No começo de O ANO EM QUE VIVEMOS PERIGOSAMENTE, o personagem de Mel Gibson, enviado à Indonésia como correspodente estrangeiro narra ao seu contratante algumas notícias genéricas da região, obtendo como resposta um “pra isso não precisamos de um correspondente”. Depois ele se enturma com um anão que consegue pra ele umas entrevistas exclusivas e a Sigourney Weaver (não pergunte). Infelizmente a maioria dos correspondentes costuma mesmo é cumprir aquele papel genérico, ou então fazer longas reportagens em que vai vestido de camisa da seleção brasileira ouvir tristes histórias de guerra na companhia de um cinegrafista. O que é uma pena, porque não se pode confiar em tudo que as agências de notícias divulgam. Num exemplo pessoal, o blogueiro sempre acreditou que em 1989, quando os americanos derrubaram Noriega, realmente só atravessaram a rua, sem ter que exibir grandes demonstrações de poder. Alguns anos depois, ouviu uma casual referência de um amigo cineasta do Panamá, em visita ao Brasil e à sua casa, onde desde os anos 80 se hospeda confortavel e amplamente, sobre o bombardeio aéreo em que se calcula que houve 3.000 CIVIS mortos. Casual porque ele nem imaginava que jamais tivéssemos ouvido falar. Só então é que o blogueiro e seus chocados amigos descobriram que a história não era bem como os jornais contavam. E o pior é que não teria precisado muito pros órgãos de imprensa desencavarem a verdade, só um sujeito caminhando pela Zona do Canal teria visto o acontecido. E não seria preciso nem ao menos uma atriz baixinha fantasiada como verticalmente prejudicada dar uma mãozinha. Mas eles preferiram se ater às agências de notícias.
Antigamente as matérias montadas a partir de textos de agências de notícias tinham a citação da fonte. Qualquer jornal até os anos 80 começava seus artigos com parênteses com verdadeiras sopas de letrinhas - API, UP, UPI, FBI, CIA, SHIELD, UNCLE, CONTROL, o que mais viesse. Com o tempo os jornais presumiram que as pessoas saberiam que, quando não especificado que o texto era de um correspondente estrangeiro, viria de um construto com os despachos de telex (o povo com menos de 30 pode checar na wikipedia). Ou que simplesmente ninguém tinha ideia mesmo do que fosse aquele monte de acrônimos, então não faria diferença mesmo.
Hoje em dia qualquer pessoa pode ter acesso à sua própria pleiade de agências de notícias - basta a internet. Com a wikipedia sendo atualizada em tempo real, não há mais necessidade de meia dúzia de enciclopédias, livros de referências E AINDA o bom e velho Almanaque Abril. A informação se tornou tão facilmente disponível pra qualquer um que grandes órgãos de imprensa têm funcionários especializados em checar se nenhuma matéria teve como fonte a wikipedia - é sério.
Mas a importância da fonte no tipo de jornalismo de hoje em dia afinal faz tanta diferença assim? Desde os anos 80, quando a tevê enfim tornou-se onipresente no Brasil que a imprensa escrita vem deixando de ser meramente descritiva para se tornar mais analítica e opinativa, o tipo de trabalho que pode ser desfrutado melhor lido numa folha de papel do que numa tela de computador ou ouvido num telejornal. Mais profundidade, mais contexto e mais pesquisa. Se o correspondente estrangeiro não está lá, uma boa e longa pesquisa na internet pode ajudar o articulista a formar seu ponto de vista.
O problema é quando ele importa tudo de uma vez.
Por exemplo, considera esta coluna de Pedro Dória, publicada na seção Digital e Mídia no Globo no dia 9. O autor pondera que, ao contrário do que aconteceu na Primavera Árabe, não foi através do Twitter e do Facebook que a palavra de ordem dos distúrbios em Londres se propagou, mas sim com o BBM, o sistema de comunicação gratuito do Blackberry, um celular esperto que vem escorregando cada vez mais pra baixo nas vendas relativas aos mais parrudos iPhones e Android. Texto e conclusões maneiras e interessantes. Tudo muito bem pensado.
O problema é que um dos mais importantes saites sobre tecnologia nerd publicou uma matéria seguindo quase ponto por ponto a mesma argumentação. O blogueiro costuma tirar muito do que escreve no que lê na internet, mas a semelhança dos dois textos é muito grande pra dizer que se trata de uma elaboração. É difícil imaginar que Pedro Dória, excelente jornalista, tivesse más intenções, já que o Tech Crunch é leitura obrigatória pra qualquer um interessado em assuntos informatas e dificilmente algum plágio passaria desapercebido, mas teria sido de muito bom tom menção à fonte - a própria postagem dá crédito a quem acredita ter sido o primeiro sujeito a fazer a ilação - dada a parecença das elaborações. E, por falar em elaborações, havia várias que poderiam ter sido melhor desenvolvidas por um articulista com tanto conhecimento do assunto:
- Blackberries são grandes, pesados, feios, fraquíssimas plataformas de jogos, sem muito suporte a música e vídeo. Enfim, tudo que um jovem não gosta, sendo sua única vantagem a de serem baratos. Serem populares no Brasil, um país de terceiro mundo, faz sentido, mas na rica Inglaterra? Será isso sinal de empobrecimento da garotada? Por isso tantos saques?
- A grande atração do Blackberry não é, segundo a coluna, nem ser mais barato o aparelho, mas a rede de comunicações independente da internet, o BBM, Blackberry Messenger. Mas a crença geral diz que as tarifas de internet móvel no Brasil são caríssimas por causa de seus exagerados impostos, sendo muito mais baratas no resto do mundo, onde o governo é bem mais camarada em suas taxações. Será que isso não é tão verdade assim? (1)
- O prefeito de Londres anunciou no ano passado que até a Olimpíada de 2012 Londres estaria completamente coberta por uma rede wi-fi gratuita. Um ano depois a obra já deveria estar bem avançada, tirando boa parte da vantagem do sistema de comunicação gratuita do Blackberry. Será que a obra está atrasada? Afinal, esses ingleses são os mesmos reclamando que o cronograma brasileiro para a Copa está atrasado, segundo alguns paranoicos tupiniquins com malignas intenções de levar o evento pros bretões antes do previsto...
- Ou então o fato de ser barato não tem nada a ver com a preferência pelo Blackberry e a garotada aprecia mesmo a privacidade e segurança. Estaria a juventude tão mobilizada assim já antes dos distúrbios?
- Ou então os garotos ingleses não gostam de ouvir MP3, jogar games e ver vídeos no celular devido a sua extensa educação e avantajado QI. E o futuro do mundo é a anarquia, dados os seus feitos.
Infelizmente o artigo não desenvolve além do já apontado no Tech Crunch. Existe, é claro, a possibilidade de que Pedro Dória seja amigo pessoal de Mike Butcher, o autor da postagem estrangeira e tenham trocado umas ideias, hipótese bastante plausível dada a grande bagagem de PD no assunto. Mesmo assim não custaria nada uma referência àquele sujeito que deu a primeira pista para a história. Afinal de contas, para reproduzir as conclusões de um dos saites de tecnologia mais famosos do mundo, não precisamos de um colunista. Aqueles amigos de Facebook que acham que reproduzir as manchetes de jornal e fazer comentários irônicos indignados é cumprir o seu papel de cidadão já fazem algo parecido. Chamem o anão!
agosto 12, 2011
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