1. M, o Vampiro de Dusseldorf (1931)
Direção de Fritz Lang, roteiro de Thea von Harbou e Fritz Lang.
Com Peter Lorre e Otto Wernicke.
O filme que criou o psicopata assassino que iria dominar o cinema até Hannibal Lecter. Em vez de um monstro furioso e poderoso, um sujeito tímido e reprimido. Pequeno e vulnerável, é tão desprezível e presa de seus fantasmas que quase causa pena. Peter Lorre encarna a primeira aparição dessa personagem no cinema de forma tão intensa e emocional que até hoje ainda é imitado (e, como sói acontecer, nunca superado). Soa inacreditável que depois de passar o dia todo filmando como o matador pedófilo de forma tão apaixonada, quando dava sete horas Lorre saía e ia para o teatro onde fazia uma comédia. Em volta dessa soberba atuação, Fritz Lang, em sua primeira fita sonora, experimenta e usa o som como mecanismo linguístico e não mero acessório - as vozes da multidão discutindo, o grito da mãe da primeira vítima e, é claro, o assovio que identifica o criminoso, de quem nunca se via o rosto, outro recurso que em breve viraria clichê. Usando a iluminação expressionista com negativo pancromático retratando uma ambientação urbana contemporânea, recheada de criminosos e policiais sem glamour, Lang também dá a partida estilística para o filme noir americano.
Um dos maiores clássicos da sétima arte.
Disponível em DVD.
2. Mórbida Curiosidade - também conhecido como A Tortura do Medo (Peeping Tom) 1960
Direção de Michael Powell, roteiro de Leo Marks.
Com Carl Boehm, Anna Massey, Moira Shearer.
Michael Powell fez durante a II Guerra um filme de propaganda anti-nazista que conta... a epopéia de um bando de nazistas tentando fugir do Canadá! O conteúdo propagandístico esperado está lá e chega a envergonhar os espectadores de hoje em dia, mas, mesmo sendo os alemães retratados como bestas sanguinárias, fica patente o interesse (clínico, não confundir com admiração) do cineasta pelo tenente fugitivo, um pretenso super-homem, nobre e coerente em sua perfeição ideológica tão equivocada. Ao final da história, depois de muito desdenhar a imperfeição da democracia, ele é capturado justamente por acreditar na perfeita rigidez de suas leis e ele acaba enganado e tratado como uma mercadoria e não um ser humano (!!!)
Em Mórbida Curiosidade a busca da obra de arte perfeita leva o assistente de câmera Mark Lewis a assassinar mulheres enquanto as filma olhando para o reflexo de sua própria morte no espelho. O instrumento de matança é um estoque escondido no tripê de sua câmera. A fita questiona todo o componente doentio que existe na apreciação artística, principalmente do cinema (veja o post sobre cinema - http://arsgratiars.blogspot.com/2006/10/stima-arte.html) e não poupa ninguém, nem os espectadores. Por isso o filme acabou com a carreira dele e foi um fracasso crítico e comercial, sendo resgatado só nos anos 80 por Martin Scorsese.
Sem nenhuma invenção ou papagaiada cinematográfica que nos lembre que estamos apenas assistindo a um filme, Powell usa os recursos do cinemão contra as próprias convenções (os planos subjetivos fetichistas, examinando pernas de fora de mulheres e casais se agarrando; a modelo com a cicatriz no rosto, os diversos personagens que exclamam que vão ficar famosos quando frente a frente com a câmera de Mark) ou de forma tão intensa que faz com que pareça absurdamente chocante um pai dando a um filho uma câmera de presente ou profundamente obsceno que uma garotinha compre chocolate numa loja.
Repleto de elipses, alusões, duplos sentidos, ironias e auto-referências, o filme não desperdiça um fotograma ou uma vírgula de diálogo - tudo reforça, reflete ou comenta algum aspecto da história. Ainda tem momentos de pura linguagem cinematográfica, como nesta cena, em que o assassino recebe a visita da mãe cega de sua quase namorada, justo quando assiste ao filme de seu último crime. O que está projetado na tela é o rosto da vítima e o que está projetado nas costas de Mark é uma caveira (note que ela não tem olhos), reforçando a idéia de que ele é um vampiro, um anjo da morte sanguessuga:
Mórbida Curiosidade costumava frequentar as madrugadas da Globo nos anos 80 e 90, de onde eu gravei uma fita que gastou com o tempo. Também foi lançado em VHS, primeira chance que tive de vê-lo com o som original, e rodou há alguns anos o Telecine Classic (hoje Telecine Cult). Em DVD não tem nem previsão de lançamento, já que é uma fita obscura e pouco conhecida. Se você tiver uma conexão de banda larga e um programa de download de torrents, pode baixar do seguinte endereço:
http://www.isohunt.com/download/14352306/peeping+tom
E assistir em widescreen e som original sem legendas. Você pode baixar a transcrição dos diálogos em inglês do site www.transcripts.com. Vale a pena.
3. Psicose (Psycho) 1960
Direção de Alfred Hitchcock, roteiro de Robert Bloch e Joseph Stefano.
Com Norman Bat... digo, Anthony Perkins, John Gavin, Janet Leigh e Martin Balsam.
Família, dinheiro, sexo. Os ícones do ocidente capitalista são virados de cabeça pra baixo neste filme apropriadamente sobre um psicótico. Quando não se pode confiar nem na sua mãe, como encontrar algum sentido no mundo?
Psicose saiu pouco depois de Mórbida Curiosidade e tem vários pontos de contacto com o clássico inglês, mas o velho Hitch entendia de como ganhar dinheiro e suaviza a subversão da história o suficiente para fazer montes e montes de grana com a fita. Ainda assim constrói outro clássico do cinema, montando o filme como uma blitzkrieg, passando o tempo todo deixando o espectador fora de equilíbrio e desorientado, alinhando uma quebra de conceito e de convenções atrás da outra, sem saber de onde virá a próxima surpresa.
A mocinha é amante de um homem casado (o que equivalia a vagabunda nos EUA de 1960) e ladra; com meia hora de exibição ela morre; o sujeito por quem ela parecia estar se apaixonando, começando uma relação que a redimiria participa da ocultação do cadáver (e depois é revelado como o verdadeiro assassino); o detetive durão contratado para descobrir o assassino dura dez minutos antes de ser assassinado de forma completamente ingênua; a dedicada e velha mãe americana é uma matadora impiedosa (e no final nem é a mãe). Somando isso tudo à chocante (para a época) descrição gráfica do esfaqueamento de Janet Leigh e do investigador, a platéia ficava com os nervos transformados em gelatina.
O final, como todo mundo sabe, apesar do cartaz pedindo para que se mantivesse segredo dele, revela que Bates é o Filho Que Matou a Mãe (como a piada diz que a fita se chamou em Portugal) e mostra uma perfeita (e aterradora) metáfora visual para sua psicose: o esqueleto mumificado da progenitora num porão vazio iluminado por uma enervante lâmpada onipresente. Não somos forçados, como em Mórbida Curiosidade, a nos identificar com o assassino - aliás, só no final sabemos que aquele rapaz simpático é um matador - e não nos sentimos como se tendo nossas perversões íntimas expostas, uma das razões pelas quais o filme de Michael Powell acabou com a carreira dele e Psicose reavivou ainda mais a de Hitchcock.
Disponível em DVD da Coleção Hitchcock.
4. O Silêncio dos Inocentes (Silence of the Lambs) 1991
Direção de Jonathan Demme, roteiro de Thomas Harris e Ted Tally.
Com Anthony Hopkins, Jodie Foster, Scott Glen e Ted Levine.
M criou o psicopata assassino assombrado pelos seus fantasmas. O Silêncio dos Inocentes criou o psicopata assassino que domina o cinema de hoje - o que assombra, aterrorizante como um fantasma,o mundo normal.
Hannibal Lecter aparece pela primeira vez na prisão para psicopatas do FBI - Jodie Foster vai descendo por corredores cada vez mais sombrios e sujos, com celas cada vez mais sombrias e sujas, guardando homens cada vez mais sombrios e sujos, barbados e piolhentos. Quase no fim dessa descida ao inferno, um dos prisioneiros esporra nela. E finalmente ela chega ao pior deles. Um sujeito perfeitamente limpo, habitando uma cela clara, límpida e perfeitamente arrumada, com estantes com livros e desenhos e pinturas revelando talento artístico. O terror definitivo.
O Silêncio dos Cordeirinhos é o título original e a fita mostra exatamente como Lecter, sendo um titã mental, recusa-se a aderir aos opressivos padrões da normalidade que dão a uma elite de patrícios direito de vida e morte a nós, pobres mortais, como mostrado na metáfora visual em que o assassino psicopata é amarrado e amordaçado para conversar com a poderosa política em busca da filha.
Mas é aterrador viver fora dessa normalidade. Os agentes do FBI aceitam-na de bom grado - na sequência de abertura, há um cartaz na pista de treino do Bureau avisando que "Nós gostamos de sofrer" e o treinamento de Jodie Foster é ficar segurando um escudo enquanto leva porrada de agressores sem rosto. Ela não reage. "Búfalo" Bill, o psicopata que realmente está matando gente na película, sonha em juntar-se ao mundo normal, mas ele é um predador, um matador que não se conforma aos padrões e portanto precisa ser castrado, perder seu membro viril, seu falo criador. Ele não só precisa dessa castração como a almeja açodadamente e seu animal de estimação é um poodle. Que parece um... cordeirinho. E, como tal, é usado friamente como objeto de barganha pela filha da senadora, também integrante do patriciado.
Original, inquietante e com soberbas atuações, O Silêncio dos Inocentes criou todo um novo gênero policial e ressuscitou a carreira do grande Anthony Hopkins, que interpretou muito alemão nazista nos anos 70, quando ainda se fazia filme de II Guerra. Entre seus muitos momentos de brilhantes metáforas visuais está a fuga de Lecter da prisão, quando usa a pele esfolada do rosto do policial como disfarce e, dentro da ambulância, levanta-se para devorar o guardinha. O literal lobo em pele de cordeiro.
Todo mundo sabe que está disponível em DVD.
5. Caçador de Assassinos (Manhunter) 1986
Direção de Michael Mann, roteiro de Thomas Harris e Michael Mann.
Com William Petersen, Joan Allen, Brian Cox e Dennis Farina.
Esta é a primeira versão do horroroso Dragão Vermelho. Michael Mann vivia o apogeu e glória do seriado que criara, Miami Vice, e resolveu filmar o romance de Thomas Harris. Pela primeira vez Hannibal Lecter apareceria na tela grande, interpretado por Brian Cox, numa versão menos racional e mais tentadora (no sentido Lúcifer tentando Cristo) do psicopata.
Sendo um filme dos anos 80, é mais liberal e compreensivo com seu psicopata assassino do o Dragão Vermelho do século XXI. Enquanto Ralph Fiennes imita novamente na película mais recente o Peter Lorre de M, adicionando apenas um gosto por malhação, no filme de 1986 o assassino é mais funcional socialmente e sua psicose não é o "mamãe-me-bateu-e-reprimiu-e-me-assombra-até-hoje" clichê típico, sendo sua loucura enraizada em profundas neuroses similares às nossas e, por isso mesmo, muito mais assustadoras. A cena da sedução da cega, em que ele mostra sua falta de traquejo social enquanto tenta ser um anfitrião perfeito, assustado com aquela presença feminina, despertou incômodas reminiscências do meu próprio comportamento quando em presença de mulheres tão desejadas, tão maravilhosas demais pro meu caminhãozinho, e ainda assim dispostas a serem seduzidas, que chegava a dar medo.
Essa abordagem é muito mais crível do que a do filme mais novo. É difícil imaginar que ninguém do trabalho de Ralph Fiennes tivesse reparado que ele era completamente pirado ou mesmo que ele tivesse um amigo no zoológico que deixasse a cega acariciar o tigre. Em Caçador de Assassinos o maluco tem seus surtos psicóticos e assassinos e depois sente-se saciado e pode funcionar socialmente, ainda que precariamente. Seu relacionamento com a cega é terno e até mesmo nós, espectadores, temos esperanças de que seja redentor. Mais ainda, a cena de sexo é romântica e bonita, é implícito que a cega tem uma vida sexual ativa e vai dar pro sujeito porque gostou dele. Em Dragão Vermelho, o relacionamento é pouco gratificante para ambos. Não há beleza alguma quando a mulher, pouco atraente e por isso inclinada a se relacionar com o óbvio maluco, se abaixa para pagar um boquete. Típico do atual clima moralizante do cinema americano contemporâneo, a sensação que se tem com o desenrolar da história, quando ela é perseguida pelo assassino, é a de que está pagando por manter relações sexuais fora do casamento.
E, é claro, tem o estilo. Manhunter explora cores berrantes e falsa, enquadramentos pouco usuais e aproximações indiretas à história, o que faz todo sentido num filme sobre visões distorcidas do mundo que começam a contaminar o investigador, aspecto muito falado em Dragão Vermelho e pouco explorado cinematograficamente. Não sendo uma produção caríssima, não há necessidade de uma longa cena de luta no final, para a qual se exige uma esticada completamente inverossímil da história. Não tem o Anthony Hopkins, é verdade, mas ainda assim é um belo filme.
Disponível em DVD.
Filmes que ignorei nesta lista: Halloween, por ser mais filme de terror do que de psicopata assassino; Sei Donna per um Asesino, de Mario Bava (o filme que faz o toureiro de MATADOR, do Almodóvar, se masturbar na abertura), pelo simples fato de que não vi.
Esqueci de algum clássico? Se você quiser fazer algum comentário e não quiser se associar ao www.blogger.com só pra isso, faça-o no espelho deste blog, em www.urublog.blig.com.br
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2 comentários:
The Collector é a tradução literal mesmo, é O COLECIONADOR. Embora também passasse nas madrugadas da Globo (antes que eles banissem filmes antigos da programação), nunca vi, só li o livro (que, aliás, não me empolgou muito, mas isso não diz nada da qualidade do filme). Também nunca vi DA VIDA DAS MARIONETES. Cheguei até a alugar em VHS, mas acabei não vendo.
Alguém conhece e sabe o título de um filme em que um escritor escreve defendendo a idéia de que os criminosos são vítimas da sociedade, e torna-se um best-seller. Alguns dias depois ele acolhe o seu sobrinho (criminoso, assassino) em casa após obtenção da condicional. O sujeito acaba matando sua família e a reação do escritor foi matar o sujeito e fazer uma fogueira de seus próprios livros em estoque.
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