novembro 25, 2008

novembro 24, 2008

Postagem 500

Esta é a 500a. postagem do ano. Coisa pra burro. Mais de uma por dia. Pra quem trabalha e faz frilas, só mesmo não tendo filhos. Pra celebrar essa marca absurda pralguém que não ganha nada com esse blogue, um artigo muito especial da série sobre faroestes:



Blogue sem Lei VIII - Os Brutos Também Amam

(Shane, 1953, de George Stevens)




Quando o homem era um caçador-coletor, catando vegetais, frutas e larvas que dessem mole e perseguindo animais comestíveis, sua mitologia estava viva, acontecia no aqui e agora. Os grupos humanos tinham morubixabas que estavam em direto contacto com os espíritos e deuses. Os pajés, para curar doentes, levantar maldições ou trazer boa sorte viajavam pelo mundo místico e disputavam as almas de seus pacientes com as entidades malignas em pessoa. Para quem vivia numa constante batalha de vida ou morte com suas presas e dependia da morte de outras criaturas para sua sobrevivência, com toda a carga psíquica que tal pensamento envolve, essa cosmogonia era a que melhor refletia seu mundo e portanto mais fazia sentido.


Mas o homem começou a arar a terra e cultivar seu próprio alimento. A comida passou a abundar, mas os antigos caçadores passaram a ter um papel predominantemente passivo, apenas esperando os grãos brotarem, colhendo-os e armazenando-os. A era heróica acabara. Sua mitologia, como sua vida então, passou a ser altamente organizada. Seus deuses viviam em um panteão hierarquizado, com tarefas e atributos bem definidos, e toda a cosmogonia era um fato passado. Não mais se vivia com os deuses, viva-se sob eles. Os grandes feitos e heróis pertenciam ao passado, a um passado remoto e inseguro, ao contrário do presente e do futuro previsível e, de preferência, imutável, continuando a trazer safras seguras e fartas.
Mas esse afastamento do homem da produção de seu alimento também o deixou com uma sensação de perda. O sentimento de culpa pela morte de outras criaturas foi recuperado pelo cristianismo, mas a emoção da caçada se perdeu. Com alimento abundando, a maioria das pessoas pôde ser desviada da labuta essencial para outros trabalhos - construção, comércio, pastoreio, letras, artes, até mesmo sacerdócio, já que os deuses não mais viviam entre nós, mas num lugar inatingível e distante e nossas súplicas quase não mais poderiam ser ouvidas por eles, necessitando de intermediários amplificadores, elaborados rituais, e ainda assim provavelmente os seres superiores se fariam de surdos. Essa separação do homem da criação de sua subsistência criou nele um sentimento de falta. Era o começo da alienação e da neurose, que Marx e Woody Allen tão bem explorariam.


No entanto, nem todo o mundo civilizou-se de uma vez. Até hoje existem ainda povos caçadores-coletores. Para esse pessoal, aquela turma que vivia dentro de cidades muradas, sedentária, usando aquelas roupinhas efeminadas e vivendo aquela vida boa e flácida, pareciam presas gordas, preguiçosas e fáceis. A história humana resume-se quase exclusivamente aos bárbaros assediando as culturas agrárias até estas sucumbirem à pressão. Uma vez dentro dos muros, os bárbaros se tornam os senhores e criam um código marcial, em que os nobres com habilidades guerreiras estão no topo, refletindo mesmo séculos depois, a conquista dos citadinos decadentos pelos vigorosos nômades. Esses conquistadores formarão as castas dos brâmanes, dos cavaleiros medievais e, por conseguinte, da nobreza européia; dos janízaros, dos samurais, dos mogóis... até que com a revolução industrial e o avanço tecnológico furioso a partir do Renascimento, ficou difícil competir com a burguesia urbana. Toda a habilidade nas artes da guerra era inútil frente ao esforço industrial de canhões, mosquetes e depois ainda por cima rifles, armas automáticas, metralhadoras, aviões e encouraçados.


E esses bichos poderosos todos se chocaram com toda ferocidade no século XX, em duas guerras atrozes. E, quando a segunda acabou e os soldados voltaram pro lar, muitos deles e o pessoal que ficou em casa começaram a ter uma estranha sensação: nostalgia dos tempos do conflito. O sentimento de estar vivendo em tempos importantes, de não saber como será o futuro, de fazer parte de um esforço pela sobrevivência, sentimento ajudado pela distância dos campos de batalha, láááááá em outros continentes, o que não acarretou destruição e sofrimento no fronte doméstico. Fitas como "Os melhores anos de nossas vidas" mostravam a decepção de combatentes que voltavam e tinham dificuldades em se ajustar às existências mansas e, em alguns casos, sem perspectivas. Já os bangue-bangues, o terreno mitológico americano por excelência, começaram a tomar a forma de elegias a tempos heróicos e violentos em seu crepúsculo, substituídos pela era dos lavradores e seus feitos não tão impressionantes assim.

Os semideuses de John Ford limparam o caminho para a chegada da civilização, pacificando a selvageria da fronteira e seguindo adiante em busca de novos desafios, mas o que aconteceu com eles quando bateram no Oceano Pacífico e descobriram que não havia um Valhalla à sua espera e que Clementine já tinha se casado com o irmão de Ethan Edwards? (Breve aqui uma postagem sobre "Rastros de ódio", pra quem não entendeu). O pistoleiro Shane ficou perambulando sem rumo até encontrar uma nova Martha, infelizmente também casada, e tenta se ajustar a uma nova vida de lavrador. O crepúsculo desse deus é a história de "Os brutos também amam", que tem no panteão dos faroestes mais ou menos o mesmo status místico que "Casablanca", sendo um favorito do povo que o viu nos cinemas quando moleque ou na Sessão da Tarde nos anos 70, quando esses longas antigos ainda passavam na Globo.



E essa história mitológica começa justamente com um garoto tentando viver sua fantasia de caçador, espreitando um majestoso Bambi contra um fundo de impressionantes montanhas. Ao mesmo tempo fica claro como tal cenário integra o homem à natureza e é ao mesmo tempo impositor de culpa, com o peso psicológico decorrente da idéia de abater tão magnífico animal. Infelizmente a Paramount está devendo uma edição especial do longa - a imponência das paisagens tem que ser adivinhada, já que as cores Technicolor - e da época dos 3 negativos - estão esmaecidas e o nível de detalhe muito baixo. Sendo um filme muito popular, suas matrizes estão cansadas de tantas cópias que geraram durante mais de meio século, e a digitalização parece ser do começo da era do DVD, quando os algoritmos de compressão eram bem menos eficientes do que hoje.


O garoto, Joey, é interpretado por Brandon deWilde, que parece saído de uma ilustração de Norman Rockwell - e esse é o seu grande, quase único talento dramático. Ele vê aquele óbvio pistoleiro chegando e os dois vão até o rancho do pai do mini-ianque, Van Heflin, que é casado com a quarentona Jean Arthur, que doze anos antes era a beleza de "Paraíso infernal" e na fita faz o papel de uma mulher de 30 anos gasta pela vida da fronteira, mas ainda atraente e com presença. Para Shane, aquela senhora simboliza uma existência sedentária e doméstica. E, para aquela mulher ainda com um corpo que se faz ouvir em sua cabeça, aquele aventureiro é a promessa de emoções fortes e violentas, com a intensidade daqueles que não sabem se vão voltar vivos amanhã.


Mas entre os pilares da civilização e da família nuclear está a monogamia. Jean Arthur não encorajará o estranho e o censurará quando o pegar ensinando o moleque a atirar. Shane começa aos poucos a usurpar o papel de Van Heflin como marido e pai, assim como o de colono. Os agricultores da área estão com problemas, já que o poderoso barão de gado da área cansou de suas cercas limitando seu gado e quer botar todo mundo pra fora. A chegada de Shane enche os pobres lavradores de esperança, depois que ele enfrenta alguns capangas no armazém-saloon do lugar, que nem de cidade pode ser chamado. O xerife mais próximo está a 100 quilômetros. Nenhum Wyatt Earp virá para atacar este Velho Clanton.


Principalmente porque George Stevens esclarece que este Velho Clanton é também Wyatt Earp. Como ele mesmo explica, os lavradores só estão naquela terra porque ele veio antes, pacificou-a, expulsou os índios e as feras e explorou-a, como reconhece o próprio Joe, pai. Ryker, o barão de gado, é a versão realista das fantasias conservadoras posteriores de John Wayne, o homem miserável que criou um império, como o Jake Grandão de dois artigos anteriores, ou o McClintock do terrivelmente anacrônico "Quando um homem é um homem". Essa guerra contra a pobreza e os elementos não transformou Ryker num magnata paternalista e bem-humorado, e sim num homem violento e que não suporta ser contrariado. Seus rituais de virilidade não são brigas cômicas, mas surras em grupo para intimidar os colonos.


E George Stevens dirige essas lutas com uma violência inaudita para a época. Com uma edição perfeita, os enquadramentos e movimentos dos atores e da câmera reforçam o impacto de cada golpe. Socos fazem os homens atravessarem salas inteiras antes de desabarem sobre mesas em outros aposentos. Hematomas continuam visíveis nos protagonistas da briga durante cenas dias e dias depois. Closes no rosto do pequeno Joe ao mesmo tempo assustado e apreciando a porradaria realçam a crueldade da cena. Os revólveres trovejam como relâmpagos lançados em fúria por Zeus. A Idade do Ferro pode ser a época da cosmogonia em ação, dos grandes feitos e dos grandes heróis, mas é a era em que reina a violência e não há justiça para os fracos. Em "Os brutos também amam" quem é alvejado não cerra o punho sobre o ferimento e cai lentamente - voa com o impacto do projétil e, apesar dos Mythbusters já terem provado que isso é cascata, inaugurou uma tendência no cinema que fez a fama de Peckinpah e dura até hoje.


Jack Palance, ainda assinando Walter Jack Palance, é o assassino profissional contratado pelo barão de gado. Transmitindo ameaça do alto de seu corpanzil e com seu rosto reconstituído após as queimaduras que sofreu pilotando bombardeiros na II Guerra, o descendendo de ucranianos é um pistoleiro gélido que monta e desmonta de seu cavalo com estudada elegância. Na verdade, Palance tinha medo de cavalos à época e para montar com tanta classe, foi projetado de trás para frente ele desmontando.


A violência não vai permitir que Shane pendure sua arma e tenha alguma esperança de conquistar o coração de Martha, perdão, Jean Arthur. O pistoleiro que tenta largar essa vida e é obrigado a voltar a fazer aquilo que faz melhor se tornaria talvez o clichê mais famoso do faroeste nos anos 60 e 70, à medida em que o próprio gênero fosse perdendo sua força e se tornando uma elegia a si mesmo, uma espécie de Woody Allen com tiros. Apesar de se poder traçar um lamento pelo fim de uma época romântica desde o mudo "Tumbleweeds", de William S. Hart, é "Os brutos também amam" que se tornaria a matriz de todas esssas fitas, a trama que seria homenageada, satirizada, imitada à exaustão. Filmes que originaram uma tendência costumam mostrar a idade e aqui o momento mais involuntariamente engraçado é quando Shane reaparece com sua "roupa de pistoleiro" e a sensação que o público moderno pós-Sérgio Leone é de que ele está indo para um baile de carnaval.


Todo o mundo que gosta de faroeste sabe o final deste filme, portanto não vou estragar a surpresa de ninguém contando que depois do tiroteio Shane vai embora. Ao contrário de Wyatt Earp no final de "Paixão dos fortes", ele não se vai cheio de idealismo e com a sensação de missão cumprida, mas amargurado por sua incapacidade em se adequar aos novos tempos. O pequeno Joey lamenta sua partida, mas o pistoleiro já cumpriu seu papel de ajudá-lo em seu rito de passagem. Os meninos das sociedades caçadoras-coletoras, quando admitidos na vida adulta, passavam por rituais onde eram tatuados, marcados, ou tinham prepúcios, lóbulos ou outros apêndices inúteis do corpo mutilados, ou mesmo eram escarificados. A idéia era de que a mudança não deveria ser apenas espiritual, o próprio corpo estaria para sempre mudado e não haveria volta para a infância. Essa idéia perdeu força com os agricultores, portanto é testemunhar aquele último dos titãs - não um deus, um titã, os precursores daqueles, mais violentos, irracionais e sem bons desígnios para a humanidade - enfrentar seus congêneres que vai levá-lo à idade adulta. Isso e aprender a usar uma arma, é claro.


Os cenários majestosos - um tanto menos impressionantes por ser o longa anterior ao cinemascope e pelas cores esmaecidas -, as ótimas interpretações, as cenas que se tornaram clássicas e repetidas à exaustão em imitações e sátiras, como a dos homens se juntando para limpar o toco de árvore, o garotinho tiete, o confronto final, com Shane dizendo que o tempo do barão do gado passara, este respondendo que o dos pistoleiros também e Shane retrucando que pelo menos ele sabe disso, Jean Arthur sentindo-se atraída pelo estranho, tudo isso viraria com o tempo referência para o faroeste. A época do caos pode ter acabado e a agricultura pode ter trazido a ordem, varrendo os titãs com seus Colt Walker e Colt Peacemaker, mas esta fita permanece como um marco inesquecível da mitologia e da cosmogonia que o cinema americano montou nas estepes da fronteira do oeste no século XIX.

Selma Blair


Que despontou pra fama como a morena que dá uns amassos na Buffy em SEGUNDAS INTENÇÕES. Charmosíssima. É a namorada do demônio nos Hellboy. Cult moça.

Accurate Pie Chart


novembro 22, 2008

Mais um Melhor Final de Filme de Todos os Tempos

Uma dessas revistas moderninhas de cinema fez uma lista de 50 melhores finais de filmes de todos os tempos, obviamente quase todos americanos e quase todos dos anos 70 pra cá. Eu ando listando os MEUS finais de filme favoritos e esqueci um clássico, assim como eles. Impossível alguém em sã consciência deixar essa fita de fora:


O FUGITIVO, de Mervin LeRoy
(I am a Fugitive from a Chain Gang)

Paul Muni é mandado pra cadeia por um crime que não cometeu e é mandado para aqueles serviços forçados, com os prisioneiros todos quebrando pedras acorretandos à beira de estradas, com um xerife gordo tomando conta com uma escopeta e chibatando uns presos de vez em quando porque ninguém é de ferro e é preciso um pouco de diversão depois de todo aquele tempo sob o sol inclemente e causticante.

Mas Paul Muni foge, vai para outro estado na época em que nos EUA um sujeito que só era culpado no estado em que cometeu o crime, começa uma bela carreira de arquiteto e arruma uma noiva bonita, gostosa e inteligente. Tão famoso ele se torna, aliás, que o estado onde ele foi preso pede sua extradição (isso mesmo, lá em cima levavam muito a sério essa história de república federativa). Querido que se tornou em sua comunidade, ninguém quer mandá-lo de volta pro estado cujo nome não é declinado (que na verdade todo mundo sabia que era a Geórgia), logo este sugere um acordo: o Muni volta, cumpre um período simbólico numa prisão de segurança mínima e está livre de qualquer dívida para com a sociedade. Contra alguns conselhos, ele aceita apenas para descobrir, ao cruzar a fronteira, que o pactuado era uma mentira e logo ele está novamente acorrentado.

Mais uma vez Paul Muni foge e perde-se seu rastro. Sua ex-noiva, um ano depois, está guardando o carro na garagem quando ele sai das sombras, o olhar arregalado, completamente paranóico, assustando-se com todos os ruídos que ouve, barbado e esfarrapado. A garota tenta conversar com ele, mas ele apenas quer vê-la mais uma vez e um barulho maior o faz ir recuando, ainda com os olhos esgazeados e a boca tremendo de medo. Antes dele se mandar de vez, a moça pergunta, "mas como você faz pra viver, pra comer?" enquanto o rosto dele, em close, perturbado e completamente alquebrado, some nas sombras e apenas a voz dele se ouve: "I steal" (eu roubo). Muito mais chocante visto do que contado, esse final foi um dos grandes motivadores da abolição dos trabalhos forçados acorrentados no estado sem nome, digo, a Geórgia. Quem o viu nunca o esqueceu e preferir Bruxa de Blair a isso é um absurdo. Um dos marcos do cinema social dos anos 30 de Hollywood, uma especialidade da Warner que desaguaria no film noir uma década mais tarde.

Speed Racer, o Filme

O único amigo meu que foi ver SPEED RACER, quando perguntei pra ele se o filme era bom, respondeu “não sei”. Quando o público sai do cinema sem saber se gostou, ou é uma fita de um diretor prestigiado, com um tremendo cartaz, tão impositivo que a inteligência do pobre espectador será posta em dúvida caso ele não concorde que é uma obra-prima, ou é um longa tão estranho e diferente da média ou do esperado que deixa o vivente desequilibrado. Dificilmente uma adaptação de um desenho (des)animado japonês dos anos 60 cairia no primeiro caso, logo só posso achar que é a segunda alternativa.

Todo mundo viu MATRIX dos irmãos Wachowski e a maioria pescou a extremamente bem-sucedida transposição do mangá para a tela grande com pessoas de verdade vendendo uma metáfora de budismo e iluminação e, surpresa das surpresas para um arrasa-quarteirão de Hollywood, um chamado ao inconformismo. Depois eles tentaram jogar no meio também a estética e a trama dos videogames, o que desandou completamente a mistura nas duas fitas seguintes. Mas apesar de tudo, o primeiro volume já é um clássico e provavelmente sua fama vai crescer ainda mais à medida em que o povo que cresceu à sua sombra se aposse da crítica cultural.

E, no meio de todo o merchandising de MATRIX apareceu uma coleção de desenhos animados, a ANIMATRIX. Entre as histórias, uma que normalmente não chamava muito a atenção do povo, que se impressionava mais com a computação gráfica, o animê radical ou o pastiche de film noir. Era um conto sobre um atleta, um corredor, que quando estava prestes a ultrapassar seu limite, quando estava completamente concentrado em seu esforço para abaixar seu tempo, quando estava no limiar de suas possibilidades, conseguia ter um vislumbre do mundo real além da criação virtual da matriz. Por um instante ele tinha uma epifania, uma visão da verdade, uma percepção de Deus.

SPEED RACER trilha o mesmo caminho. Na verdade, os fãs de fórmula 1 vão lembrar de uma entrevista de Senna em que ele afirmava ter tido uma visão de Deus guiando seu McLaren a toda. Que ele estava dirigindo sem sentir, sem pensar, como se não estivesse lá. Quase todo mundo já entrou por um instante nessa zona, em que tudo se conecta, seja ao volante, datilografando, jogando um videogame, escrevendo, amando. Uma sensação de alteridade, de estar ali e não estar, como se estivesse apenas assistindo ao que acontecia à sua frente. Este estado de consciência é hipnótico, viciante - nada pode dar errado, perde-se a sensação de individualidade - mas não dura muito.

E SPEED RACER é sobre essa mesma transcendência. Ninguém consegue entender exatamente o que está acontecendo nas corridas, mas a idéia é justamente essa. Todas as cores, os movimentos, os cavalos galopando no guard-rail, os telões com noticiosos em lugar de asfalto, bomas, tudo se move o tempo inteiro, é impossível tentar se concentrar em alguma coisa da maneira tradicional. É preciso outra coisa, é preciso ouvir o metal, ouvir a máquina, ela fala com você, ela é parte do universo e você é parte do universo. Neste sentido a fita é quase religiosa.

Visualmente deve ser o filme mais psicodélico jamais feito. Tudo pisca, brilha e se move nas cenas de ação. O resto dos cenários é flagrantemente falso, feito sobre tela verde, toda a cenografia é composta de cores primárias e brilhantes. Aquela é a Matriz – como em MATRIX - e só a compulsão para dirigir, na verdade um ponto focal para a consciência dos pilotos, poderá libertá-lo da irrealidade. É sobre isso que as corridas são, dizem vários personagens em diversos pontos do longa.

Os irmãos Wachowski ainda fazem montes de citações ao animê original, como o esconderijo dos gangster sobre rodas, uma clara referência ao carro-mamute, o piloto japa, e a cena em que Speed consegue controlar o Mach 5 precipício abaixo, como aconteceu no desenho animado. Ainda por cima eles ainda o ponto de partida da trama é mais um de seus apelos anticorporativos ao inconformismo. E seu anticorporativismo não é a propaganda conservadora disfarçada de algo como ROBÔS, em que a volta do magnata das antigas com seu capitalismo com coração é a resposta para tudo. Não há uma ou outra maçã podre, mas o sistema é errado e somente a rebelião e a transcendência podem libertar.

A adaptação que os Wachowski produziram de V DE VINGANÇA foi muito malhada pelo povo nerd, que acusou como falta de ousadia a heterossexualização do relacionamento entre V e Evey e a camuflagem da mensagem anarquista sob uma rebelião romântica genérica. Na verdade, fazer aquela fita bem no meio do auge da popularidade do W. Bush, quando os gringos estavam tocando fogo em discos de cantoras country por elas serem contra a guerra exige muito mais colhão do que escrever uma história em quadrinhos distópica na Inglaterra iniciada no final dos anos 70 e terminada só nos anos 80. Na década de 70 cria-se que a democracia estava em crise e a cultura pop, tanto cinematográfica quanto quadrinística, estava entupida de derivações de Admirável Mundo Novo (que foi filmado na época como mini-série, formato muito popular então).

SPEED RACER tem excelente chance de virar um grande cult daqui a alguns anos, se os Wachowski mantiverem sua coerência temática. E visualmente é um espetáculo sem igual, que mostra o potencial da computação grática com atores no meio de forma bem mais vivaz que o monocromático e monótono CAPITÃO SKY E O MUNDO DE AMANHÃ.

Meridien Desativado



Por Que eu Gosto de Ter uma Lente de 436 mm




Não mexa comigo, garoto, eu tenho uma bunda e sei como usá-la...

Ipanema Nublada

Over



You Better Not Mess with This Fat Man, Bitch!





Ipanema Nublada

novembro 17, 2008

As Armas Mais Idiotas da Ficção Científica

1 - O robô dos incas venusianos

2 - A frota de invasão de "Sinais", de M. Night Shyamalan

3 - Os exoesqueletos de "Matrix Revolutions" (o terceiro filme)

Ok, todo mundo viu essa droga de filme por causa da primeira fita, uma transcrição para o mundo digital dos princípios do budismo prahayana e do taoísmo, com a realidade virtual funcionando como o samsara.

E os irmãos Wachowski viram Aliens e se amarraram quando a Sigourney Weaver enfrentava a matriarca alienígena usando uma empilhadeira-robô

E pensaram: eu quero uma dessas pra mim!

E daí pra eles armarem os humanos para a batalha final contra as máquinas na realidade real (Buda teria algo a dizer sobre essa última asserção, afinal de contas, como dizem os cientistas, vivemos na verdade num universo virtual criado pelo nosso cérebro com dados captados pelos nossos sentidos), a batalha de Zion, com exoesqueletos semelhantes foi um pulo. Só que a batalha da Ripley era contra um único alienígena e um combate corpo-a-corpo. Em Zion a coisa não foi bem assim.





Então vocês podem ver que os humanos estão "vestindo" uma armação metálica-robô que tem braços e anda. Os braços não servem pra absolutamente nada a não ser sacar pistolas e ficar atirando sem parar. As pernas não servem pra absolutamente nada porque eles estão parados sobre uma plataforma, todos juntos para ficarem sem espaço pra manobra e se tornarem um alvo mais fácil (com estrategistas como esses, não é à toa que os humanos estão fodidos). Com todo aquele metal em volta, ninguém pensou em botar umas plaquinhas de aço pra proteger os caras lá dentro de QUALQUER coisa, um tiro, um estilhaço, uma porrada, nem que fosse pelo efeito psicológico de não se sentir completamente exposto à mira dos autômatos atacantes.

E o que acontecia quando acabava a munição? Apesar de ter pernas, braços e motores à disposição no exoesqueleto, ninguém pensou em uma maneira de armazená-la em grande quantidade. Quando ela acaba, o pobre coitado preso lá dentro grita "munição"! e um bando de office-boys, perdão, auxiliares de serviços gerais, saem correndo, também sem nem ao menos um capacete de metal ou uma placa peitoral servindo de proteção, puxando um carrinho cheio de pesadíssimas cápsulas, correndo feito idiotas no meio de um campo de batalha, com tiro pra todo o lado, e... desarmados!!!!!

Se eles tivessem à disposição algum desenhista retardado do século XX, poderiam ouvir que talvez um pouco de proteção pro vivente que comandava o troço fosse legal. Poderia também ter um verdadeiro poder de locomoção. Em vez de complicados servo-motores e mecanismos delicados de braços que servissem apenas pra puxar uma pistola, que tal uma torreta giratória com as armas fixadas, evitando que fossem arrancadas? E talvez - apenas talvez - houvesse uma chance de se aumentar o espaço interno para que se pudesse carregar muita munição. E a propulsão serviria pra levar a geringonça até o centro de abastecimento quando acabassem as balas.

Poderia ser algo mais ou menos assim:

(um tanque Renault FT da primeira guerra mundial, em exposição no Museu Militar Conde de Linhares, em São Cristóvão, em frente à Quinta. Vale a pena a visita - e a entrada é franca)

E. se eles achassem que isso era muito sofisticado, podiam tentar:


by Leonardo da Vinci

Ou, pelo menos...