abril 24, 2012

A Extinção dos Dinossauros (Começo)


  • Você lembra que aqui costumava ficar bem mais cheio?
  • Quando abriu. Já faz mais de três anos.
  • O que será que aconteceu?
  • O pessoal cansou de comida mexicana nesta área. Cansou desta área. Cansou dos preços. Achou lugar melhor.
  • Eu nunca sei porque um restaurante abre, mantém a comida, mantém o ambiente e as pessoas vão sumindo.
  • É uma coisa de zeitgeist, Zabe. A comida não tem só o gosto do lugar onde é produzida, da terra onde é produzida, da cozinha onde é produzida. Ela tem o gosto do tempo onde é produzida. E, quando passa o tempo dela, ela simplesmente se vai. Aqui tem gosto dos primeiros álbuns do Scott Pilgrim. De House. Da peça da Verônica. Dos shows do Van Esperança.
  • Do Tadeu.
  • Da Mônica.

Pausa. Por instante só flutuam as baixas e poucas conversas do ambiente e eventuais sons da cozinha.

Marcos recomeça.

  • Você sabe que o House vai acabar, né?
  • Sei.
  • E Scott Pilgrim já virou até filme.
  • Pois é.
  • Tudo vira filme. Menos eu.
  • Você ia ser um filme chato. Desses que a gente vê no Festival de Cinema.
  • Eu tinha esperança de ser uma mostra do CCBB.
  • O que você tem pra mostrar?
  • Olha que eu mostro.
  • Não me impressionou da primeira vez.
  • Nossa, isso já faz quanto tempo?
  • Nem tanto, a gente já tinha se formado.
  • A gente se formou faz anos.
  • É que tem aquele povinho que ainda tá acabando a faculdade...
  • Eles entraram depois da gente. E são preguiçosos.
  • Você é preguiçoso.
  • Você acha que eu devia ter desempenhado com mais disposição daquela vez?
  • Comigo não. Com a Mônica.
  • A Mônica também é preguiçosa.
  • Não parece.
  • Não no que interessa.
  • Na vertical ela é bem aplicada.
  • É por isso que o Tadeu gosta dela?
  • Tadeu não gosta de ninguém.
  • Esconde bem, está sempre bem acompanhado...
  • Quer indício melhor?
  • Isso é psicologia de botequim.
  • Mulheres são mais perceptivas pra essas coisas. A gente nota claramente quando o cara realmente gosta das pessoas. Gosta de alguém. Se sente melhor com alguém. É melhor ao lado de alguém. Não é o caso do Tadeu.
  • Então por que você ficou com ele?
  • Por que eu gostava dele.
  • Vocês, mulheres, com esse seu egocentrismo...

O bafo quente de veranico invernal de quarta-feira se espraia como uma fina camada de suor por cima das pessoas a conversar, rir, sorrir ou se refrescar no claro e aberto pátio da velha casa. E a pele café-com-leite de Elizabeth, mais leitosa do que o usual pela falta de sol, começa a ganhar um brilho sob as mortiças luzes ambientes e a claridade da vela dissolvendo-se em correntes de estalactites no centro da mesa.

  • Você está suando.
  • Você também.
  • Eu sempre gostei de mulher que sua.
  • Não é considerado elegante.
  • Como não? Eu acho tão sensual. Não acredito em sensualidade seca. Eu acredito em fluidos. Nós viemos do oceano. Deus pra mim é um líquido.
  • Deus é líquido?
  • Certamente sólido ele não é.
  • Ele está no meio de nós.
  • No meio de nós está o ar.
  • E o fogo – olhando pra vela.
  • Se você jogar um pouco de terra sobre a mesa, vamos ter os quatro elementos aqui presentes.
  • Eu estou longe da jardineira.
  • Dá uma andadinha até lá.
  • E como você sabe que Deus está aqui conosco?
  • O chope. É líquido.
  • Deus é como um Big Brother? Observando a gente através de câmeras líquidas ocultas e espalhadas?
  • Eu sou como o Big Brother.
  • É? Por quê?
  • Porque não existo. Sou apenas uma contrafação de várias outras pessoas. Um retrato genérico.
  • Ah, Marcos, não recomeça...
  • Tarde demais.

Zabe balançou a cabeça enquanto o amigo pegava a vela do meio da mesa e puxava o fogo dela através das folhas de tabaco direto para seus pulmões. Ela não suportava a fumaça do cigarro.

  • Você sabe que eu não suporto fumaça de cigarro...
  • Era isso que eu deveria fazer? Parar de fumar que nem o Tadeu?
  • Tadeu não parou de fumar por minha causa. Ele nunca fez nada por minha causa.
  • Nem namorar a Mônica?
  • O que tem isso a ver, Marcos?
  • Ela era a minha namorada, droga. Eu era apaixonado por ela. Eu e você éramos os melhores amigos. Ele morria de ciúme de mim. Você não consegue ligar os pontos?
  • Ele não ligava pra essas coisas.
  • Zabe, não lembra aquela festa na tua casa que os teus colegas lá da Tanta acharam que eu é que era o teu namorado?
  • Ele não chegou a saber.
  • Isso é o que você pensa. A Talita me disse que ele tava puto comigo.
  • Mas você começou com a Mônica logo depois.
  • É. Eu sei.
  • Vocês estavam sempre juntos.
  • Estávamos.
  • E agora não estão mais.
  • Não.
  • E nem eu com o Tadeu.
  • Pois é.
  • E nem por isso estamos namorando.
  • Seus amigos da Tanta tinham que estar aqui, agora.
  • Eu nem falo mais com eles.
  • Você falava com a Mônica.
  • A Mônica também não trabalha mais lá.
  • Ninguém mais trabalha lá 

    (continua)

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