Primeiro Comando
Anteriormente: A Cidade na Fronteira da Eternidade
Já não basta Spock perder tudo que é jogo de xadrez tridimensional pro Kirk, ainda por cima quando tem seu primeiro comando, durante uma emergência na Galileo, nave auxiliar da Enterprise, é obrigado a confessar que não tem a mínima ideia do que fez de errado – todas as suas decisões foram lógicas e racionais e ainda assim ele perde dois homens e complica cada vez mais a situação.
Este episódio devia ser analisado pelo filósofo predileto deste saite (sorry, Sílvio Rabaça), Antônio Rogério da Silva, especialista em Teoria dos Jogos. O que acontece quando uma abordagem racional, em posição de desvantagem, encontra um desafio completamente irracional? A Enterprise manda uma equipe na Galileo estudar um daqueles fenômenos galáticos que acontecem toda hora em “Jornada nas estrelas” e a naveta despiroca e cai num planeta que, descobre-se depois, está cheio de homens da caverna gigantes e agressivos. E, como sempre, o mesmo troço cósmico que eles queriam estudar interfere com os sensores de Kirk e sua turma. Está tudo nas mãos do pessoal que caiu lá embaixo, chefiados por Spock, em seu, como ressalta McCoy, primeiro comando.
É claro que, como sempre, há uma corrida contra o tempo, pois a Enterprise tem que levar medicamentos necessários para debelar uma epidemia num sistema distante. A Galileo precisa ser reparada e não tem energia suficiente pra levar todo mundo de volta – dois vão ter que ficar. Quando o frio vulcano diz que não fará um sorteio, mas escolherá pessoalmente quem permanecerá no planeta, começam suas desavenças com o grupo. E nós espectadores ficamos pensando qual o problema: uma vez chegando na Enterprise, por que eles simplesmente não diriam onde encontrar quem ficou lá embaixo?
A resposta é que o mundinho é habitado por humanóides gigantescos na Idade da Pedra que eliminam logo um camisa-vermelha. Spock recusa-se a tentar matá-los com os phasers, preferindo assustá-los com tiros a esmo, já que a superficie parece toda recoberta com gelo seco e torna difícil a visualização dos nativos. Só que eles não ficam assustados muito tempo e logo acabam com outro sujeito. E o vulcano tem que tomar uma difícil decisão quando Scott informa que a única chance deles é usar a energia dos phasers para abastecer a naveta. Um artifício de roteiro, diga-se de passagem, simples e elegante, distante do que teríamos na “Nova geração” (“tive uma ideia, Geordi, se ligarmos em linha os solenóides neutrônicos dos phasers, talvez pudéssemos induzir uma reversão protônica nos cristais de dilitium e iniciar uma reação em cadeia”).
Com dois mortos – o número perfeito pra Spock não ter que escolher quem ficará no planeta – e cercados por humanóides gigantes, o vulcano tem que enfrentar a rebeldia de sua pequena tripulação, que por pouco não se amotina. Quem principalmente parece culpar o sr. Spock por tudo é o tenente Boma, o que soa injusto, já que ele é interpretado por Don Marshall, o futuro copiloto de “Terra de gigantes”. Tudo bem que Roddenberry queria enfatizar a multiculturalidade em sua série, mas dado o que acontece com ele aqui e no seriado de Irwin Allen, seu pé frio deveria ser mantido longe da ponte de comando de qualquer nave do Universo!
Embora o suspense seja bem construído mecanicamente pelo roteiro e pela direção, que se vale bem de seus parquíssimos recursos, o episódio peca na caracterização dos personagens. O Spock que conhecemos pode não ter emoções (ha, ha, ha), mas respeita as dos outros e jamais se abrogaria o direito de escolher quem vive ou quem morre – a não ser que pretendesse ser um dos deixados para trás. Afinal de contas, a própria série aponta que este teria sido o grande pecado de Kodos, o Executor, no espetacular “A consciência do rei”. Também a unidade da tripulação da Enterprise, como imaginada na utopia de Roddenberry, dificilmente entraria em colapso por tão pouco. E tudo bem que Kirk fosse amigo pessoal de Spock e McCoy, mas depois de tanto esforço despendido tentando resgatá-los, ele é comunicado da morte de um sujeito do grupo de busca e nem parece se importar muito. Esse absurdo favorecimento pessoal pouco tem a ver com o positivismo igualitário vendido pelo resto do seriado.
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Enfim, este programa tem altos e baixos e desperdiça a chance de criar mais um momento memorável de “Jornada nas estrelas”. Sua apologia à criatividade frente a desafios inesperados reflete o individualismo americano, sem maiores novidades quanto ao que se produzia na época pra tevê, o que não é típico da melhor série de ficção científica já feita. Mas, para nos lembrar desse status, sobra o roteiro com uma situação de tensão crescente e suspense e uma direção que cumpre sua função mesmo tendo para trabalhar apenas pedras de isopor, gelo seco e uns extras altos com peruca, filmados de longe.
Digno de nota:
- Contagem de corpos: três tripulantes.
- Por que o médico de bordo e o engenheiro-chefe estão num grupo para pesquisar fenônemos cósmicos esquisitos?
- No final, Spock faz um gesto desesperado: solta o combustível e o incendeia, para sinalizar à Enterprise. Ficam as perguntas: com que oxigênio o combustível queimou? Se a nave é movida a algum tipo de energia eletromagnética, como se deduz por usar phasers para decolar, que combustível é aquele? O que tem de tão desesperado em morrer dois minutos antes se sua ideia não der certo, já que eles iam cair do mesmo jeito?
- Avistamentos de tenente Leslie: na ponte de comando, preocupado com o grupo de busca.
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