agosto 25, 2010

Descontração





Super-Heróis no Cinema



Isso é onda velha. Tem um filme cujo lançamento foi planejado pra 2012 que na verdade já tinha sido filmado em 1952... pela mesma galera que fez a primeira versão de Caçadores da Arca Perdida na década de 50...

A Reação Começou!

Para o próximo PIRATAS DO CARIBE, a Disney está procurando mulheres SEM SILICONE NOS SEIOS. Pra evitar processos por toques indevidos, as candidatas vão ter que sacudir o torso na frente dos juízes e falta de balanço nos lugares certos irá desclassificá-las. O anúncio avisa que a atriz selecionada deve ter um corpo esguio, de dançarina, e com seios naturais: "Não se candidate se você tiver implantes".

Leia mais em http://www.nypost.com/p/news/national/real_booby_booty_hAZOnlKHK0z1CvDaDgkU8M

Yes!

agosto 14, 2010





Esperando o Ônibus na Av. Chile



Para saber amar
É preciso saber matar
É preciso saber destruir
Tudo que poderia ser
Tudo que não será

No calor da paixão ceifei
Todas as outras mulheres
As calmas, as tranquilas,
as amantíssimas, as carentes,
as choronas, as belas, as ajeitadas,
as rejeitadas, as apaixonadas,
as alegres, as infelizes,
Os casamentos, os amigamentos

E agora, hoje, permaneço aqui
Genocida solitário
Nesta terra estéril e desolada
Por onde a sombra dela uma vez passou
Lar é onde o coração está, já dizia o doador de órgãos.

agosto 12, 2010

Descontração





A História do Widescreen II - O Cinemascope parte 1

Agora que pra essa Copa que passou um monte de gente finalmente comprou sua tevê widescreen, está na hora de saber um pouco mais sobre os formatos panorâmicos, como e por que eles surgiram, e por que alguns deles ainda mostram na televisão as odiadas tarjas pretas:


Cartaz de propaganda de "O Manto Sagrado", com o tamanho e a curvatura da tela muuuuuito exagerados, bem como suas proporções. Alguns cinemas tinham uma leve curvatura para essas produções, como se podia ver no finado Metro Boavista.

Depois do fenomenal sucesso do Cinerama ("cinema" + "panorama"), os grandes estúdios começaram imediatamente a pensar em como entrar na onda da tela larga, com imagem preenchendo o campo de visão periférico e aumentando a imersão do espectador, tentando atrair de volta a metade de público que tinha deixado de ir aos cinemas desde que a televisão finalmente se tornara popular, no final dos anos 40.

A ideia por trás dessas telas panorâmicas (widescreen) era criar um efeito quase tridimensional. O Cinerama não só se estendia por todo o arco da visão humana como também tinha uma nitidez fenomenal por usar três negativos, cada um já usando 50% a mais de área por usar seis perfurações (1). No entanto, cheios de dívidas não só com a perda de público para a tevê como por terem que vender suas cadeias de cinemas devido a leis antitruste, os grandes estúdios não estavam a fim de modificar todo seu departamento técnico - e pagar royalties - para o Cinerama (mais tarde, a produção de "A Conquista do Oeste" mostraria a inviabilidade de se produzir fitas dramáticas para o sistema). Então começaram a olhar para o passado, quando foram feitas diversas experiências com formatos maiores, na época da transição para o cinema sonoro, abandonadas devido aos custos que trariam numa época de profunda depressão econômica.

Haviam sido feitas experiências com 70 mm e até com três câmeras, como no cinerama (na obra-prima de Abel Gance, "Napoleão", um dos melhores longas já feitos). Por causa disso, desde aquela época, final dos anos 20, um francês chamado Henri Chrétien tentava empurrar pralgum produtor sua lente que ele chamava de "anamorphoscope". Ela simplesmente distorcia a imagem, fazendo todo mundo ficar alto e magro - tudo ficava com o dobro da altura. Na hora de projetar, outra lente fazia o contrário - diminuía a altura de tudo pela metade, e o resultado era o preenchimento de uma tela duas vezes mais larga que o normal, usando-se um filme 35 mm padrão. Ta-daaaa! E assim, depois de um quarto de século tentando interessar alguém em seu sistema, o sr. Chrétien viu a Fox batendo à sua porta em 1953 pra comprar os direitos de sua invenção.


A lente anamórfica de Henri Chrétien. Todos os elementos são circulares, mas parecem ficar cada vez mais elípticos devido à compressão ótica.

Os filmes da época tinham o mesmo formato das velhas tevês de tubo, 1:1.33 (1,33 cm de altura pra cada centímetro de largura - multiplicando-se os dois números por 3, temos o famigerado 4 x 3). Com a lente "anamórfica" de Chrétien, passou-se a 1:2.66. No entanto, pra rivalizar com o som multicanal do cinerama, usou-se um sistema "surround" pra aumentar a imersão do espectador: um canal esquerdo, um canal direito, um canal central e um canal traseiro. Pra aumentar a qualidade do som, a Fox desenvolveu um sistema de som magnético, superior ao ótico, capaz de ser "impresso" no acetato, o que roubou um pouco de espaço lateral, levando a proporção a 1:2.55. Depois de uns poucos filmes no formato, os engenheiros de Hollywood, atendendo a reclamações de donos de cinemas que não queriam gastar mais grana ainda mudando a aparelhagem de som, conseguiram codificar estereofonia na trilha ótica, que passou a vir como opcional nas fitas, ao lado da trilha magnética, e tirou mais um naco dos quadros, levando à proporção impressa hoje em tantas capas de DVDs: 1:2.35 (3).



Acima, a imagem como capturada no filme e abaixo, descomprimida, como fica ao ser projetada. A distorção é semelhante à dos DVDs 16 x 9, que são "esticados" pelo chip da televisão. A diferença é que a compressão do cinemascope é maior e por isso fitas nesse sistema aparecem com barras pretas mesmo nas modernas tevês digitais - embora menores que nos velhos tubos de imagem 4 x 3

O primeiro filme em cinemascope foi um épico, "O Manto Sagrado", que teve sua filmagem paralisada para aguardar a lente, pois os executivos julgaram - acertadamente - que uma produção em larga escala, com cenários majestosos e cheios de extras, seria ideal para estrear a nova tecnologia.

Ao lado da câmera anamórfica, outra filmava "O Manto Sagrado" em 35 mm padrão, pois a Fox não sabia se sua aposta daria certo e também precisava pensar nos inúmeros cinemas que não tinham como aumentar seu espaço lateral de projeção, normalmente os de cidades menores, ou distantes do centro, ou menos badalados. Esse circuito "alternativo" daria início a uma prática de exibição que duraria até as salas de exibição geminadas começarem a tomar os irmãos do norte nos anos 70: as grandes produções estreavam em luxuosas casas de espetáculo, com número reduzido de sessões, muitas vezes com lugares marcados, em telas enormes e sistemas de som multicanal. Não era incomum uma fita ficar até um ano em cartaz nessa cadeia extremamente limitada antes de finalmente se transferir para salas menores, frequentemente com vários cortes, para aumentar a quantidade de exibições diárias, e depois seguir para os poeiras e cinemas de bairro, com mais cortes e em formato alterado para 1:1.33 ou, no máximo, 1:1.85 (2).

Com o sucesso de "O Manto Sagrado", a Fox encheu os cofres de dinheiro, mas nem todos os estúdios estavam interessados em pagar royalties pelo sistema para um concorrente, ainda mais naqueles tempos de vacas magras.

(1) O filme corre pelo projetor com uma engrenagem que encaixa em perfurações laterais e vai puxando-o. Normalmente cada quadro tem uma altura correspondente a quatro perfurações, mas alguns formatos exóticos usavam 5 ou 6 perfurações em cada quadro, para aumentar a área disponível - e a qualidade - de imagem.


As perfurações num filme - normalmente quatro. A imagem em quadro é a de um círculo, comprimida pela lente anamórfica

(2) Dessas cópias em pequeno formato é que eram tiradas as fitas em 16 mm que eram alugadas para exibições particulares ou usadas na transferência para televisão - que afinal usava a proporção 4 x 3. Essas transferências foram aproveitadas na maioria dos lançamentos em VHS, mas nos anos 90, com o aumento do tamanho e qualidade das tevês, e as novas tecnologias, como o laserdisc e posteriormente o DVD, suas deficiências tornaram-se gritantes e começou uma corrida dos departamentos de home video dos estúdios atrás das negligenciadas versões originais dessas grandes produções, buscando as cenas que foram cortadas e os belos negativos originais, muitas vezes em 65 ou 70 mm, vistavision ou super panavision, daí a onda de lançamentos de "restaurações" e "edições especiais" de filmes clássicos.

(3) Na verdade, originalmente o cinemascope usava um quadro maior do que o do filme normal. Em seu afã de tentar melhorar a imagem, avançou-se sobre as pequenas barras pretas que separavam um "frame" do outro: as imagens parecem "coladas" uma na outra, sem separação nenhuma.


A imagem em sépia no centro deste quadro de "o manto sagrado" mostra o tamanho que teria se filmado com o formato normal - note que o cinemascope era mais largo e MAIS ALTO que o velho 4 x 3. Veja também a diferença na composição da cena e a perda de majestade quando esses longas eram passados na tevê.

Essa busca de migalhas de área de imagem tinha um objetivo: o cinemascope não tinha a área 4,5 vezes maior do que o normal do cinerama, e surgiu na época em que apareceram novos negativos coloridos para substituir o de três fitas do technicolor (uma para cada cor!), ainda não muito bem desenvolvidos. Assim, quando o filme 35 mm era expandido para o dobro do tamanho, sua granulação ficava claramente visível, como se pode comprovar assistindo-se aos DVDs de "O Manto Sagrado" e, principalmente, sua continuação, "Demétrius e os gladiadores".

Como o cinerama usava três câmeras, com três painéis separados, cada um a seis perfurações por quadro, sua área de imagem era 4,5 vezes maior do que a de um negativo de 35 mm padrão, e por isso se prestava à exibição em telas de mais de 20 metros. O IMAX hoje em dia também usa câmeras com filmes em formatos enormes para obter sua inigualável qualidade (com a vantagem do aprimoramento digital).

Descontração





agosto 04, 2010


CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR, A PIADA É BOA PARA ANGLOPARLANTES.

Eu trocaria doze por quinze a vinte, mas isso aí é a cara de um monte de gente que conheço que acha um absurdo mp3 (na verdade tenho amigos que acha um absurdo termos abandonado o vinil), ebook (caramba, toda a minha biblioteca caberia no bolso), câmera digital (esta, na verdade, mesmo os mais empedernidos modernófobos acabaram se rendendo, mas a Suzy e o Glauber ainda restam)... e virtualmente todos esses sujeitos de meia-idade dizem isso claramente: no tempo deles, música, cinema, desenho animado, futebol, era tudo melhor...

Descontração





Plástico de Carro

Resolvi todos os problemas da minha vida: misturei Activia com Johnnie Walker. Estou cagando e andando.
(Repassado por Tardin do Twitter)

Plástico de Carro

Lar é onde o coração está, já dizia o doador de órgãos..

A Praia

De noite não fica muita gente. É hora de se arrumar e sentar num bar, é o que se espera num lugar de veraneio. Então ficam vários pescadores, depois das curvas das pedras, arrumando seus chicotes com linha transparente sob luz de lampiões, preparando seus anzóis feitos para serem pouco visíveis contra o fundo de areia. São poucos, mas anunciam suas presenças com pontos de luz e altas varas fincadas em estacadores. E nem reparam no território, os melhores têm que ter todos os sentidos voltados para o bambu - visão, audição, tato. Paladar e olfato eles guardam pra depois que o peixe sai. As praias esvaziadas são os territórios deles à noite.
O Marcos não tá pescando.
E chega perto dele a Rita.
- Oi.
O Marcos levanta o olhar da fogueirinha.
- Me dá um gole?
- Ainda nem abri.
- Eu abro.
A Rita pega a garrafa de cachaça, põe o gargalo entre os dentes e abre.
O Marcos, é claro, não espera que mulheres - e com menos de vinte - façam essas coisas despudoradamente por praias noturnas.
- Eu não esperava que mulheres - e com menos de vinte - fizessem essas coisas despudoradamente por praias noturnas.
(A Rita está dando um gole e engolindo).
- Quer dizer, já não é muito de se esperar que gostem de cachaça de estranhos...
- Horrível.
- Hã?
- "Cantinho da Roça"... que cachaça é essa?
- Eu não sei. Eu ia usar pra avivar a fogueira.
Abriu uma das malas com um conhaque, tirou a tampa e deu um gole.
- Só pra me esquentar.
- Por que você não comprou uma garrafa de álcool?
- Comprei num posto 24 horas. Nem vi se tinha álcool.
- Na bomba tinha.
- Com certeza.
Mais um gole.
- Pensei que você tivesse achado horrível.
- Estou com frio.
- Não quer conhaque?
- Não gosto de misturar.
- Você só deu um gole na cachaça.
- Dois.
- Pra quem tá bebendo tanto, você tá fazendo conta muito bem.
- Eu não bebo tanto assim.
- Quem abre garrafa com os dentes...
- Meu pai me ensinou. Eu abria Coca-Cola assim. E às vezes cerveja. Meu pai é que gosta de caipirinha. Mas ele bebe cachaça boa. Meu tio que faz. Ele daqui a pouco deve aparecer pra pescaria.
- Então aquele é o seu pai?
Ela senta perto dele.
- Quem você achou que fosse?
- Ninguém.
- Meu namorado?
- Ele não é grande e forte o suficiente pruma menina que abre cachaças com os dentes.
- Eu quase não bebo.
- Tá certo. Então você é só a selvagem da Diet Coke.
- Eu não gosto de Diet.
- Hm... é... é... claro que não... com esse corpo maravilhoso, pra quê essas preocupações?
- Meu corpo não é maravilhoso. Olha, eu tenho culote.
- Eu olho com uma perspectiva quinze anos além do seu tempo.
- Hã?
- Esquece, garota.
- Rita.
- Seu nome?
- É. Qual é o seu?
- Não sei se acredito que esse é o seu nome.
- Por que que eu ia mentir?
- Por que você diria a verdade?
- Eu não conheço você, pra que que eu ia precisar mentir?
- Ha. No começo é sempre assim. Nós não nos conhecemos. Então tudo que dizemos um pro outro é sempre verdade. Não temos como saber, não temos como descobrir. Depois o casal passa a se conhecer bem demais. Até pra saber que o outro está mentindo quando pensa que está contando a verdade.
- O que tem isso a ver com o meu nome?
- "A linguagem é um vírus do espaço exterior/Eu prefiro conhecer seu rosto do que seu nome".
- Mas você já sabe os meus dois e eu ainda nem conheço o seu nome.
- Prefira o meu rosto.
- Olha, eu acho que é melhor que você tenha um nome bem bonito.
- O que você acha um nome bonito?
- Um nome que seja gostoso de ouvir. Não precisa dizer o seu não.
- Ué, por quê?
- Porque se o seu fosse gostoso de ouvir, você ia gostar de falar.
- Aposto que você desconcerta todos os seus amigos...
- Eles já vieram quebrados de fábrica.
- Desconcertar não quer dizer quebrar. Quer dizer deixar sem reação.
- Tanto faz. Eu não tenho namorado por causa disso.
- Porque você os desconcerta?
- Não, porque eles já vieram quebrados de fábrica.
- E nunca teve?
- Claro que já.
- E esses não vieram quebrados de fábrica?
- Vieram. Mas vieram bonitos também. Carinhosos. Gostosos...
- E quantos foram?
- Menos do que suas namoradas.
- Eu posso ter casado cedo.
- Ela não ia te deixar aqui sózinho. Ou então vocês não se gostam e você tem um monte de namoradas mesmo assim.
- Eu não tenho um monte de namoradas.
- Claro, se não não ia estar aqui sozinho.
- Então por que perguntou?
- Porque eu não queria dizer quantos namorados eu tive.
- Você podia ter dito isso desde o começo.
- Aí você ia insistir.
- Não devem ter sido muitos, você também está sozinha aqui.
- Eu estou com o meu pai.
- E eu estou com a minha fogueira. Meu álcool. Minhas coisas por queimar.
- Que coisas por queimar?
- Umas coisas que eu nunca quis jogar fora, mas que não tem mais espaço pra elas nem na casa de praia.
- Você podia só jogar fora.
- Eu gosto de uma fogueira.
- Podia dar pra alguém.
- A quem interessaria revistas em quadrinhos velhas, cadernos de anotações, cartas, bilhetes e cartões postais antigos..?
- Aposto que as fotos você guardou...
- Guardei.
- Por que todo mundo sempre joga fora escrito e nunca joga fora foto?
- Não sei. Vai ver que é porque o espírito nunca envelhece então a gente não precisa olhar alguma coisa pra lembrar como era.
- Isso você quer dizer que escrito vem do espírito?
- É.
- Então, se espírito nunca envelhece, porque minhas redações quando eu era pequena eram tão bobinhas?
- Por que você ainda precisava aprender muito...
- E aprendendo você não envelhece?
- Não. Podemos ficar mais velhos, mas não mais sábios.
- Mas podemos ficar mais sábios sem ficarmos mais velhos?
- Nós nunca ficamos mais sábios, Rita.
- Eu sei. Eu não me sinto mais sábia.
- É que ainda não deu tempo pra você.
- Deu sim. Eu entendia melhor o mundo quando era criança.
- E o que você entendia dele?
- Entendia o que era bom e o que era mau.
- E o que era mau?
- Era o que era errado.
- E hoje em dia não é mais?
- Beber é errado. Eu sou má?
O Marcos ri.
- Temo profundamente que sim. Você deve destruir corações de garotos da sua idade...
- Eu não sabia que eles tinham coração.
- Eles têm. É que eles escondem.
- E por quê?
- Pra você não os destruir...
- Eu não me interesso por eles. Nem eles e nem os corações.
- Eu sei. Por isso que você os destrói.
- Mas eu realmente não me interesso.
- Pois imagine isso: um deus só existe se alguém acredita que ele exista. Um coração só resiste se alguém se interessa por ele.
- Não entendi.
- É como um daqueles enigmas zen: qual o som de uma árvore caindo no meio da floresta quando não há ninguém para ouvi-la?
- Bum.
- Como se pode saber se não há ninguém para ouvi-la?
- Então ela pode fazer bam. Bim. Bom.
- Sim, mas como dizer?
- Então é que nem a luz da geladeira?
- É. É que nem a luz da geladeira.
- E o que tem isso a ver com corações de meninos?
- Boa pergunta.
Silêncio.
- É que eles não batem se não batem por ninguém.
- E por quem o seu bate?
- Você falou que não queria me perguntar isso...
- Eu não queria perguntar, mas queria saber.
- Eu não tenho coração.
- Se não tivesse, não conversava comigo tanto tempo. Não me dava álcool. Não vinha a uma praia e acendia uma fogueira.
- Praias fazem frio.
- Em casa é quentinho.
- Nem sempre.
- Lá em casa é. Meus pais me dão apoio pra tudo.
- Há muito tempo que não moro com meus pais.
- Você devia dar apoio pra tudo pros teus filhos.
- Eu não tenho filhos.
- Então você devia dar apoio pra tudo pros teus cachorros.
- Eu não tenho cachorro.
- Gatos?
- Não.
- Peixes?
- Pra quem veio com o pai ferrar alguns, essa é uma pergunta estranha.
- Nada, quem se ferra mais é o meu pai, sempre pega menos do que disse que ia pegar.
- A Natureza é sábia. Assim, nossos filhos ainda terão peixes para pescar.
- Você não tem filhos.
- Posso ter ainda.
- Então por que não teve ainda?
- Não sei. Por que você não teve ainda?
- Ainda estou em fase de crescimento. Meu útero ainda não está cem por cento.
- Deus tenha piedade dos rapazes quando ele chegar nessa percentagem.
- Você fala como se não fosse um rapaz.
- Sou um homem.
- Desde quando?
- Desde que comecei a fogueira.
- E quando ela apagar?
- Você já vai ter ido pra casa.
- Não. A gente tá numa pousada.
- E você não se sente em casa nela, quando volta do dia pescando ou rodando as praias ou paquerando ou dançando?
- Não.
- Onde você se sente em casa?
- Aqui.
- Não tem nada te cercando aqui.
- Então...
- Mas você falou que sua casa é quentinha.
- Aqui é quentinho. Tem até fogueira.
- Ainda não acendi.
- Mas tem a fogueira: o álcool, a madeira, o jornal. Só falta o fogo.
- O fogo é que faz o calor.
- Pensei que era o coração.
- E o que você acha que é o coração da fogueira?
- Quem põe fogo.
Silêncio. Gole de cachaça. Gole de conhaque.
A garota pega uma das histórias em quadrinhos.
- Me dá?
- Você gosta de história em quadrinhos?
- Passo a gostar.
- Por que que eu a daria pra alguém que nem conhece quadrinhos?
- Porque você gosta de mim.
- Eu mal a conheço, como posso gostar de você?
- Porque eu sou bonita.
- A beleza está nos olhos de quem vê.
- Os meus são claros.
- Você é toda clara e luminosa.
- Então você gosta de mim.
- Passo a gostar.
- Hi. Que nem eu com os quadrinhos.
- Ou com a cachaça.
- Ainda não passei a gostar dela.
- Então por que continua bebendo?
- Porque você não me oferece o conhaque.
- É melhor você não misturar.
- Eu sempre preferi tudo misturado. Me dá os quadrinhos?
- Por que você os quer tanto?
- Eles vão pegar fogo.
- E você se identifica com isso?
- Hã?
- Você também está prestes a pegar fogo?
- Eu não, ninguém tá me jogando fora. Posso ficar com os quadrinhos?
- Eu... não sei.
- Você não vai começar a fogueira?
- Pois é. Eu não sei.
- Por quê?
- Eu estou com medo.
- Dela fugir ao controle?
- Eu nunca tive nenhum controle sobre o fogo.
- Então por quê?
- Porque eu tenho medo de queimar essas coisas e não sentir nenhuma falta delas.
- Você não quer dizer "sentir muita falta delas"?
- Não.
- Não entendi.
- Você não tem anos o suficiente nas coxas...
- Coxas?
- Desculpe, ato falho. Eu queria dizer costas.
- O que é ato falho?
- É eu não ter falado de suas coxas antes.
- Ah, tá.
- Você não tem anos suficientes nas costas para entender o que é o medo de não perder nada. Você é muito nova. Qualquer coisa que perder é tudo para você.
- Eu sempre me perco no centro da cidade.
- Você parece safa demais para isso.
- É que tem ruas demais. Por isso que eu gosto de praias.
- Eu também gosto delas. Planas. Limpas. Com um horizonte vasto e vazio como velhas lembranças.
- As suas são vastas e vazias?
- É o que tenho medo de descobrir. Carreguei essas coisas comigo tanto tempo que agora tenho medo de conseguir me livrar do meu passado.
- Não entendi direito, mas tenho a impressão de que deveria ser o contrário.
- Tudo sempre deveria ser ao contrário.
- Você queria ser mulher?
- Não.
- Por quê?
- Você não teria vindo conversar.
- Eu não vim conversar, eu vim beber.
- É a mesma coisa.
- Bem que eu sempre desconfiei.
- Difícil acreditar, você é tão confiante.
- Eu confio em você.
- Seu pai não aconselharia.
- Ele tá pescando, ó lá, chegou meu tio.
- Se ele está pescando, não era um peixe que deveria ter chegado?
- Peixe não traz cerveja.
- Nem eu.
- É. Você traz cachaça pra tacar fogo e não taca fogo.
- Você a está bebendo.
- É que eu quero os quadrinhos.
- Pode ficar com eles.
- Oba.
- Vai lê-los com cuidado?
- Não, vou tacar fogo neles.
- Isso eu posso fazer.
- Ler também.
- Mas não me encantar mais.
- Eles são encantadores?
- Quando você os vê pela primeira vez.
- Que nem eu?
- Exatamente como você.
- E você acha que eu perderia o encanto?
Marcos pára e sorri.
Uma pequena pausa.
- Nunca.
- Eu sou melhor que os quadrinhos?
- Infinitamente. Você respira, vive e abre garrafas com os dentes. Você dança e rodopia. Você fala. Você muda. Como todas as pessoas.
- Você muda?
- Mudo.
- Então por que está com medo de não sentir falta do seu passado?
- Porque eu preferia não mudar nunca. Eu preferia ser como o Spirit.
- Quem é o Spirit?
- É um dos gibis que eu estou lhe dando.
- E o que que tem ele?
- É um personagem fantástico, uma tremenda criação do Will Eisner. Ele tem um ajudante negro, o Ebony, e um policial que o ajuda, o comissário Dolan. Ele está para o Spirit como o comissário Gordon para o Batman e o coronel Cintra para o Mickey.
- E a Minnie?
- A Minnie dele é a Ellen Dolan, filha do comissário Dolan.
- Ah, legal, é prático.
- É. E ele nunca mudou. Desde que o Will Eisner o criou, nos anos 40. Mesmo depois que ele parou de ser publicado, no começo dos anos 50. Nem quando ele mergulhou na obscuridade, nem quando ele foi esquecido. E nem quando foi redescoberto. Nos anos 60 os quadrinhos começaram a ser levados a sério como arte. E no começo dos anos 70 redescobriram o Spirit. Os estudiosos ficaram chocados - era uma historinha muitos anos à frente de seu tempo! E foram entrevistar o Will Eisner. Ele era a cara do comissário Dolan. E perguntaram a ele, "o comissário Dolan é parecidíssimo com você. É porque você se identifica com ele?". E o Will Eisner respondeu, "vocês não entendem? Quando eu criei o Spirit, era ele quem era parecido comigo. Eu criei o Spirit à minha imagem e semelhança, não o Dolan. Não o Dolan".
- E você parece com quem?
- Com o Tintin.
- Quem?
- Você vai descobrir se ler.
- Posso demorar. Aí você já vai estar parecendo o Haddock.
- Você mentiu!
- Não. Não menti.
- É verdade. Não mentiu.
- Eu não conheço você... pra que que eu ia mentir.
- Você já disse isso hoje.
- É que essa fogueira não começa.
- Você vai parar de beber a cachaça?
- Estou esperando o conhaque.
- Mas...
- Vamos misturar tudo.
O Marcos assente, lentamente.
E passa a garrafa pra ela.
Ela passa a cachaça pra ele.
Ele molha solenemente os trastes ajuntados antes de dar um longo gole na bebida ruim.
Rita prova o conhaque e faz uma cara horrível.
Marcos joga o resto da cachaça sobre as coisas e pega o fósforo.
O vento apaga o primeiro e o segundo antes que eles cheguem nos jornais molhados que ele arrumou para iniciar o fogo.
- Tá difícil?
- Eu tenho uma caixa inteira.
- Hm.
Ele tenta uma terceira e uma quarta vez.
- É o vento - ele se explica para ela.
- Pensava que o vento avivasse fogo.
- Não quando ele ainda não nasceu.
E um quinto. E um sexto.
Marcos desiste de tentar atirar o fósforo de uma distância segura e leva o sétimo protegido por uma mão em concha até bem próximo dos jornais enrolados.
- Não tem medo de se queimar?
- Tem muita água aqui. E areia.
O fogo irrompe de repente. Ele se afasta.
- Água mudando e batendo, mudando por sua vez a areia, carregada também pelo ar, pelo vento. E o fogo. Me dá um gole do conhaque. Vamos comemorar que juntamos os quatro elementos.
- Não são cinco?
- Cinco?
- É.
- São quatro.
- Cinco. Você não viu "O Quinto Elemento"?
Marcos observa a morena de olhos verdes que abre garrafas com os dentes e sabe-se lá o quê poderia fazer com as unhas.
E pensa no filme, no simpático filme de Luc Besson.
Enquanto Rita levanta a mão num sugestivo aceno para ele.
E ele pensa que muito, muito pior do que não sentir falta do passado é não sentir falta do futuro.

Descontração