agosto 22, 2007

Chega uma hora na vida em que o futuro parece nebuloso. O chão some sob nossos pés. Tudo parece difícil e confuso, nossas certezas todas desaparecem, duvidamos de tudo que fizemos ou queremos fazer. Geralmente esta hora chega uns dois segundos depois do médico dar uma palmada na gente. Quer dizer, médico não, não sei, os caras tão todos mascarados pra não serem reconhecidos, a gente nunca sabe, né? Mas de qualquer forma é nessa hora em que o futuro começa a nos parecer tremendamente nebuloso e inseguro. Já nesse momento começa a busca. Precisamos descobrir quem somos. Dão-nos um nome, mas em que nos ajuda um nome a descobrir quem somos? Pensando bem, se você por exemplo se chamar Jabotecler, ajuda pacas. Não tem como você não descobrir quem é. Não importa em que hora, em que dia, mas em um momento você vai estar andando pela rua e vai se dar conta. "Meu Deus, eu sou o Jabotecler". Isso é uma coisa que define uma pessoa. Jabotecler. Ninguém aí se chama Jabotecler, certo? Claro que não. Se se chamasse, não estaria aqui. Certamente estaria em algum lugar transcendental, cercado de discípulos doidos para aprender como o mestre descobriu seu lugar no Universo. É simples quando você se chama Jabotecler, afinal no Universo certamente só há lugar para um Jabotecler. Mas e se você se chama, digamos, Paulo? Quantos Paulo outros não haverá no Universo? Ou Aline e Ailime. Se bem que Aline e Ailime parecem também só estarem destinadas a um papel no Universo, mas isso é outro papo e outro papel. Se você não tiver que se preocupar com outras coisas que possam parecer mais importantes, tais como ter algo o que comer, o que vestir ou se batizar ou não o seu filho de Jabotecler Júnior, você começa a se preocupar com essas coisas metafísicas. Destino, beleza, arte, amor, paixão, sexo, morte. E onde encontrar as respostas? Infelizmente, o Jabotecler já tá cheio de discípulos e não tá aceitando mais, então tentamos usar o Universo para nos dizer o que fazer. Entrar em sintonia com o Cosmo. Usar as nossas percepções místicas. Eu tenho um primo adolescente que é capaz de ver o futuro. Ele é capaz de entrar num lugar e ter uma visão do que vai acontecer ali dentro de uns dez, quinze minutos. Toda vez que ia começar a aula de aeróbica na academia dele, ele ia dez minutos antes para o vestiário feminino. Até que um dia o Jabotecler o levou com ele para usar seus dons para fins mais nobres. Outras pessoas têm percepções diferentes. São esses que a gente procura pra nos darem uma ajuda, nos dizerem o que esperar do futuro, do Destino. Não nos satisfaz viver cada dia, precisamos que o próximo dê sentido a tudo, nos traga o que desejamos. Precisamos conhecer o futuro. Eu fiz o circuito todo. Fui a um tarólogo. Ele tirou o arcano XII, o Enforcado. Tirou depois o arcano VI, o Enamorado. Depois tirou o arcano IV, o Imperador. Deu XXII. Estourou e a banca ficou com tudo. Procurei depois um vidente, mas não achei nenhum em casa. Parece que estavam todos nos vestiários da convenção de professoras de aeróbica. Tentei finalmente uma moça que lia a sorte numa xícara de chá. Nunca esquecerei suas proféticas palavras - " Instruções - aqueça a água e deixe este saquinho em molho durante alguns minutos". É claro que a água era a minha vida e o saquinho era eu. Eu devia aquecer o meu coração. Dar lugar para mais um. Porque, afinal, dizem que o Inferno são os outros, mas não é isso. O futuro é que são os outros. Porque quando você olha pela rua, cada pessoa, cada rosto, cada tristeza, cada alegria que você vê, é um reflexo, um espelho. De você mesmo. Um momento que você vai passar, um desamor, uma grande paixão, uma conquista, um triunfo, um fracasso. Todos nós passamos por isso. Todos nós vamos ter pelo menos um pouco de cada uma dessas coisas. E, durante pelo menos um momento, vamos ser aquela pessoa que estamos vendo atravessar a rua. Aquele sujeito bonito, aquela moça bem-vestida porém carrancuda. Nós nunca vemos o nosso rosto, podemos apenas ver o dos outros. É como a nossa vida, o nosso tempo. Nós nunca vemos o nosso futuro, embora todo mundo possa vê-lo. Possa vê-lo em nossas crenças, nossas atitudes, nossas decisões, nossos amores. Somos anônimos na multidão, mas temos nosso coração e ele está refletido em nossos rostos. A não ser o Jabotecler, que nunca vai ser anônimo em lugar nenhum. Ele está no meio de nós. E nós, nós estamos no meio de todos. A vida é grande demais para ser apreendida num futuro. Ela tem um presente e um passado. Nós não precisamos vê-los todos juntos. Não precisamos sabê-los. Precisamos apenas vivê-los. Eu acho que é isso. Não precisamos de mais nada. Só isso. Aquecer a água e deixar o saquinho de molho. Eu jamais poderia imaginar tanta sabedoria numa xícara de chá. Deve ser a tal da sincronicidade. Aquela que o Jung inventou. Jung. Que nome esse, também? Deve ser o Jabotecler da Renânia. Ele tem sorte, tem seu nome. Nós? Nós temos nossos rostos e nossa vida.

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