agosto 12, 2010

A História do Widescreen II - O Cinemascope parte 1

Agora que pra essa Copa que passou um monte de gente finalmente comprou sua tevê widescreen, está na hora de saber um pouco mais sobre os formatos panorâmicos, como e por que eles surgiram, e por que alguns deles ainda mostram na televisão as odiadas tarjas pretas:


Cartaz de propaganda de "O Manto Sagrado", com o tamanho e a curvatura da tela muuuuuito exagerados, bem como suas proporções. Alguns cinemas tinham uma leve curvatura para essas produções, como se podia ver no finado Metro Boavista.

Depois do fenomenal sucesso do Cinerama ("cinema" + "panorama"), os grandes estúdios começaram imediatamente a pensar em como entrar na onda da tela larga, com imagem preenchendo o campo de visão periférico e aumentando a imersão do espectador, tentando atrair de volta a metade de público que tinha deixado de ir aos cinemas desde que a televisão finalmente se tornara popular, no final dos anos 40.

A ideia por trás dessas telas panorâmicas (widescreen) era criar um efeito quase tridimensional. O Cinerama não só se estendia por todo o arco da visão humana como também tinha uma nitidez fenomenal por usar três negativos, cada um já usando 50% a mais de área por usar seis perfurações (1). No entanto, cheios de dívidas não só com a perda de público para a tevê como por terem que vender suas cadeias de cinemas devido a leis antitruste, os grandes estúdios não estavam a fim de modificar todo seu departamento técnico - e pagar royalties - para o Cinerama (mais tarde, a produção de "A Conquista do Oeste" mostraria a inviabilidade de se produzir fitas dramáticas para o sistema). Então começaram a olhar para o passado, quando foram feitas diversas experiências com formatos maiores, na época da transição para o cinema sonoro, abandonadas devido aos custos que trariam numa época de profunda depressão econômica.

Haviam sido feitas experiências com 70 mm e até com três câmeras, como no cinerama (na obra-prima de Abel Gance, "Napoleão", um dos melhores longas já feitos). Por causa disso, desde aquela época, final dos anos 20, um francês chamado Henri Chrétien tentava empurrar pralgum produtor sua lente que ele chamava de "anamorphoscope". Ela simplesmente distorcia a imagem, fazendo todo mundo ficar alto e magro - tudo ficava com o dobro da altura. Na hora de projetar, outra lente fazia o contrário - diminuía a altura de tudo pela metade, e o resultado era o preenchimento de uma tela duas vezes mais larga que o normal, usando-se um filme 35 mm padrão. Ta-daaaa! E assim, depois de um quarto de século tentando interessar alguém em seu sistema, o sr. Chrétien viu a Fox batendo à sua porta em 1953 pra comprar os direitos de sua invenção.


A lente anamórfica de Henri Chrétien. Todos os elementos são circulares, mas parecem ficar cada vez mais elípticos devido à compressão ótica.

Os filmes da época tinham o mesmo formato das velhas tevês de tubo, 1:1.33 (1,33 cm de altura pra cada centímetro de largura - multiplicando-se os dois números por 3, temos o famigerado 4 x 3). Com a lente "anamórfica" de Chrétien, passou-se a 1:2.66. No entanto, pra rivalizar com o som multicanal do cinerama, usou-se um sistema "surround" pra aumentar a imersão do espectador: um canal esquerdo, um canal direito, um canal central e um canal traseiro. Pra aumentar a qualidade do som, a Fox desenvolveu um sistema de som magnético, superior ao ótico, capaz de ser "impresso" no acetato, o que roubou um pouco de espaço lateral, levando a proporção a 1:2.55. Depois de uns poucos filmes no formato, os engenheiros de Hollywood, atendendo a reclamações de donos de cinemas que não queriam gastar mais grana ainda mudando a aparelhagem de som, conseguiram codificar estereofonia na trilha ótica, que passou a vir como opcional nas fitas, ao lado da trilha magnética, e tirou mais um naco dos quadros, levando à proporção impressa hoje em tantas capas de DVDs: 1:2.35 (3).



Acima, a imagem como capturada no filme e abaixo, descomprimida, como fica ao ser projetada. A distorção é semelhante à dos DVDs 16 x 9, que são "esticados" pelo chip da televisão. A diferença é que a compressão do cinemascope é maior e por isso fitas nesse sistema aparecem com barras pretas mesmo nas modernas tevês digitais - embora menores que nos velhos tubos de imagem 4 x 3

O primeiro filme em cinemascope foi um épico, "O Manto Sagrado", que teve sua filmagem paralisada para aguardar a lente, pois os executivos julgaram - acertadamente - que uma produção em larga escala, com cenários majestosos e cheios de extras, seria ideal para estrear a nova tecnologia.

Ao lado da câmera anamórfica, outra filmava "O Manto Sagrado" em 35 mm padrão, pois a Fox não sabia se sua aposta daria certo e também precisava pensar nos inúmeros cinemas que não tinham como aumentar seu espaço lateral de projeção, normalmente os de cidades menores, ou distantes do centro, ou menos badalados. Esse circuito "alternativo" daria início a uma prática de exibição que duraria até as salas de exibição geminadas começarem a tomar os irmãos do norte nos anos 70: as grandes produções estreavam em luxuosas casas de espetáculo, com número reduzido de sessões, muitas vezes com lugares marcados, em telas enormes e sistemas de som multicanal. Não era incomum uma fita ficar até um ano em cartaz nessa cadeia extremamente limitada antes de finalmente se transferir para salas menores, frequentemente com vários cortes, para aumentar a quantidade de exibições diárias, e depois seguir para os poeiras e cinemas de bairro, com mais cortes e em formato alterado para 1:1.33 ou, no máximo, 1:1.85 (2).

Com o sucesso de "O Manto Sagrado", a Fox encheu os cofres de dinheiro, mas nem todos os estúdios estavam interessados em pagar royalties pelo sistema para um concorrente, ainda mais naqueles tempos de vacas magras.

(1) O filme corre pelo projetor com uma engrenagem que encaixa em perfurações laterais e vai puxando-o. Normalmente cada quadro tem uma altura correspondente a quatro perfurações, mas alguns formatos exóticos usavam 5 ou 6 perfurações em cada quadro, para aumentar a área disponível - e a qualidade - de imagem.


As perfurações num filme - normalmente quatro. A imagem em quadro é a de um círculo, comprimida pela lente anamórfica

(2) Dessas cópias em pequeno formato é que eram tiradas as fitas em 16 mm que eram alugadas para exibições particulares ou usadas na transferência para televisão - que afinal usava a proporção 4 x 3. Essas transferências foram aproveitadas na maioria dos lançamentos em VHS, mas nos anos 90, com o aumento do tamanho e qualidade das tevês, e as novas tecnologias, como o laserdisc e posteriormente o DVD, suas deficiências tornaram-se gritantes e começou uma corrida dos departamentos de home video dos estúdios atrás das negligenciadas versões originais dessas grandes produções, buscando as cenas que foram cortadas e os belos negativos originais, muitas vezes em 65 ou 70 mm, vistavision ou super panavision, daí a onda de lançamentos de "restaurações" e "edições especiais" de filmes clássicos.

(3) Na verdade, originalmente o cinemascope usava um quadro maior do que o do filme normal. Em seu afã de tentar melhorar a imagem, avançou-se sobre as pequenas barras pretas que separavam um "frame" do outro: as imagens parecem "coladas" uma na outra, sem separação nenhuma.


A imagem em sépia no centro deste quadro de "o manto sagrado" mostra o tamanho que teria se filmado com o formato normal - note que o cinemascope era mais largo e MAIS ALTO que o velho 4 x 3. Veja também a diferença na composição da cena e a perda de majestade quando esses longas eram passados na tevê.

Essa busca de migalhas de área de imagem tinha um objetivo: o cinemascope não tinha a área 4,5 vezes maior do que o normal do cinerama, e surgiu na época em que apareceram novos negativos coloridos para substituir o de três fitas do technicolor (uma para cada cor!), ainda não muito bem desenvolvidos. Assim, quando o filme 35 mm era expandido para o dobro do tamanho, sua granulação ficava claramente visível, como se pode comprovar assistindo-se aos DVDs de "O Manto Sagrado" e, principalmente, sua continuação, "Demétrius e os gladiadores".

Como o cinerama usava três câmeras, com três painéis separados, cada um a seis perfurações por quadro, sua área de imagem era 4,5 vezes maior do que a de um negativo de 35 mm padrão, e por isso se prestava à exibição em telas de mais de 20 metros. O IMAX hoje em dia também usa câmeras com filmes em formatos enormes para obter sua inigualável qualidade (com a vantagem do aprimoramento digital).

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