Um amigo meu me mandou uma lista americana com os 50 melhores finais de filmes de todos os tempos. Obviamente só tem filme americano e de preferência, dos anos 70 pra cá. Você sabe, aqueles coloridos que ainda passam na tevê. Como bom pseudo-intelectual, não resisti e comecei a lembrar de alguns de meus finais de filme favoritos. Só alguns pra começar. Depois eu vou lembrar de outros. Mas é que realmente uma lista dessas com dois (dois!) filmes do chatíssimo Paul Thomas Anderson e com Clube da Luta na posição 2 é de irritar. Pô, os caras são pagos pra ver filme e nem a isso se dão ao trabalho!!!! Ó a minha lista aí:
Céu & Inferno
O condenado à morte, capturado após longa e tortuosa investigação, pede e consegue que Toshiro Mifune, o homem que ele arruinou financeiramente, o visite na prisão. Sorrindo elegante e desafiadoramente, o criminoso senta-se lentamente e explica, "pedi para que você viesse para ver como não vou chorar"... e imediatamente soluça e começa a chorar! Após descontroladamente explicar como observar de seu barraco a casa de Mifune no alto do morro era ver o céu e sentir-se no inferno, ele perde completamente qualquer equilíbrio emocional e é carregado para fora soltando um berro inumano e desesperado, sob o olhar do ex-magnata, salvo espiritualmente pelas maquinações do preso, fisica e espiritualmente preso para sempre no Hades. Emocionante fecho de ouro para talvez o melhor filme policial de todos os tempos.
Deus e o Diabo na Terra do Sol
A profecia de Antônio Conselheiro de que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão ganha tons ainda mais apocalípticos na dramática trilha sonora de Sérgio Ricardo, enquanto o casal corre desesperado pelo árido agreste. A corrida dura minutos, sem uma visão de fios elétricos, estradas, casas e carros. A paisagem poderia ser a mesma de dezenas de milhares de anos atrás e explicita toda a tragédia nordestina. No que conta a lenda ter sido um lance de sorte, Yoná Magalhães tropeça e Geraldo del Rey continua fugindo cada vez mais indistinto contra o inclemente cenário, porque não havia mais filme para outra tomada, transmitindo, mesmo que por puro acaso, todo o temor das gentes subdesenvolvidas.
Os Cafajestes
Após armações e golpes que acabaram por revelar uma face humana e partir o coração de seu parceiro, Jece Valadão finalmente consegue o carro que almejava desde o começo da fita, apenas para ele enguiçar numa estrada deserta e obrigá-lo a uma longa caminhada (em um take só) rumo a lugar nenhum, tendo como pano de fundo a narração do Repórter Esso, contando todos os conflitos localizados oriundos da Guerra Fria. Cinismo, frustração, revolução sexual, guerra, tédio... os anos 60 estavam começando, inclusive no Brasil.
X - O Homem com Olhos de Raios-X
Uma obra-prima B do rei dos Bs, Roger Corman. Ray Milland cria um supercolírio e sua visão não fica só boa. Logo ele começa a ver através da matéria (inclusive vendo jovens nuas numa festa, excelente metáfora visual) e a ser perseguido pela polícia. Aos poucos vai perdendo seu contacto com a humanidade - quando todas as pessoas são apenas caveiras sem expressão, como diferenciá-las ou se importar com elas? - e a enxergar além das formas, como um Mondrian radical, capaz de olhar diretamente para a essência das coisas e a alma das pessoas. Desesperado, incapaz de lidar com a nudez da verdade e assoberbado por suas visões do cerne do universo, ele entra numa igreja durante uma citação da Bíblia - "se teus olhos te ofendem, arranca os teus olhos". Adivinhem o que ele faz. E, enquanto os créditos sobem sobre a imagem congelada de suas órbitas vazias e ensanguentadas, ainda ouvimos seu último urro de agonia - "But I can still see!"
Um Estranho no Ninho
Tá, tudo bem, é piegas, é óbvio, mas funciona que é uma maravilha, sem contar a elegância visual da quase indistinta silhueta do índio desaparecendo no horizonte noturno. Quando eu tinha quinze anos achava o melhor filme que já tinha visto, disparado. Melhor a morte e a permanência da lembrança como o rebelde indomável do que uma vida lobotomizado. O sistema pode destruir sua vontade, mas sempre se consegue alguma vitória. E a chama permanece. Só os Simpsons já citaram esse final duas vezes. Vai entender porque esta fita americana, óbvia e popular ficou de fora da lista dos manés ianques.
O Homem que Queria Ser Rei
Quando este filme passou em 1976 fez sucesso. Tem Sean Connery e Michael Caine numa idade em que podiam ainda pegar qualquer mulher sem parecer velhos tarados ou precisar de muita maquiagem e John Huston dirigindo, fora um monte de aventuras e exotismo. Vai saber porque desapareceu do Brasil, nunca tendo sido lançado em DVD. Mas o que interessa é o final. Após um quase irreconhecível e encarquilhado Michael Caine contar toda a história do homem que queria ser rei (explicando inclusive como em apenas dois anos ficou quase irreconhecível e encarquilhado) para Rudyard Kipling, ele deixa uma bolsa na mesa do escritor e sai. Kipling abre o embrulho e recua apavorado. Vemos, num close à época chocante, a apodrecida cabeça cortada de Sean Connery ainda exibindo a coroa que tanto perseguiu. Música e créditos subindo sobre a imagem. Imagem, aliás, que nos remete a
Barton Fink
Sim, também tem filme dos irmãos Coen nesta lista. Barton Fink é um escritor pretensioso e vazio, sem nada para dizer com toda sua técnica e teoria, um pouco invejoso de toda a vida que seu vizinho de quarto, um reles caixeiro-viajante, exibe em suas conversas e emoções. Após várias reviravoltas, ele se vê na praia, olhando para uma bela moça numa cena exatamente igual à do calendário que tanto o obcecava em seus aposentos, e começa a conversar com ela ainda carregando a cabeça de sua ex-amante decapitada pelo caixeiro-viajante. É isso aí, garotinho arrogante, o mundo real e a vida parecem exatamente aqueles melodramas que você tanto desprezava.
Monsieur Verdoux
Podia ser o amargo final de Tempos Modernos, mas nada bate em coeficiente de estupefação esta fita que diz a lenda ter sido roubada de uma conversa com Orson Welles. Depois de quase trinta anos como o gentil vagabundo que o Universo inteiro aprendeu a amar e adotou como símbolo romântico de gentileza, Chaplin abre o filme queimando no incinerador de folhas o cadáver da velhinha com quem casara, enquanto cantarola e pinta um quadro no jardim. O longa ainda vai mostrá-lo procurando o veneno perfeito, atraindo uma atraente jovem sem-teto para ser sua cobaia e assassinando outras idosas senhoras que seduziu para roubar suas economias e salvar seus investimentos na bolsa. Certo, ele precisa da grana para tratar sua amorosa esposa doente, acaba poupando a garota pobre e as coroas são todas insuportáveis - a única gente boa escapa inocentemente de todas as armadilhas do moderno barba-azul. Depois de perder tudo e ser capturado, ele é condenado à morte (mesmo com um discurso comparando seus feitos com as guerras) e, prestes a ser levado à forca, lhe é oferecida uma dose de conhaque. "Conhaque? Nunca experimentei conhaque". Vira o copo, elogia a bebida e é levado rumo ao seu destino. Caramba, que fim levaram O Garoto (1), a florista cega, a órfã pobre, a cantora de cabaré romântica e a bela judia?
A Morte num Beijo
Mulheres fatais, policiais que querem tirá-lo do caso, uma secretária gostosa que o ama e uma caixa com conteúdo misterioso com um monte de gente procurando-a. Mais uma história de detetive clássica, certo? Errado, claro. Os policiais é que estão certos, a secretária gostosa é prostituída pelo "herói" (seduzindo repugnantes homens casados para prover flagrantes de adultério para suas clientes em busca de divórcio), a mulher fatal engana e baleia o private eye mané e finalmente abre a caixa apenas para descobrir... o fim do mundo. A era nuclear literalizou a caixa de Pandora e Robert Aldrich manda Mike Hammer, o mito do investigador particular e o próprio planeta pras cucuias no final deste cultuado, raro (até a recente restauração) e inesquecível longa.
Dragões da Violência
Barbara Stanwyck é a mulher que janta à cabeceira de uma mesa com 40 capangas neste western de Samuel Fuller, o genial diretor que escrevia como um talentosíssimo garoto de 13 anos. Nesta fita ele faz talvez o primeiro close extremo nos olhos do pistoleiro, a tomada que faria a fama de Sergio Leone. A cena, aliás, é ótima, com seu xerife durão simplesmente caminhando até o bandido tão decidido que o deixa sem ação e ele o derruba com uma coronhada. Barbara comanda a cidade com mão-de-ferro por causa de um incidente envolvendo uma cobra e uma tentativa de estupro na sua adolescência (o lado treze-anos de Fuller), mas se apaixona pelo másculo delegado federal, o que deixa seu irmão mais novo furioso e o leva a matar o irmão mais novo do mocinho. No final o moleque malvado emprega o clássico recurso dos vilões e usa Stanwyck como escudo humano no confronto com o herói apaixonado. O garoto só não sabe que o protagonista é um precursor do faroeste espaguete e que não hesita em atirar através de sua amada, para em seguida descarregar a arma em seu inimigo.
Fuller queria terminar o filme aí, mas Darryl F. Zanuck, o produtor, bateu um papo com ele, "Sam, você já provou seu argumento, deixa o público feliz, faz ela sobreviver ao tiro e ficar com ele" e o diretor aceitou, mas vendo o produto final, acabou arrependendo-se, achando o final artificial e falso. Mas antes que falem do mal que os produtores fazem, Fuller sempre fez questão de afirmar que seguiu o conselho porque tudo que Zanuck lhe propusera antes sempre funcionara. Aliás, Howard Hawks sempre disse que acatava as sugestões do grande Darryl F. porque elas invariavelmente melhoravam as fitas.
Johnny Guitar
Joãozinho Violão é apaixonado por Joan Crawford, por quem Dancin' Kid é caidinho, que por sua vez dá o maior tesão em Mercedes McCambridge, que também é atraída pela Joan e reprime tudo, causando linchamentos e uma turba disposta a matar todo mundo. Só que no tiroteio final entre Violão & Garoto Dançarino contra McCambridge & a patrulha dos ensandecidos, Joan chama Mercedes pra acertar tudo... e ela vai! E o líder da multidão enfurecida, Ward Bond, o amigo de John Wayne, detém os outros dizendo "deixe... sempre foi tudo entre elas mesmo". E assim a choldra linchadora e Joãozinho Violão ficam só olhando enquanto as duas mulé resolvem tudo na bala no duelo final. Esquisitice dos anos 50 é isso aí.
O Falcão Maltês (antes de ser relançado em DVD era conhecido nestas plagas como Relíquia Macabra) Bogart atinge finalmente o merecido estrelato avisando à mulher com quem (diz ele que) rola uma paixão que tem que mandá-la pra cadeia por ter matado o amigo dele, mesmo não gostando do amigo dele, mesmo sabendo que o amigo era idiota e corno (até porque era ele quem comia a mulher do amigo), porque "se um detetive morre e seu assassino não é pego é mau para os negócios, é mau para todos os detetives", mas continua explicando que talvez ela não pegue a forca, só alguns anos, e ele vai esperar ela sair. Dava pra fazer finais assim em 1940? Jura?
Um Corpo que Cai
Kim Novak revela tudo a James Stewart... e cai igualzinho à mulher que personificara? Um dos finais mais estudados e manjados da história do cinema e ficou de fora da lista? Esses caras realmente assistem a filmes?
2001 Uma Odisséia no Espaço
Pô, gente, vocês tão brincando? Eu tinha 9 anos quando vi esse filme no primeiro relançamento (antes do VHS as fitas de sucesso eram relançadas a cada 5 anos, quando, por lei, precisavam destruir todas as cópias no país e fazer novas ou desistir das reapresentações). E sabem por quê? Porque um amigo meu foi ver e contou que depois de uma "barra" misteriosa e de um computador assassino, o final tinha um feto em órbita (e a gente nem sabia o nome, mas ainda tocava Assim Falou Zaratustra (2) ao fundo). E tem mais, adorei a maluquice toda e vi três vezes enquanto ficou em cartaz no Scala (ou no Coral, nunca soube qual era qual).
Orfeu de Cocteau
A Morte e Heurtebise aguardam nas ruínas enquanto seus carrascos estão vindo para puni-los por terem ajudado os mortais por quem haviam se apaixonado. Quando a Ceifadora em pessoa diz que seu castigo será terrível, ainda pior do que a morte, dá pra acreditar mesmo. Melhor nem ficar pensando muito nisso...
Zardoz
A primeira vez que vi esse filme foi num Classe A, sexta-feira à meia-noite, com aula no sábado de manhã e 15 anos. E a Globo não cortou nenhum dos 433 peitinhos que aparecem, o que me fez ficar acordado ainda depois do fim da fita. Meia dúzia de cortes mostrando, em oposição à profana imortalidade dos moradores do Vórtex, o desenrolar normal de uma vida: homem e mulher, homem e mulher tendo filho, homem e mulher criando filho, filho deixando homem e mulher, homem e mulher envelhecendo juntos e morrendo, deixando para trás apenas o revólver (falo?) enferrujado do homem e a marca de uma mão na caverna - como diz Boorman, o diretor, no comentário, a primeira assinatura, a primeira marca individual deixada propositadamente por alguém para a eternidade.
As Vinhas da Ira
"Talvez seja como Casey diz. Um vivente não tem uma alma própria, mas um pedaço de uma grande alma maior que pertence a todo mundo. Então não faz diferença. Eu vou estar em algum lugar na noite. Vou estar em todo lugar. Onde tiver uma briga pra que gente com fome possa comer, eu vou estar. Onde tiver um guarda batendo num cara de paz, eu vou estar. Eu vou estar onde os caras gritam quando estão com raiva e vou estar onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto... e quando nossa gente puder comer aquilo que ara e morar nas casas que constrói, vou estar lá também" (E Henry Fonda se vai sob os olhos de sua mãe chorando).
Alguém tem alguma desconfiança de por que este filme não arrumou lugar na lista?
Só o Tempo Dirá:
Os Imorais
Mãe tenta convencer o próprio filho a lhe dar dinheiro seduzindo-o pra que ele dê vazão à paixão incestuosa que tem desde que era a criança de uma adolescente. Mas é apenas um truque. Na verdade, ela o mata pra fugir com a grana.
Oldboy
Mais incesto, dessa vez entre pai e filha (entre os irmãos foi antes). Ao confrontar o vilão que o manteve preso quinze anos num quarto e o manipulou através de diversas bizarras aventuras, Oh acaba arrancando a língua pra que seu adversário não revele ao grande amor daquele que eles são pai e filha. Mas isso não é tudo. Depois Oh procura uma hipnotizadora pra esquecer que a molequinha que ele descabaçou é sua prole e ficar tudo bem. Esta é a era da desumanização, com todo mundo fugindo das responsabilidades (e da maturidade). Num mundo assim, você só pode confiar na sua família. Até mesmo pruma trepadinha.
Sangue Negro
O capitalismo destrói a religião e não tem nada pra botar no lugar. Manero. E pensar que xinguei os caras da lista americana pra burro por botarem dois (DOIS!!!!) filmes do chatíssimo Paul Thomas Anderson na lista.
julho 06, 2008
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2 comentários:
não entendi o "talvez" no céu e inferno
Existe uma ínfima possibilidade de que alguém tenha feito um filme policial melhor que eu não tenha visto.
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