fevereiro 18, 2012

O Massacre dos Tamoios - Parte II


O Último dos Tamoios (1883), por Rodolpho Amoêdo

Antônio Salema, governador nomeado pela Coroa para as capitanias de Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente, a Repartição do Sul, chegou à Guanabara. Seis meses depois os tamoios do Cabo Frio atacaram uma expedição portuguesa de 40 canoas, apresando 7 pessoas. Foi a gota d´água para a população. Durante dois meses Salema organizou os preparativos de uma grande expedição, solicitando reforços do Espírito Santo e de São Vicente. Finalmante, em 28 de agosto de 1575, uma força de 400 portugueses e 700 índios catequizados, a maioria de temiminós, a tribo de Arariboia, partiu, parte por terra e parte por mar, rumo à Região dos Lagos.

A marcha durou cerca de duas semanas. Em 12 de setembro as forças da Coroa alcançaram uma aldeia dos tamoios. Fortificada e cercada por um fosso triplo, sua tomada pela força era pouco provável. A obra de engenharia tinha sido feita com a assessoria de dois franceses e um inglês, que viviam com os índios. Pensando no que fazer, Salema não atacou a fortaleza de imediato, o que permitiu o reforço de outras localidades, elevando seu número para estimados 1.000 combatentes usando arcos, além de um sortimento de arcabuzes, pequenas peças de artiharia, espadas e adagas fornecidas pelos corsários que contrabandeavam pau-brasil.

Salema desistiu de vez do ataque e preferiu a velhíssima tática para tomar fortalezas antes da invenção da pólvora (ou quando a artilharia era escassa, como no caso): o assédio. Para um povo que não tinha o hábito de estocar mantimentos e que mal podia compreender a acumulação de bens (1), resistir a um cerco não era tarefa das mais fáceis. E, realmente, bastaram 10 dias para que a falta de água e víveres já os deixara dispostos a tentar uma surtida final e desesperada.

Mas Salema, desconfiado de que eles preparavam alguma coisa, enviou o jesuíta Baltazar Álvares para negociar com os indígenas. Graças à boa fama de que a Companhia de Jesus gozava, ele foi ouvido. Inicialmente os portugueses exigiram a entrega do inglês e dos franceses ali refugiados. Imediatamente os brancos foram entregues e enforcados.

Forte de São Mateus, em Cabo Frio

Em seguida, Salema exigiu de Japuguaçu, o líder dos tamoios, que parte da cerca fosse derrubada. Mais uma vez o colonizador foi atendido pelos nativos. Ato contínuo, os lusitanos exigiram que lhes fossem entregues os cerca de 500 índios que haviam vindo reforçar as defesas da aldeia. Japuguaçu, em sua ânsia de evitar a batalha, entregou-os aos brancos, que os aprisionaram e amarraram. Satisfeitas estas exigências, Japuguaçu finalmente requisitou aos portugueses que o deixassem permanecer com sua gente naquele local.

Foi quando Salema, que já tinha fama de odiador de índios e de quem se conta que espalhou propositadamente varíola entre os tamoios para se apossar das terras da Lagoa do Sacopenapan (atual Lagoa Rodrigo de Freitas), informou a Japuguaçu que daria livre-conduto para ele, suas mulheres e seus parentes, mas escravizaria toda a aldeia. E que, se ele não achasse os termos razoáveis, poderia voltar para seu reduto e lutar.

Já cercado por todos os lados, com parte da fortificação voluntariamente arrasada, o traído tamoio entregou sua gente. Os portugueses entraram em triunfo na aldeia, em 27 de setembro, carregando uma cruz como se tivessem sido valorosos combatentes. No dia seguinte executaram sem piedade todos os indefesos índios que haviam vindo em ajuda aos tamoios. Algumas fontes alegam que eles eram de tribos pacificadas da região do Paraíba, mas esta é uma declaração no mínimo duvidosa.

Desbaratado o principal bastião dos nativos, a expedição partiu para os sertões, atacando todos os ajuntamentos tamoios que pudessem encontrar. Cálculos da época dão conta de que ele teria matado mais de 2.000 indígenas e escravizados outros 4.000. A terra deserta foi logo em seguida clamada pelos jesuítas.

O  Forte de  São Mateus dominava a entrada do canal para a Lagoa de Araruama e ainda vigiava a rota para a Baía da Guanabara

A região ficaria tão abandonada que os goitacases viriam de seus campos para uma rarefeita ocupação, aventurando-se em expedições de caça e pesca. A ameaça dos corsários franceses seria afastada de vez quando os portugueses instalaram na boca do canal que levava à Lagoa de Araruama primeiramente o Forte de Santo Inácio e, insatisfeitos com sua localização, pouco depois o Forte de São Mateus. De pé até hoje a construção é uma das grandes atrações turísticas do balneário da Região dos Lagos.

Tão aterrorizante foi o massacre que Salema levou a cabo que os sobreviventes fugiram e dispersaram-se a tal ponto que, menos de 100 anos depois, foram encontrados descendentes dos tamoios da região em plena Amazônia, juntamente com outros apavorados nativos da terra, os tupinambás, fugitivos de campanha similar na capitania da Bahia. Esse foi o fim de duas das maiores e mais gloriosas nações de índios brasileiros, que tiveram o azar de estar no caminho da colonização portuguesa que, menos que a ocupação da terra, objetivava principalmente sua exploração comercial, de uma forma que eles sequer podiam compreender, conforme o termo abaixo. Eles estavam no caminho não só da história como da economia e, sendo assim, não tinham a menor chance:

(1) Como narrado por Jean Léry, cujo nome batizou originalmente o hoje Outeiro da Glória:
(...) os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros que se deram ao trabalho de ir buscar seu arabutã (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, mairs e perós (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como supunha ele, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com seus cordões de algodão e suas plumas.

Retrucou o velho imediatamente: E por ventura precisais de muito? - Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. - Ah!, retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhes dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros.

Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso, perguntou-me de novo: E quando morrem, pra quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi: na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade, continuou o velho, que , como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros mairs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem. Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

(Jean de Léry - Viagem à Terra do Brasil, 1557)

Sem comentários: