abril 12, 2010

A Historia da Copa do Mundo

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GENTIL CARDOSO

Cansado com um atleta que teimava em passar somente bolas altas, que o ataque invariavelmente não conseguia dominar, Gentil Cardoso chegou para ele e perguntou:

- A bola é feita de quê?
- De couro.
- O couro vem de onde?
- Da vaca.
- E a vaca come o quê?
- Grama.
- Então bota a bola na grama. No chão. Rasteira. Como ela gosta.

Gentil Cardoso introduziu no Brasil o WM e o quadro-negro para explicar aos jogadores onde deveriam se posicionar e para armar as jogadas, hoje substituído pelo laptop. Mas, apesar de tudo isso e de ter colecionado títulos por onde passou, nunca teve o reconhecimento devido. O próprio Gentil sabia um dos motivos, quando se apresentava como "o moço preto dos pequenos". Se até hoje é difícil encontrar um técnico negro no comando de um grande time, nas décadas de 30 a 50 era quase impossível.

Gentil, nascido em 1901, foi um centromédio medíocre e marinheiro. Em suas viagens esteve em Londres, viu o Arsenal jogar e quando voltou foi o primeiro a aplicar o WM em nossas terras, no Bonsucesso, em 1931. Com a nova tática e Leônidas na linha de frente, o clube teve o ataque mais positivo do campeonato, com 58 gols, aplicando uma histórica goleada de 6 x 2 sobre o Flamengo. Mas ainda assim, a cada derrota de sua equipe - e eram muitas, afinal era um time pequeno - os jornais não perdoavam, sempre com uma caricatura de Gentil, seu quadro-negro, seus "W" e seus "M".

Gentil Cardoso chegou a ser cogitado para a seleção e treinar clubes grandes, mas nunca durou muito neles. Defensor dos direitos dos jogadores, os dirigentes o chamavam de "crioulo sestroso" e "papagaio falador". Nem mesmo o histórico título com o Fluminense em 1946 ajudou muito. O Vasco, achando que tinha atacantes demais, após vencer invicto o campeonato de 1945, dispensou Ademir. Gentil prometeu "dêem-me Ademir e eu lhes darei o campeonato". Promessa cumprida, o Vasco voltou correndo para trazer de volta o craque. Não o técnico.

Mas Gentil treinou o Vasco e levou-o ao título, em 1952. Durante a comemoração disse "o povo está comigo e quem está com o povo não perde o poder". Foi o motivo que os dirigentes vascaínos deram para trazer de volta Flávio Costa, a antítese de Gentil, que o chamava de "moço branco dos grandes".

Gentil também criou outras grandes frases e expressões do futebol. "Quem se desloca, recebe. Quem pede tem preferência" sintetiza a idéia do ataque no futebol moderno. "Zebra" e "cartola" são outros termos criados por ele. Resumindo sua visão de vida, disse certa vez: "Gandhi, Cristo, Comte e Vargas foram a razão de ser da inteligência, do amor e da pureza. Vivo com Deus no coração, mas não me afasto de nenhum deles''

Gentil faleceu em 1970, vítima de úlcera gástrica. Foi cotado pela última vez para dirigir a seleção na Copa de 1958. Passou seus últimos anos dirigindo clubes menores, justificando sua auto-definição de "moço preto dos pequenos".

A COPA DE 1930

Estava tudo pronto para começar a Copa do Mundo. Só faltavam os participantes. Sul-americanos e até norte-americanos estavam prontos para encarar, mas os europeus não estavam lá com essa animação toda. Eles tinham vários motivos: o Uruguai era longe, longe, muito longe, o que exigiria duas semanas para ir e duas para voltar. Somando com os vinte dias de torneio, seriam dois meses sem os jogadores no país. E grande parte deles era ainda de amadores, o que significava que eles não podiam ficar tanto tempo longe dos empregos!

Mas o principal motivo era que aqueles dignos europeus tinham medo de vir para um rincão tão distante sem as benesses da civilização, tais como o cinema sonoro, a sulfa, a pílula com lombriga para emagrecer (existiu mesmo!) e a guerra mundial. Ninguém tinha muita idéia do que seria a América do Sul naquela época sem tevê e na infância do rádio. Foi preciso muito esforço de Jules Rimet, o presidente da FIFA, para convencer a federação de seu país, a França, do país do vice-presidente, Bélgica, e uma ajudinha dos amigos para trazer Iugoslávia e Romênia. À essa turma européia juntaram-se Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Brasil, da América do Sul e Estados Unidos e México, da América do Norte. A Inglaterra, apesar de ter perdido para a Espanha no ano anterior, continuava a ignorar a FIFA e a Copa, por se julgar muito acima dos outros times.

O Brasil não mandou seu melhor time para o Uruguai. Para quem acha que hoje em dia é muito grande a rivalidade entre cariocas e paulistas, basta saber que nenhum jogador de São Paulo foi com a seleção porque não havia nenhum paulista na comissão técnica. A Federação Paulista proibiu todos os atletas a ela filiados de se apresentarem. Esta briga idiota acabou com a chance de Friedenreich de jogar uma Copa.

A primeira fase do torneio era classificatória. Com treze participantes, eles foram divididos em um grupo com quatro e os outros com três. O vencedor de cada chave se classificava para as semifinais eliminatórias. O Uruguai ganhou sua vaga com 1 x 0 sobre o Peru e 3 x 0 sobre a Romênia. A Argentina se classificou fazendo 1 x 0 sobre a França, 6 x 3 sobre o México e 3 x 1 sobre o Chile. Os americanos, com um time de jogadores de ligas semiprofissionais que em breve desapareceriam, fez 3 x 0 sobre a Bélgica e sobre o Paraguai, e seguiram adiante.

O Brasil, com seu meio-time, mal preparado devido ao tempo que se perdeu discutindo, sob uma temperatura de -2 graus centígrados, estreou contra os iugoslavos acostumados ao frio. Antes que os jogadores pudessem aquecer, já estavam perdendo por 2 a 0. Somente se destacaram Fausto, "a Maravilha Negra", o nosso centromédio atacante, e Preguinho, que marcou para a seleção aos 16 minutos do segundo tempo. Os brasileiros, digo, os cariocas, se entusiasmaram, avançaram, ignoraram a violência adversária e chutaram mais de dez bolas ao gol, mas não conseguiram empatar. No jogo seguinte a Iugoslávia fez 4 x 0 na Bolívia e garantiu a vaga. Sobrou para a equipe brasileira golear a Bolívia também por 4 x 0 num jogo que não valia mais nada.

Os uruguaios arrasaram nas semifinais nossos carrascos, pelo placar de 6 x 1, curiosamente o mesmo escore da outra semifinal, Argentina 6 x 1 Estados Unidos. Estava armada a reprise da final olímpica de 1928.

BOX

A final aponta o único vencedor de um torneio. As semifinais são conhecidas como meias-finais em outros países, porque serve para indicar dois times para as finais, ou seja, é metade do que se decide numa final, daí o nome. Do mesmo modo, as quartas-de-final indicam quatro times para as semifinais, ou seja, é um quarto do que se decide numa final, e as oitavas-de-final indicam oito times para as quartas, ou seja, é um oitavo do que se decide numa final. O nome dos jogos que indicam dezesseis participantes para as oitavas é... hm... deixa eu ver... jogo eliminatório e não se fala mais nisso.

O Uruguai saiu na frente, mas a Argentina virou para 2 x 1. Os uruguaios empataram e passaram a jogar recuados, aguardando os portenhos em seu campo para partir para o contra-ataque. A tática deu resultado e o jogo acabou 4 x 2 para os anfitriães. Com o futebol ainda nos primórdios dos sistemas de jogo, várias seleções começaram a jogar assim, porque afinal era a maneira do campeão do mundo.

Por causa das brigas idiotas o futebol brasileiro perdeu uma excelente chance de conquistar seu primeiro título mundial. Três dos times que jogaram a Copa excursionaram pelo Brasil, que os enfrentou com a equipe completa. A Iugoslávia foi derrotada por 4 x 1, os americanos por 4 x 0 e a França por 3 x 2. Em 1931, na Copa Rio Branco, a seleção bateu os campeões do mundo no Rio de Janeiro por 2 x 0, com gols de Nilo. Na revanche, em Montevidéu, no ano seguinte, Nilo não jogou, mas seu substituto fez os dois gols da vitória brasileira, iniciando seu período como grande ídolo do esporte nacional. Mas, ao contrário de Friedenreich, Leônidas da Silva deixaria seu nome indelevelmente inscrito na história da Copa do Mundo, em 1934 e 1938.

ANDRADE

Preto, pobre e centromédio, poderia ser este o slogan de José Leandro Andrade. Nascido em Montevidéu em 1901, Andrade saiu da miséria para o mundo e se tornou o primeiro astro negro internacional. Os europeus o descobriram nas Olimpíadas de 1924, quando o Uruguai, único país sul-americano no torneio do bárbaro esporte bretão, foi o campeão. Eles nunca haviam visto um negro jogar e causava-lhes surpresa que ele desarmasse os adversários apenas com sua agilidade, sem lhes tocar o corpo, ao contrário da maneira que se jogava no Velho Mundo, com muita força e contacto físico, tradição herdada dos tempos em que rugby e futebol compartilhavam regras.

Também era novidade para os europeus as fintas e dribles de Andrade e seus companheiros. Segundo uma testemunha da época, o jogador da seleção alemã Richard Hoffman, "ele era um sujeito alto com movimentos elásticos, que sempre preferiu o jogo direto e elegante, sem contacto físico, e estava sempre vendo vários lances à frente. Ele visivelmente se divertia jogando (...) mesmo durante o jogo estava sempre distribuindo sorrisos amigáveis". Foi com Andrade e a seleção uruguaia que se cunhou a distinção entre o jogo sul-americano, bonito e cheio de improviso, e o europeu, disciplinado taticamente, físico e eficiente.

Em suas viagens pelo mundo Andrade ficou conhecido como um consumidor desenfreado e frequentador da noite, chegando a ensinar passos de tango a Josephine Baker em Paris. Mas sua carreira acabou em 1938 e o futebol ainda estava nos primórdios do profissionalismo. Em 1956 um jornalista conseguiu localizá-lo morando num porão, cego de um olho e doente, acompanhado apenas por sua bela e leal esposa. No ano seguinte ele faleceria. Suas únicas posses eram uma velha cama, uma cômoda e uma caixa de sapatos repleta de medalhas.

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