março 30, 2010

Um Balanço da Primeira Temporada de Star Trek - A Série Original



O blogueiro (e seus convidados) resenharam toda a primeira temporada (alguns episódios mais de uma vez) da série clássica de Jornada nas Estrelas. Abaixo, um balanço do ano inicial do seriado e, em abril, começam as críticas da segunda temporada.

Minha prima adolescente nerd está começando a gostar de ficção científica e adorou o novo longa de “Star trek”. Daí quis emprestados os discos da série original. Eu escolhi os que tinham os episódios que achei que ela fosse gostar mais e deixei-os na casa dela. Pouco depois, ela me ligou, “ei, você deixou aqui só os discos 3, 6 e 7. Como é que eu vou entender alguma coisa?”

Pois é, antigamente os seriados saíam do horário nobre e eram enlatados pra serem vendidos para redes pequenas, independentes ou estrangeiras e não podiam se dar ao luxo de serem planejados pensando que todas elas iriam respeitar a cronologia, passar sempre no mesmo horário e depois de exibida a temporada inteira, reprisá-la na ordem certa pra quem perdeu alguma coisa. Fora, é claro, que não havia Internet e box de DVDs pra quem pegasse a coisa pelo meio entender a história.



Por isso tudo é que só agora, apesar de ser fã de “Jornada nas estrelas” desde garotinho, o blogueiro teve a chance de ver a primeira temporada na ordem correta, sem a intromissão de episódios de outros anos (1). E, apesar do cuidado dos criadores em fazerem cada programa independente dos outros, pra facilitar sua venda e distribuição posteriores – e que, neste caso, seria a encarnação onde o seriado finalmente encontraria seu sucesso – enfim pode se avaliar a evolução dos personagens, do conceito, e até mesmo perceber uma possível causa do fracasso de Kirk e a Enterprise em sua primeira exibição.

Os primeiros episódios são perceptivelmente diferentes dos outros em tom e conceito. Roddenberry, definitivamente, não planejava que o público da Enterprise fosse a garotada, apesar de na época acreditar-se serem eles os únicos espectadores pra ficção científica. A preocupação com realismo é clara nas diversas cenas que mostram os oficiais comendo em cena, um velho recurso cênico pra dar verdade a personagens. Kirk e Spock eram os protagonistas, é claro, mas havia ênfase em outros tripulantes. Coisas como a ordenança conversando com Sulu (ainda de camisa azul) ou mesmo seguranças comentando a bunda de Janice. Sexo, aliás, era um assunto muuuuuuito mais presente. Veladamente, é claro, afinal estávamos na tevê dos anos 60, mas em primeiro plano. Uhura paquerava Spock e no episódio seguinte cantava uma música sobre como ele era gostosão. Rolava (confessadamente pelas duas partes) um clima entre o capitão e a ordenança Janice. Uhura (de novo) levava uma cantada de um mecânico – embora na verdade fosse um monstro comedor de sal. O monstro comedor de sal, aliás, podia assumir a aparência das fantasias – principalmente sexuais - das pessoas para se aproximar delas. Um tripulante vê nele a garota que conheceu num “planeta de prazer”.

Tudo isso – os relacionamentos entre os personagens, sexo, o comportamento mais adulto – iria desaparecer com o decorrer da série. A vida na Enterprise ficaria cada vez mais restrita a um ato de vaudeville entre o capitão fodão, o vulcano frio e o médico emotivo, comportando-se como garotos de 13 anos cuja vida social se resume a tirar um sarro com a cara dos amigos. Kirk, como o “chefe” mais maduro do bando, ganha o direito de “ficar” com umas alienígenas e afins em vários episódios – mas nada além de “ficadas”, pela já falada redução da idade emocional de nossos heróis ao começo da puberdade. E essas ficadas seriam praticamente a tudo que se resumiria sexo na série a partir do meio da temporada. Todo o elenco abaixo do posto de capitão comportar-se-ia como se ainda na época vitoriana, parecendo ignorar tal atividade, com memoráveis exceções: a perversa atração da historiadora de bordo por Khan (em certo momento é sugerido um boquete sadomasoquista entre os dois) e a tocante história de amor entre Joan Collins e William Shatner no por isto mesmo famosíssimo “A cidade na fronteira da eternidade”.

Roddenberry conseguiria manter o cerne de sua ideia com temas adultos e provocantes, pelo menos em relação ao que se fazia na tevê na época e no quarto de século seguinte, mas é claramente perceptível a mudança de abordagem durante a temporada. Não só o positivismo militarista de Roddenberry seria contrabalançado com a chegada do zenpacifista Gene L. Coon, como também a postura mais intelectualóide do primeiro teria que se curvar ao fã de velhos seriados cinematográficos da Republic que Coon era. Kirk se tornaria um herói mais jovial, físico e disposto a enfiar a mão na massa no decorrer da primeira temporada, muito mais um comandante pirata do que o sisudo oficial que descarta uma sugestão subalterna em “O ardil corbomite” afirmando que sua nave NÃO É uma democracia.

Diga-se de passagem que o blogueiro agradece a inserção desse clima de seriado em “Jornada nas estrelas” e acredita que certamente não ficaria fascinado desde os 9 anos pelo show se ele se resumisse a mostrar seus heróis passando por um monte de perrengues que se resolviam sozinhos ou com a intervenção de outras criaturas. Quando no final dos anos 80, início dos 90, “A nova geração” chegou aqui, inicialmente apenas em episódios isolados em VHS, o blogueiro e os amigos alugaram as fitas, se juntaram entusiasmados para ver e foram gradativamente ficando decepcionados, todos com uma única grande reclamação: “cadê a ação?”. E isso apesar do comentário de um velho amigo, ao ver o começo do piloto: “uau, um semideus onipotente ameaçando a Enterprise porque os humanos são violentos e querendo fazer um teste com eles? Maneiro, continua a mesma coisa, vai ser muito divertido!”

Em compensação, quase logo de cara “A nova geração” deixa claro que sabe que os tempos mudaram e em um de seus primeiros programas refilma “Tempo de nudez”, quando todo mundo fica bêbado por causa de um vírus, e mostra que a nave vira uma verdadeira suruba – ninguém é de ninguém e até o andróide se dá bem e come a loura gostosa. Quem come quem, por que esses sujeitos se alistaram para viajar pelo espaço, quem é filho de quem são pontos importantes da trama. O elenco básico se estende por bem mais do que os três principais e meia dúzia de coadjuvantes da série original. Na verdade, “A nova geração” provavelmente é muito mais parecido com o que Roddenberry planejava desde o início do que “Jornada nas estrelas”.

O problema é que quando “Star trek” começou a ficção científica ainda não tinha ganho a aura de respeitabilidade que “2001 – Uma odisséia no espaço”, “Planeta dos Macacos”, “O enigma de Andrômeda” e afins lhe emprestariam. Quem gostava de sci-fi era a garotada e ela queria ação e heróis de verdade, não um bando de paspalhos que serve de joguete para um adolescente telepata (”O estranho Charlie”), semideuses que perderam sua humanidade (”Onde homem nenhum jamais esteve”), o já falado vírus embriagante (”Tempo de nudez”) ou um alienígena pequeno carregando uma nave grande (”O ardil corbomite”). Dos episódios iniciais, o único em que os protagonistas têm um papel ativo na resolução da história é quando enfrentam o monstro sugador de sal (”O sal da terra”), não por acaso o episódio que a rede de tevê forçou a barra para ser o primeiro, contra o que Roddenberry queria.

Foi por causa disso que a série provavelmente não decolou nos índices de audiência. O crítico de cinema Glenn Erickson (www.dvdsavant.com), grande fã de ficção científica, como se pode depreender de uma rápida visita a seu saite, explica que viu os primeiros episódios na época, quando era adolescente, mas não se sentiu muito atraído pelo excesso de semideuses. Fazendo a crítica dos blu-rays da primeira temporada, arrependeu-se profundamente e deu nota máxima ao programa. Tanto foi chamativa a falta de atitude da galera da Enterprise nos primeiros programas que foi baixada uma norma de que a resolução dos conflitos deveria sempre decorrer de ações dos protagonistas. Embora fosse uma boa ideia para levantar os índices de audiência, foi também o que afundou o promissor episódio “Corte Marcial”, quando o advogado supostamente genial interpretado por Elisha Cook Jr. não faz absolutamente nada durante o julgamento, já que a salvação da lavoura, no roteiro original descoberta por ele, é feita por Spock.

Curiosamente, apesar da clara percepção de que a passividade do povo da Frota Estelar teria sido um dos motivos dos relativamente baixos índices de audiência, a segunda temporada começaria novamente com semideuses fazendo gato e sapato da Enterprise para só no fim Kirk & cia. conseguirem tomar alguma atitude. Novamente o ibope começou devagar e, para o terceiro ano, os produtores resolveram que deveria haver muito mais ação, ainda mais infantilização das histórias e cortariam os custos, criando os episódios mais esquecíveis e deploráveis e condenando de vez o seriado, sem saber que tinham nas mãos uma das franquias mais lucrativas a médio e longo prazo da história da tevê.



E agora, como lista é o que pessoal mais curte na Internet, a listinha dos melhores episódios da primeira temporada:

MISSÃO DE MISERICÓRDIA
Usando o velho clichê de combatentes da liberdade contra invasores muito superiores em número e armamento, Gene L. Coon subverte o formato, satirizando as fantasias conservadoras por trás da trama, e faz uma contundente crítica ao intervencionismo americano – em plena Guerra do Vietnã!! - equalizando ianques e comunas na memorável linha do comandante klingon, “nós somos bem parecidos, (tirando) pequenas diferenças ideológicas”. Como diriam os Simpsons, “havia monstros naquela nave – e o pior é que éramos nós mesmos!”

A CIDADE NA FRONTEIRA DA ETERNIDADE
O maior galinha do espaço – capitão Kirk - encontra a maior galinha das novelas americanas – Joan Collins – e os dois vivem uma simpaticíssima história de amor, numa trama sobre escolhas morais e idealismo com um final inesperado que deve ter deixado em estado de choque os telespectadores dos anos 60 e 70.

EQUILÍBRIO DO TERROR
Dois honrados capitães estelares em lados opostos usam toda a sua astúcia para sobreviverem a um confronto refletindo suas ideologias.

A CONSCIÊNCIA DO REI
Sim, é verdade, algumas parte são um tanto desengonçadas, mas ainda assim a mistura de Shakespeare, nazismo e ficção científica funciona bem questionando as consequências e limitações do livre-arbítrio cristão: se tudo tivesse se desenrolado como parecia que iria, o desprezível Kodos, o Executor, poderia ter sido um herói.

UM GOSTO DE ARMAGGEDON
O que aconteceria no futuro se uma sociedade como a nossa levasse até o fim a preguiçosa tendência atual de buscar soluções de compromisso e não querer assumir as consequências de suas ações? Ora, algo bem parecido com a Guerra do Vietnã, como Coppola também mostraria em mais de três horas em “Apocalypse now”.

INIMIGO INTERIOR
Se o bem e o mal existem, você não pode escolher – você tem que integrá-los. Richard Matheson aproveita um defeito do teleporte e embute num thrillerzinho maneiro aquela ideia – novidade pra época – de yin/yang, opostos que se complementam, e acabam sobrando farpas tanto para a religião quanto para o racionalismo.

SEMENTE DO ESPAÇO
KHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAANNNNN!!!!!!!
Um deposto déspota iluminado geneticamente aprimorado contra o povo da democracia multirracial da Enterprise – que até compreende a ideologia do sujeito, embora não a aprove. No entanto, o ex-ditador tem os ingredientes certos – autoritarismo, resiliência, disciplina, dedicação, um pouco de psicopatia à Ethan Edwards – para se tornar um desbravador de fronteiras hostis. Não perca a pervertida cena em que Khan faz a historiadora do futuro ajoelhar e implorar pelo prazer da companhia dele.

(1)Ver a série em DVDs remasterizados também tira boa parte de seu ar “pobre” ao mostrar cores muito mais vibrantes e saturadas do que qualquer transmissão de tevê. Marissa, mesmo sem ser fã da série, ao ver um episódio, levou um susto: “ei, não tinha essa cor na tevê!”. Pela primeira vez ficou visível para o blogueiro a suave matiz esverdeada no rosto de Spock, supostamente devida ao seu sangue verde, por rico em cobre e não ferro, como o humano.

No entanto, a imagem realçada também deixa claro defeitos que as limitações das televisões da época disfarçavam: entre outras coisas, há várias tomadas fora de foco e é perceptível em várias cenas o encaixe entre as orelhas de Leonard Nimoy e a prótese vulcana.

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