta ainda não sabia muito bem o que fazer quando crescer (curiosidade: o elenco de “trintões” hoje em dia seria escalado pra representar gente do lado de cima dos quarenta). E hoje seriados como “Desperate Housewives”, “Once and Again” e afins ganham prêmios e público falando do pessoal de quarenta anos que não sabe muito bem o que fazer quando crescer. Adiantando-se à tendência, Domingos de Oliveira mostra neste Festival do Rio “Juventude”, contando a história de três sessentões que não sabem muito bem o que fazer quando crescer.
O ditado clássico diz “the spirit is willing, but the flesh is weak”, o espírito até quer, mas a carne é fraca. Hoje em dia está completamente desatualizado, deveria ser “the spirit is willing, but the flesh is strong”, o espírito até quer, mas a carne é forte. Até o começo do século XX, depois dos quarenta anos, suas artérias entupidas, o cigarro, a alimentação ruim, as lesões acumuladas em longas infecções ao curso de décadas cobravam seu preço. Ano após ano, mais e mais se fazia alguma coisa pela última vez. Dificuldade de locomoção, de concentração, impotência (ainda mais porque a mulher, depois de cinco, seis filhos seguidos, parecia um barril), a vida era como uma casa da qual um a um iam sendo retirados todos os móveis e objetos, até que se tornava apenas um espaço vazio e sombrio e não restava nada a não ser a porta da saída.
Mas os avanços da medicina, a melhor alimentação, os antibióticos, drogas anti-colesterol, ênfase na malhação, mudaram tudo. Com o barateamento do Botox, do lifting, do implante de seios, de cabelos, da injeção de silicone contra rugas, até a aparência pode se manter quase indefinidamente na maturidade. Na própria fita em questão, Domingos, apesar de seus setenta e dois anos, tem uma cara que poderia levá-lo a ser escalado tranquilamente como um sujeito de 45 anos. Somando-se a isso a revolução sexual, o fim do casamento para sempre e a disponibilidade de parceiras, quem é que quer assumir a velhice e a proximidade da morte?
E esse é o cerne de “Juventude”. A idade que antigamente delimitava a vida (depois era lucro) foi empurrada dos 60 para os 80 anos (para gente de classe média pra cima, é claro). Numa sociedade capitalista onde perdeu-se completamente o vínculo com o sistema produtivo (o que vocês acham de um sujeito que ganha a vida escrevendo sobre entretenimento?), a alienação em relação ao funcionamento da sociedade traz também uma ausência de senso de responsabilidade. Num mundo em que qualquer sujeito de classe média leva uma vida bem mais luxuosa do que qualquer príncipe pré-revolução industrial (sem o poder, é claro), secularizado e consumista, esse povo que não precisa trabalhar o tempo todo para viver acaba com uma certa sensação de vazio, uma ansiedade que antigamente acabava com a adolescência quando a preocupação passava a ser pagar as contas no fim do mês e arrumar o leitinho das crianças (que hoje também chegam só depois dos trinta). E assim a adolescência pode ser empurrada adiante com a barriga, cada vez mais para longe.
O filme? Divertidíssimo. Domingos de Oliveira bebe há mais de 50 anos com gente interessantíssima. Tem histórias boas pra contar pra filme e peça que não acaba mais. A fita fica com esse clima de papo de amigos interessantes contando velhas histórias até mesmo no final. Porque esses papos não são arcos dramáticos, eles normalmente acabam sem mais nem menos, com o pessoal do bar virando as cadeiras e jogando água no chão, senão iam noite adentro. E o mesmo acontece com o filme, encerrado meio de sopetão, meio arbitrariamente. Como essa crítica.