No colégio o (ótimo) professor de português, o Zé Paulo, mandou ler “Casa de Pensão”. Na época eu discordava ideologicamente dos naturalistas por causa de seu determinismo, sem saber que ia acabar discutindo com amigos que se tornaram fascistas que eles não têm ideia de como é crescer numa comunidade e numa sociedade racista. Como bom adolescente, queria que os românticos tivessem razão e até hoje sou fã de super-heróis por causa dessas inclinações literalmente pueris.
Foi nesse livro que eu primeiramente descobri que “pejada” significava grávida. O volume narrava a história de um cearense rico que vinha estudar no Rio e se hospedava na casa de pensão (dã) de um amigo que empobrecera. A ideia do locatário era proxenetar a própria irmã e com isso levá-lo a casar-se com ela. Lembro da vívida descrição de como ela se deixou ser levada a com ele deitar-se e como eles se tornaram amantes tão contumazes que ela soltava o cabelo e desvestia-se já na frente do cabra. Só que o nordestino encarava aquilo apenas como um casinho e, quando resolveu pirulitar-se, o irmão da “perdida” foi à delegacia prestar queixa de sedução, onde lhe perguntaram se ela ficara pejada.
Até então eu conhecia “pejo” apenas no sentido de opróbrio e certamente o AA (Aluísio Azevedo, não os Alcoólatras Anônimos) estava aproveitando essa dupla jornada do vocábulo para transmitir a vergonha do personagem, que é descrito como sentindo-se humilhado por sua irmão não ter emprenhado - reparem no uso de termos usados para o mundo animal.
Aprendi também com um anúncio d’antanho de um curso de espanhol que “embarazada” significa em castelhano. Pra quem é muito jovem (ou está fingindo ser não lembrando), o comercial era um sujeito em alguma terra portenha precisando de uma ficha (vá pesquisar, garoto) prum orelhão (idem) e chega para um casal do lado, onde o vivente tem cara de poucos amigos, mostrando uma ficha pra garota e dizendo que precisava fazer “una ligación”, com a legenda explicando que em nossa língua irmã significava transar. Quando o namorado da jovem furibundava, ele tentava acalmar o ânimo dizendo que não queria deixar a moça “embarazada” (grávida).
Eu sempre achei que esse sentido de “embarazada” referia-se ao embaraço que é carregar um vivente parasitando-a por 9 meses e esmagando todos os seus órgãos internos, até que nesta semana uma luz acendeu-se em minha cabeça lendo “Um Passeio pelo Rio”, do Joaquim Macedo (com a sensacional história do Recolhimento do Parto, que aqui em breve contarei). “Pejo”, “embaraço”, parece que os ibéricos pensam que é uma vergonha estar grávida - porque inegavelmente a donzela não é mais moça. Ou a moça não é mais donzela. Apesar de procriar ser o principal papel da mulherada até recentemente - e ainda hoje em muitos lugares e imaginários fascistas -, mesmo assim o fato da cabrocha entregar-se aos reclames da carne, sentir tesão e gozar é percebido por quem está de fora (principalmente da cama dela) como razão para opróbrio e vergonha.
Realmente não dá pra nós, machos heterossexuais, cis/brancos/classe média, termos ideia do que é ser mulher (e presa) nesse mundo. Mesmo as legalmente casadas, desempenhando o papel que se espera delas, foram momentaneamente putas decaídas e só a maternidade as redimirá. Palavras podem mentir, mas não o subtexto. Saulo de Tarso fez muita nossa cabeça e nossa linguagem atraiçoa nosso machismo e nossa misoginia. É como eu sempre digo, o povo cobiça tanto as mulheres pelos motivos errados que estão perdendo a chance de viver num mundo onde todos os motivos são certos.
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