dezembro 27, 2012

A Invenção da Retranca - Parte I


Retranca não foi invenção do Dunga ou do Parreira, tampouco de Helenio Herrera. É, aquele argentino que criou o líbero e o catenaccio e acabou nos anos 60 com a hegemonia do Real Madrid na Europa ao empilhar 1 x 0 sobre 1 x 0 com o Milan na Liga dos Campeões. Muito antes do futebol-força, o Golpe de Jarnac já fazia os duelistas puristas suspirarem e sonharem com a volta da esgrima-arte em vez do duelo de resultados. Pois já em 1547 Guy Chabot, o Barão de Jarnac, mostrou ao mundo como um sujeito dedicado e inteligente pode se impor sobre alguém muito mais talentoso, porém despreparado e indisciplinado.

Guy Chabot

Chabot era cunhado da jovem amante do rei François I, a Duquesa de Etampes, que tinha uma rixa pessoal com a não tão jovem amante do Delfim Henrique (depois, rei Henrique II), Diane de Poitiers. A tal ponto que ela começou a espalhar o boato de que a bela madrasta de Chabot sustentava o caro estilo de vida do enteado não só por obrigações familiares, mas por motivos bem mais sórdidos. E, meio de brincadeira, Henrique II acabou comentando essa história com o próprio Chabot.



Furioso, o Barão de Jarnac declarou peremptoriamente que tal história era um completa calúnia e exigiu saber quem a contara. Para evitar ulteriores escândalos envolvendo a realeza, François de Vivonne, o Senhor de Châtaigneraye, leal camarada de Henrique, assumiu a culpa. E, uma vez que fora chamado de deslavado mentiroso, era preciso resolver a questão, aquela história de noblesse oblige...

Mas esse tipo de duelo, em 1547, não era daqueles em que dois sujeitos se encontram em particular para resolver a questão e se enfrentam sem muita convicção, apenas para dar uma justificativa e aguardar a interrupção dos procedimentos pela autoridade presente. Não, naquela época, esse tipo de ofensa era um crime que precisava ser resolvido através de julgamento por combate. A própria Corte ordenava que os litigantes se confrontassem para lavar sua honra com sangue. Não haveria só preocupação com as aparências naquela luta. A coisa era séria.

E, para azar de Chabot, François de Vivonne era conhecido por ser não só o melhor espadachim da França como excepcional lutador - numa era em que bocas de fogo eram vistas com desprezo pela nobreza e as armas tinham pouco alcance, saber se impor sobre o adversário no corpo-a-corpo era fundamental. O Senhor de Châtaigneraye inclusive já havia vencido vários duelos derrubando o adversário no chão antes de finalizá-lo com uma adaga.

E não era só isso. Para dar ainda mais dramaticidade à história, Vivonne e Chabot eram amigos desde a infância e se encontravam em lados opostos apenas porque o segundo, ao casar com a irmã da amante do rei, incorreu na animosidade de Diane de Poitiers.

Incomodado com a história toda e sabedor da amizade entre os dois envolvidos, o rei François I durante mais de um ano se negou a marcar data e local para o confronto, esperando que os ânimos se acalmassem. Mas François de Vivonne, talvez justamente por sua perícia marcial, tinha um caráter orgulhoso e vaidoso, além de comportar-se como um valentão. Durante todo o tempo de espera, ele instou o Delfim Henrique a pressionar François I para organizar o duelo, mas de nada adiantou. Até que François morreu e o delfim tornou-se o soberano da França. E uma de suas primeiras providências como monarca foi justamente ordenar que se realizasse o combate entre Jarnac e Châtaigneraye.

Toda a França sabia que Chabot não estava à altura de seu adversário. Os dois mesmo chegaram a treinar juntos várias vezes, amigos íntimos que eram, e conheciam o estilo um do outro. Só restava ao Barão de Jarnac apelar à fortuna de sua família e contratar o Muricy Ramalho da Europa no assunto, um mestre italiano de esgrima, o capitão Caizo, para prepará-lo da melhor maneira possível para enfrentar seu velho amigo. Mas o que ele poderia ensinar em tão pouco tempo que tornaria Chabot capaz de vencer o maior espadachim da França?

A defesa. Sempre a defesa (continua)

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