O único amigo meu que foi ver SPEED RACER, quando perguntei pra ele se o filme era bom, respondeu “não sei”. Quando o público sai do cinema sem saber se gostou, ou é uma fita de um diretor prestigiado, com um tremendo cartaz, tão impositivo que a inteligência do pobre espectador será posta em dúvida caso ele não concorde que é uma obra-prima, ou é um longa tão estranho e diferente da média ou do esperado que deixa o vivente desequilibrado. Dificilmente uma adaptação de um desenho (des)animado japonês dos anos 60 cairia no primeiro caso, logo só posso achar que é a segunda alternativa.
Todo mundo viu MATRIX dos irmãos Wachowski e a maioria pescou a extremamente bem-sucedida transposição do mangá para a tela grande com pessoas de verdade vendendo uma metáfora de budismo e iluminação e, surpresa das surpresas para um arrasa-quarteirão de Hollywood, um chamado ao inconformismo. Depois eles tentaram jogar no meio também a estética e a trama dos videogames, o que desandou completamente a mistura nas duas fitas seguintes. Mas apesar de tudo, o primeiro volume já é um clássico e provavelmente sua fama vai crescer ainda mais à medida em que o povo que cresceu à sua sombra se aposse da crítica cultural.
E, no meio de todo o merchandising de MATRIX apareceu uma coleção de desenhos animados, a ANIMATRIX. Entre as histórias, uma que normalmente não chamava muito a atenção do povo, que se impressionava mais com a computação gráfica, o animê radical ou o pastiche de film noir. Era um conto sobre um atleta, um corredor, que quando estava prestes a ultrapassar seu limite, quando estava completamente concentrado em seu esforço para abaixar seu tempo, quando estava no limiar de suas possibilidades, conseguia ter um vislumbre do mundo real além da criação virtual da matriz. Por um instante ele tinha uma epifania, uma visão da verdade, uma percepção de Deus.
SPEED RACER trilha o mesmo caminho. Na verdade, os fãs de fórmula 1 vão lembrar de uma entrevista de Senna em que ele afirmava ter tido uma visão de Deus guiando seu McLaren a toda. Que ele estava dirigindo sem sentir, sem pensar, como se não estivesse lá. Quase todo mundo já entrou por um instante nessa zona, em que tudo se conecta, seja ao volante, datilografando, jogando um videogame, escrevendo, amando. Uma sensação de alteridade, de estar ali e não estar, como se estivesse apenas assistindo ao que acontecia à sua frente. Este estado de consciência é hipnótico, viciante - nada pode dar errado, perde-se a sensação de individualidade - mas não dura muito.
E SPEED RACER é sobre essa mesma transcendência. Ninguém consegue entender exatamente o que está acontecendo nas corridas, mas a idéia é justamente essa. Todas as cores, os movimentos, os cavalos galopando no guard-rail, os telões com noticiosos em lugar de asfalto, bomas, tudo se move o tempo inteiro, é impossível tentar se concentrar em alguma coisa da maneira tradicional. É preciso outra coisa, é preciso ouvir o metal, ouvir a máquina, ela fala com você, ela é parte do universo e você é parte do universo. Neste sentido a fita é quase religiosa.
Visualmente deve ser o filme mais psicodélico jamais feito. Tudo pisca, brilha e se move nas cenas de ação. O resto dos cenários é flagrantemente falso, feito sobre tela verde, toda a cenografia é composta de cores primárias e brilhantes. Aquela é a Matriz – como em MATRIX - e só a compulsão para dirigir, na verdade um ponto focal para a consciência dos pilotos, poderá libertá-lo da irrealidade. É sobre isso que as corridas são, dizem vários personagens em diversos pontos do longa.
Os irmãos Wachowski ainda fazem montes de citações ao animê original, como o esconderijo dos gangster sobre rodas, uma clara referência ao carro-mamute, o piloto japa, e a cena em que Speed consegue controlar o Mach 5 precipício abaixo, como aconteceu no desenho animado. Ainda por cima eles ainda o ponto de partida da trama é mais um de seus apelos anticorporativos ao inconformismo. E seu anticorporativismo não é a propaganda conservadora disfarçada de algo como ROBÔS, em que a volta do magnata das antigas com seu capitalismo com coração é a resposta para tudo. Não há uma ou outra maçã podre, mas o sistema é errado e somente a rebelião e a transcendência podem libertar.
A adaptação que os Wachowski produziram de V DE VINGANÇA foi muito malhada pelo povo nerd, que acusou como falta de ousadia a heterossexualização do relacionamento entre V e Evey e a camuflagem da mensagem anarquista sob uma rebelião romântica genérica. Na verdade, fazer aquela fita bem no meio do auge da popularidade do W. Bush, quando os gringos estavam tocando fogo em discos de cantoras country por elas serem contra a guerra exige muito mais colhão do que escrever uma história em quadrinhos distópica na Inglaterra iniciada no final dos anos 70 e terminada só nos anos 80. Na década de 70 cria-se que a democracia estava em crise e a cultura pop, tanto cinematográfica quanto quadrinística, estava entupida de derivações de Admirável Mundo Novo (que foi filmado na época como mini-série, formato muito popular então).
SPEED RACER tem excelente chance de virar um grande cult daqui a alguns anos, se os Wachowski mantiverem sua coerência temática. E visualmente é um espetáculo sem igual, que mostra o potencial da computação grática com atores no meio de forma bem mais vivaz que o monocromático e monótono CAPITÃO SKY E O MUNDO DE AMANHÃ.
novembro 22, 2008
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2 comentários:
[não vi no cinema]
[tô assistindo aos pedaços no iphone]
[tô adorando]
[em tela pequena é mais legal ainda!]
[os cenários EXPLODEM na nossa cara]
[i'm a fan]
[não vi no cinema]
[tô assistindo aos pedaços no iphone]
[tô adorando]
[em tela pequena é mais legal ainda!]
[os cenários EXPLODEM na nossa cara]
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