fevereiro 10, 2008

Que Deus sou eu?

E-mail da longa discussão no newsgroup que eu frequento, a Panelinha. Alguns excertos da discussão foram publicados na crônica de Arnaldo Bloch do sábado de carnaval, sob o título "E-Deus". Este foi cortado pelo exagerado tamanho:

Arnaldo, eles só reforçam o ponto de vista do Marquinhos, que começou tudo quando falou que religiões não são baseadas em dogmas, mas em revelações. Dogmas são os sujeitos que vieram depois dos profetas interpretando as palavras do cara.

Nõs vivemos a vida inteira numa sociedade tecnológica e às vezes nem lembramos que não existem "leis naturais", o que existe são inferências feitas por sujeitos a partir de axiomas. Em algum momento você vai ter que fazer uma proposição indemonstrável ou que não pode ser provada para embasar suas teorias. A Lei da gravidade, por exemplo, não rege os movimentos dos planetas - ela parte do princípio que, só porque desde que nos entendemos por gente, os planetas parecem se mover de uma certa forma, eles continuarão se movendo sempre assim. Isso pode parecer óbvio, mas não é necessariamente verdade. O fato de que sempre que você repetiu uma experiência, ela funcionou não é garantia de que ela vá funcionar da próxima. Mas isso é um axioma, que, no fundo, é a palavra que a ciência usa para dogma. A verdade é que a maioria dos cientistas simplesmente não está interessada em filosofia da ciência, mas, como o Marquinhos explicou, a ciência depende da filosofia para se validar. Filosofia e religião estão preocupadas em saber por que existe alguma coisa em vez de nada, enquanto a ciência parece mais interessada em explicar que existe alguma coisa em vez de nada.

Quando o Marcos fala que Deus existe, acho que isso é ponto pacífico. Existe um Universo que veio de nada e existe uma força que diferencia organismos vivos dos inertes. Um corpo morto tem as mesmas partículas que um corpo vivo, mas não está vivo. Alguma coisa o anima. E é uma força poderosa - cientistas costumam dizer que se há condições para a vida ela imediatamente aparece e que ela persiste sob as maiores adversidades. Inclusive a teoria de que bactérias marcianas teriam povoado a Terra é uma tentativa de explicar o surgimento precoce de vida no nosso planeta, já que o tempo que ela levou para aparecer foi muito mais curto do que o provável - o que reforça o fato de que a vida é uma força poderosa e persistente. Isso é "Deus", não um sujeito de barba branca que esculpiu Adão ou um super-Papai Noel que sabe quem foi bom ou mau e vai dar presentes ou não. A grande questão não é a existência dele, mas sua natureza: Deus é senciente? Tem consciência de Si mesmo? Um "não" a qualquer uma dessas perguntas significaria na prática a mesma coisa que se ele não existisse. Se a resposta a essas duas primeiras for "sim", continuam as dúvidas: ele tem ética? Tem um plano para a Criação? E, a que mais interessa às pessoas: ele tem um plano pra mim ou estou irremediavelmente preso neste segmento de tempo? Este é a única história que me cabe? Por que tenho que voltar ao pó? Por que estou preso a esta matéria em decadência se praticamente tudo que importa em minha vida - amor, sucesso, fama, liberdade, até mesmo dinheiro - é abstrato?

A base de todas as grandes religiões é tentar justamente negar sua individualidade e consciência para tentar "entrar em sintonia" com Deus (o Universo, a força vital, chame como você quiser), "presente em todas as coisas", "ele está no meio de nós", para tentar conhecê-la. Agora, imagine você conseguindo, o choque que seria um contacto com uma força ou entidade tão cósmica. Não por coincidência, todas as religiões têm advertências para a visão de Deus - A mãe de Baco que queima ao ver Zeus em toda sua glória, Moisés que só pode vislumbrar a sombra de Deus passando, ou a idéia hindu de que todos os deuses são as máscaras do único Deus, pois nenhum ser humano pode conseguir contemplá-lo face a face. E, depois, imagine os iluminados tentando descrever em palavras a experiência. Não é à toa que eles costumam ser incompreendidos e seus discípulos, sem entender a coisa direito, comecem a inventar histórias de milagres, ressurreições, lutas com demônios, ciclos de reencarnação e afins para vender mais fácil a idéia (associando Deus à figura paterna ou materna, o que basta para a maioria das pessoas). Basta uma olhada para verificar que a verdade nas grandes religiões é sempre parecida, adaptada para a cultura em que surgiu.

Existem diversos problemas filosóficos envolvendo a ciência que eu, que nunca li filosofia, não posso esclarecer a não ser de forma grosseira como no parágrafo acima, mas creio que o Sílvio poderá fazê-lo melhor. Existe o problema dos universais, o fato de que todas as ciências envolvem matemática - um construto abstrato, que a teoria dos conjuntos, base da lógica, contém erros estruturais (o conjunto de todos os conjuntos teria que conter a si mesmo e estar contido em si mesmo ou algo assim) e até o fato de que a nossa percepção de mundo é analógica. Mas já escrevi demais e digressionei demais.

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