setembro 20, 2009

Grandes Obras de que Todo Mundo Gosta, Menos Eu

O Jogo de Amarelinha, de Cortázar

Cortázar é o meu escritor argentino preferido. Nunca tive muita paciência com a erudição abstrata de Borges. É bem verdade que li muito pouco dele, mas meu gosto pessoal sempre foi por artistas mais humanistas e menos dedicados à forma ou ao esteticismo e a literatura do Cortázar neste aspecto é mais emocionante do que a do cegueta.

Mas quando pela primeira vez fui encarar um romance dele, foi um sofrimento. Foi o seu clássico, “O Jogo de Amarelinha”. Só o efeito especial que tornou o livro famoso já devia ter me deixado precavido, a história de que os capítulos podiam ser lidos em determinada ordem, ou em outra, ou poderiam ser lidos capítulos extras, ou pulados, ou mesmo postos em qualquer ordem. Ooops, o troço não tem começo e nem fim, ninguém aprende nada e vamos ter uma narrativa circular. Tudo bem, Beckett fez seu nome assim e sua trilogia Molloy/Malone Morre/O Inominável é do caralho. Mas ele teve o bom senso de não tentar contar historinha de amor.

O que dizer? Tudo bem que o portenho não tem culpa nenhuma, mas o primeiro problema com “Amarelinha” é que é obviamente o modelo pra muuuuuuuitos imitadores contistas brasileiros modernos. E romancistas também. Quantos e quantos artistas que não têm muito o que dizer, que são pessoas extremamente sensíveis (mas só em relação ao que acontece a eles) não encheram páginas e páginas com prosa tortuosa e angustiada, meio mágica e meio poética pra expor um romance que tiveram com uma mulher maluca, como se fosse algo único e inesquecível. Qualquer sujeito que goste da coisa e tenha feito uma faculdade de humanas ou um curso de teatro já passou por isso umas três vezes só no primeiro semestre. Como esse povo normalmente não tem emprego ou contas a pagar no fim do mês veem uma intensidade na coisa que só pode levar aquela turma que já comeu as três no primeiro semestre a pensar, “que manés”.

Mas o pior são os efeitos especiais. Como uma historinha de amor entre dois adolescentes (às vezes tardios) com suas briguinhas idiotas e o que eles pensam ser ousadia normalmente não tem incidentes que realmente interessem a outras pessoas (e os autores raramente estão a fim de REALMENTE serem confessionais e abrirem MESMO o coração porque têm medo de se expor), então dá-lhe mistura de estilos, parágrafos enormes, técnicas cinematográficas, rubricas teatrais e tudo o mais que puder distrair o leitor da falta de conteúdo.

Mas, como eu disse anteriormente, o Cortázar não tem culpa dos seus imitadores. Ele tem uma vida mais interessante, mas em “Amarelinha”, assim como os caras acima, não se dispõe realmente a abrir seu coração. Apenas quer que projetemos as maluquinhas pelas quais fomos apaixonados na Maga. A ideia de nunca marcarem um encontro e sempre acabarem se encontrando pode parecer poética e cármica, a menos que você se lembre que antes de todo mundo constituir família, você sempre encontra as mesmas pessoas nos lugares aonde vai à noite.

Mas onde o Cortázar me perde e praticamente onde eu parei a leitura foi quando ele começou com o papo de que só ele realmente entendia Louis Armstrong. Que os burgueses tinham passado a gostar do Satchmo justamente quando ele já não era tão bom, só ele e a Maga compreendiam o que ele significava. Foi por causa de uma dessas que me perdi grande parte do meu interesse em Rubem Fonseca, quando em “Agosto” ele conta que o delegado realmente entendia ópera, ao contrário dos ricos que tinham a grana pra ir ao Muncipal e não eram verdadeiros adoradores de ópera.

Essa atitude é indesculpável. Cada vez que leio uma tentativa de agregar valor cultural dessas, lembro de cara daquela história do Fritz the Cat, em que os artistas iam pra praça com seus instrumentos tentar comer mulher e ficavam discutindo, cada um berrando cada vez mais alto “a minha alma é muito mais genuinamente sensível do que a sua”. É insincero. É o caminho para a perdição (cf. “Os Demônios”, Dostoievski. Se você não entender o que tem a ver, é porque só eu realmente compreendo o russo genial). É uma adulação ao leitor, que sorri consigo mesmo e pensa “só nós dois, né, Cortázar, sabemos admirar a verdadeira arte”, enquanto for a da biblioteca um monte de gente está admirando verdadeiramente a verdadeira vida. E, à Woody Allen (que em breve ganhará um imenso capítulo nesta série), joga a culpa por fracassos numa humanidade desumana sem sensibilidade para os diferentes.

Bem, e foi assim que larguei “O Jogo de Amarelinha”. Perdi o livro na mudança. Não faz mal. Ainda tenho “Todos os Fogos o Fogo”. Cortázar é maneiro.

1 comentário:

Unknown disse...

Muito bom historia informativo e de grand interesse nosso
Rio de janeiro