fevereiro 18, 2010

Por Que os Kamikazes Usavam Capacetes?


Volta e meia alguém tentando um dito espirituoso solta essa. O que só mostra que não tem a menor ideia do assunto. Kamikazes eram armas valiosíssimas, não só por explodirem navios mais certeiramente do que bombas atiradas de aviões, como pelo fator de intimidação: sujeitos que não ligam a mínima se vivem ou morrem são aterradores para os povos ocidentais da sociedade de consumo. Viver cercado de bens materiais torna a perspectiva da morte muito mais aterradora do que para quem vive de comida e espiritualidade.

Mas deixemos a digressão e voltemos ao assunto: sendo kamikazes tão valiosos, os japas não iriam querer perdê-los por causa do shrapnel de uma flak. Para chegarem até seus alvos, os ventos-divinos tinham que atravessar coberturas de caças e artilharia antiaérea. Estilhaços e balas enchiam os céus e um que pegasse na cabeça era um piloto suicida E um avião (1) a menos. O fato de que o moleque na cabina não voltaria se desse tudo certo não queria dizer que ele era dispensável, muito pelo contrário. Os melhores ases nipônicos faziam de tudo para proteger aqueles garotos que tinham feito um juramento de honra. Afinal de contas, eram aqueles mísseis humanos que eram a arma.

O mais engraçado é que esse raciocínio "por que os kamikazes usavam capacete" demonstra justamente uma falta de respeito pela vida que os atemorizados americanos atribuíam aos seus adversários desesperados para evitar uma derrota. Aquela centelha dentro da cabine era valiosíssima e tinha que ser protegida a qualquer custo. Honrado e determinado, era um exemplo para seu país e incutia o horror nos corações ianques.

Uma ex-namorada teve certa vez um caso com um sujeito que tinha sido traficante, mas tinha largado tudo pra virar vendedor. Contava ela que certa vez elogiou-o por sua decisão de deixar aquela atividade perigosa, já que o dinheiro era farto, mas a vida, curta. E ele explicou para ela que, sim, era verdade, não se vivia muito no ramo, mas o resto da sua família saía da merda. Segundo ele, aquele clichê de filme policial americano do bandidão que não quer que o irmão mais novo entre pro ramo não é invenção de Hollywood.

E tive uma prima que confirmou a história: ela deu aula numa escola na Cidade de Deus e alguns marginais ficavam no muro do colégio com as armas em punho protegendo os parentes dos chefões e deles mesmos. Volta e meia um dos foras-da-lei aparecia trazendo um moleque que tinha sido pego cabulando aula e recomendando aos professores que ficassem de olho nele.

Ou seja, pra quem não tem nada não é tão impensável assim dar a vida por uma causa, ainda mais quando a causa é sua religião, seu país, ou mesmo, no mínimo, sua família. O materialismo da sociedade de consumo nos fez tão egoístas que, afora os filhos, temos dificuldade em pensar em dar a vida até mesmo por um parente. E heroicos rapazes tentando virar desesperadamente a maré da guerra com o sacrifício supremo viram objetos descartáveis pra jogar fora da maneira que der, uns monstros bobões indignos até de usar um reles capacete.

Que eles usariam, no mínimo, porque fazia parte do uniforme, e eles tinham direito à toda parafernália - últimas refeições, drinques, homenagens etc. etc., tudo que era homenagem antes de decolar.

(1) Normalmente o piloto é sempre muito mais valioso do que um avião. São precisos anos para se formar um deles, mais tempo para que ele ganhe experiência em combate - e sorte, pra não morrer antes. Nâo é qualquer um que pode guiar um avião e menos ainda os que conseguem ser grandes atiradores (hoje não tão necessário, mas coordenar tudo num jato moderno também é foda). Pra se ter uma ideia, 90% dos pilotos que participaram da Batalha da Inglaterra, o mais importante conflito aéreo da história, nunca derrubou um avião (ou acertou, infelizmente, estou sem a cifra aqui). Mas os EUA, com a guerra submarina e a estratégia de "pular carniça" nos atois, isolou tão bem o Japão que invalidou todas as suas conquistas no início da II Guerra, que visavam justamente assegurar o fornecimento de matéria-prima. A terra do sol nascente estava tão desesperada no final do confronto que aeroplanos e seus condutores eram todos igualmente valiosos - e ambos, muito!

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