dezembro 27, 2008

Maranhão (começo)

Dançando muito a quantidade de álcool não fazia muito efeito. É um velho truque índio, que a maioria desconhece porque homens que bebem muito não costumam gostar de dançar. A Cláudia tentava me explicar que o que estavam tocando era nau catrineta, que o Zeca Baleiro tinha popularizado no país todo, mas eu quase não conseguia prestar atenção, era a primeira vez desde que ela tinha ido me buscar no aeroporto que saíamos sós. Sim, algumas amigas tinham vindo com ela, além da Inês, a irmã, mas não o namorado, e bastava isso, bastava ele não estar ali ao lado dela que o resto do mundo poderia estar ao nosso redor e ainda assim eu estaria sozinho com ela, a sobrinha do jovem, talentoso e falecido artista de mamulengos, a pesquisadora, a moça de 23 anos que me mostrara as fotos de seu ex-namorada e grande paixão da vida, seu distante e brilhante primo médico quarentão, ambos fantasiados prontos para sair para o carnaval, ela de dominatrix, ele de camisa caindo pregueada sobre a imensa barriga, calça indiferente e apenas uma máscara, ele com um ar perdido e ela de lado, seu rosto olhando agressivamente e dominador para a câmera, e a câmera não mente jamais, entrega tudo, é objetiva, fria e imparcial, não racionaliza, não tenta se auto-iludir: aquelas mulheres com personalidades tão esplendorosas que as fazem atraentes e desejáveis são reduzidas à sua mediana beleza; aquelas namoradas que julgamos erradamente nos amar aparecem com seus olhos vazios e inexpressivos; aquele coroa tão jovial e cheio de energia aparece em toda a glória de sua decadência de telômeros curtos e células não mais se replicando.

Assim como aparece o espírito abusado e apaixonante de Cláudia, morena de pele de café como sempre sonhei, cantora e microbióloga, tantos nomes em latim e conhecimentos arcanos na mente e tão pouca roupa sobre o corpo, a barriga exposta pela blusa curta mostrando a curva da cintura feita para encaixar no braço masculino, perfeita para encaixar no braço masculino, e a nau catrineta, a nau catrineta que se foda, que se foda a Cláudia, que eu foda a Cláudia, é o que penso, é o que me passa pela cabeça, a cientista gostosa, a versão feminina para os heróis dos filmes americanos de ficção científica dos anos 50, não tenho mais desculpa, não tenho mais nenhuma razão para adiar, não tenho mais como postergar a tentativa de um beijo, a tentativa de provar a saliva dela, mesmo que ela me afaste, mesmo que ela diga que é um absurdo, ela não vai dizer, é claro que não o fará, eu estou louco de pensar uma coisa dessas, mas e se ela o fizer, não terá sido a primeira vez, preciso pensar, preciso jogar uma água no rosto, só para ser um pouco mais eu mesmo, para ter um pouco mais de certeza.

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