julho 21, 2009
A Fronteira Final - A Primeira Temporada de JORNADA NAS ESTRELAS - A série clássica
Depois de muita doideira, de encarar a inteligência artificial, o medo de envelhecer, velhas mágoas e ressentimentos, as neuroses que se escondem por trás de um comportamento profissional, as fronteiras entre realidade e percepção e até mesmo um submarino espacial, a galera da Enterprise repete a situação da estreia com outro monstro alienígena assassino. Mas desta vez ele não tem a aparência de belas mulheres e grandes amores do passado. Este, afinal, é o episódio em que no meio do caminho de Kirk e seus comandados tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho deles, uma pedra no meio do caminho deles tinha.
Num planeta que é um gigantesco depósito de minerais, mas difícil de explorar, equipamento começa a ser roubado e depois mineiros começam a virar cinzas fumegantes. A Enterprise chega para investigar, já que precisam dos recursos estratégicos de lá e logo um sujeito de camisa vermelha vira uma manchinha no chão. A caça aperta, Kirk e Spock descobrem que a criatura paece um rochedo vivo e é preciso muito, mas muito phaser para feri-la.
Mas eles não têm nem muito tempo pra comemorar que pelo menos dá pra ferir o monstro, já que ele rouba uma peça vital para o sistema de suporte de vida e começa mais uma corrida do povo da Fronta Estelar contra o tempo. O alienígena secreta um superácido que o faz atravessar rocha sólida como se fosse ar, fazendo túneis instantâneos. E é num deles que Kirk encontra a criatura. Só que em vez de atirar, senta pra conversar e descobre a verdade por trás daquele pedrão.
É claro que o monstro não conversa, mas Kirk e ele ficam se estudando e Spock faz uma fusão mental e descobre tudo: os mineradores chegaram a uma câmara onde está o ninho com os ovos da criatura, que foram tomados por pedrinhas e destruídas de montão e, por isso, depois de 50 anos, ele começou a sabotar a exploração. A muito custo Kirk consegue pacificar os mineiros, mas ainda assim, ferida pelos phasers, a mamãe alienígena agoniza e não terá como criar sua ninhada, extinguindo sua raça. Até que McCoy a cura com... concreto.
Sim, concreto. Porque o bicho é um pedrão mesmo. Explorando verdadeiros conceitos especulativos de ficção científica, Gene L. Coon imaginou uma criatura baseada em silício, a única outra substância tetravalente como o carbono de que somos feitos. E em plena época de Guerra Fria, Coon, ex-marine que lutou quatro anos na II Guerra e fez parte das tropas de ocupação da China e do Japão, subverte os clichês de alienígena assassino para jogar a culpa nos aparentes mocinhos, que, sem saber nada de onde estavam se metendo, saíram destruindo toda uma raça inteligente e pacífica. Além, é claro, da consciência ecológica. Para se ver o quanto isso ia contra a ideologia da época, basta lembrar que no primeiro episódio, o próprio povo da Enterprise não hesita em vaporizar um último representante de outra espécie, sem dó nem piedade.
É que na época Gene L. Coon ainda não havia se juntado ao programa, o que faria no meio da primeira temporada. Seria ele quem criaria os klingons, a Diretriz Primária (que todo mundo traduz errado como Primeira Diretriz) e daria à série sua verdadeira essência, com um pacifismo bem mais zen do que o do positivista Roddenberry. Comparando-se com os primeiros episódios, os do final do ano são muito menos conservadores e consideravelmente mais antiestablishment. A próxima historinha escrita por Coon, “Missão de Misericórdia”, seria consideravelmente mais subversiva.
Mas, embora Coon tenha contribuído com o conceito especulativo e a visão progressista de alteridade em plena Guerra Fria, de entender o “outro”, que tornaram este um dos episódios mais conhecidos, como “aquele da criatura de silício”, ele também adicionou ao universo trekkie uma faceta mais juvenil. Mais ou menos a partir de sua chegada, os personagens secundários da ponte vão sumindo dos roteiros e sendo relegados a meros objetos funcionais, coadjuvando apenas quando a ação pede mais uma pessoa que não vá morrer. Por esta altura da temporada a bunda da ordenança e seu relacionamento não consumado com o capitão Kirk já haviam desaparecido. Não mais veríamos cenas como a conversa de Janice e Sulu nos aposentos dele ou Uhura cantando na sala de recreação.
Ao mesmo tempo, Spock, McCoy e Kirk começariam cada vez mais a comportar-se como moleques de quinze anos, amigos que vivem curtindo um com a cara do outro. Spock, que nos primeiros episódios chegava a sugerir matarem logo um velho amigo de infância do capitão, cada vez mais age como um pirralho querendo parecer superior e tirando uma onda com o médico com a história de não ter emoções, quando é cada vez mais aparente que ele está se divertindo com a história toda.
Assim, ao mesmo tempo que as histórias começariam a ficar cada vez mais instigantes e interessantes, com o pacifismo e a visão quase zen de Coon, que fazia a redação final de todos os scripts, dominando cada vez mais, também sumiria o tom mais adulto que Roddenberry queria para a série e ela se tornaria cada vez mais juvenil. A sisudez conservadora viraria um seriado com mais ação tradicional (embora com ideias mais provocantes) mais voltado à garotada, até mesmo por causa da canastrice dos atores principais.
Na verdade, a visão original de Roddenberry provavelmente foi melhor servida pela Nova Geração, com seu ensemble bem maior de personagens, todos eles com personalidades e passado bem melhor desenvolvidos, e menos ênfase em ação e maior em relacionamentos (uma obsessão da tevê que começou naquela época e vem até hoje).
O que só prova que inteligência não necessariamente precisa de solenidade e sisudez, e pode ser tão divertida quanto um velho seriado.
Digno de nota:
- Contagem de corpos: “mais de 50 mineiros”, conforme declinado pelo capataz, e milhares e milhares de filhotes de “horta”. Em cena vemos um mineiro e um tripulante da Enterprise, que, ao ver o alienígena correndo pra ele, grita e nem ao menos saca o phaser. E esse cara é da equipe de segurança?
- Avistamentos de Tenente Leslie: Ele está na equipe de segurança que desce para procurar o alienígena.
- Mantendo a ênfase em multiculturalismo, a equipe de segurança é liderada por um ítalo-americano e tem um hispânico.
- Mais tarde, segundo livros e quadrinhos, os hortas se associariam à Federação, pilotando naves recheadas de rochas. Um deles apareceria no tribunal de “Star Trek IV”, mas não ficaram prontos a tempo.
A Seguir: Um planeta onde todos são obrigados a participar de uma suruba quando bate... A Hora Rubra!
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