A primeira parte deste artigo está aqui, em uma nova janela.
Quando paramos, na primeira guerra mundial, o combate havia se tornado um impasse. Com trincheiras escavadas em profundidade, rolos e rolos de arame farpado, metralhadoras e canhões de tiro rápido dominando a "terra de ninguém" - o espaço entre as duas linhas de combatentes -, a ordem de atacar havia se tornado uma sentença de morte. O sujeito levantava correndo, porque descobriram logo nos primeiros meses de hostilidades que caminhar ombro-a-ombro e lentamente era bom para armar uma parada em 7 de setembro, mas não para avançar sobre o inimigo, e tentava chegar vivo do outro lado, para aí sair na mão com os defensores.
E quando eu digo sair na mão era sair na mão mesmo, armado de baioneta e valendo chute e beliscão. O fuzil pesava cinco quilos carregado e era de ferrolho - aquele que a gente vê nos filmes, que o sujeito dá um tiro e tem que puxar uma alavanca para trás e para o lado para rearmar - medindo ainda quase um metro. Manipular com destreza esse desajeitado troço dentro de uma trincheira estreita, com inamistosos soldados tentando fazer daquele o dia em que você se chamaria saudade, era quase impossível. Os infantes logo começaram a preferir a pá à baioneta, por ter um cabo que aumentava o impacto cortante do "fio" e o equilíbrio, quando usado como porrete. E, depois disso tudo, se finalmente conquistavam a posição, logo descobriam que ela era quase indefensável - as defesas eram feitas para enfrentar um inimigo vindo pela frente, não um contra-ataque por trás, onde não havia parapeito e os obstáculos eram mais baixos, já pensados exatamente para facilitar uma retomada vinda da retaguarda.
O conceito que os alemães desenvolveram então foi o da "infiltração". Os melhores soldados de todo o exército eram juntados em unidades de elite, encarregadas do trabalho duro, formando as "tropas-trovão", os famigerados "sturmtruppen" (em inglês, stormtrooper, sim, exatamente, aquelas mesmas de Star Wars). Eles, na falta de uma metralhadora portátil, iam para o ataque carregados de granadas de mão para o combate aproximado, sem terem instruções táticas exatas. Iam na base do improviso e por isso só a nata dos infantes se prestava a este papel.
Esses soldados de elite partiam para a frente, tomavam a primeira trincheira e seguiam adiante. Dispensavam longas preparações de artilharia. Preferiam-nas curtas e intensas, para atordoar os defensores, não lhes dar tempo de preparar a defesa e não esburacar o terreno que teriam que atravessar. Eles tinham preferência pela infiltração, em vez da tomada de toda a linha. Uma vez aberta uma brecha, mais e mais atacantes passavam por ali e partiam para a retaguarda, causando confusão onde se orquestrava o contra-ataque e mantendo os inimigos fora de equilíbrio. Os aliados, pelo contrário, quando atacavam, faziam-no ao longo de toda a fronteira. Se um ponto forte segurasse os atacantes, eles desviavam toda a pressão do ataque para lá. A idéia era empurrar o exército adversário como se fora uma motoniveladora. Os alemães atacavam como cupins, cavando cada vez mais buracos onde surgisse a oportunidade, até que toda a frente desmoronasse. Não preciso dizer qual tática era a mais eficaz.
A infiltração foi a chave do grande sucesso inicial da campanha da primavera em 1918, a Ofensiva da Paz (porque se julgava que levaria os aliados a pedirem a paz). Ao contrário da segunda guerra mundial, ainda seis meses antes do fim do conflito os alemães estavam de posse da bola e levantando bola alta toda hora na área dos inimigos. Os diplomatas teutões chegaram mesmo a rascunhar os termos em que aceitariam a rendição dos anglo-franco-estadunidenses (e amigos), carregando em cláusulas muito mais abusivas do que as depois impostas a eles em Versalhes, aquelas mesmas cuja brutalidade eles usariam como desculpa para tentar conquistar o mundo de novo em 1939. Mas eles estavam pondo o carro adiante dos stormtroopers, que não conseguiram manter o ímpeto e, depois de avançar uma quantidade inédita de quilômetros na Frente Ocidental, tiveram que começar a recuar.
As razões eram muitas. A nova tática cobrava alto número de baixas entre os infiltradores e, como eles eram soldados de elite, não eram fáceis de se substituir. À medida em que eles avançavam rumo à retaguarda, perdiam contacto com sua artilharia (rádios eram aparelhos canhestros e pesados, incompatíveis com o movimento, exceto em transatlânticos que batiam em icebergs e assemelhados) e ficavam dependendo apenas de seus fuzis e do que sobrara das granadas de mão para continuar o avanço, fundamental para manter o inimigo desequilibrado e sem condições de montar um contra-ataque. Este, uma vez iniciado, quase sempre era bem-sucedido: os ninhos de metralhadoras estavam voltados para o outro lado; as trincheiras eram mais baixas por trás e melhores alvos para os canhões, que mais se concentravam quanto mais longe da frente; a falta de comunicação impedia o reforço pelas reservas onde elas eram mais necessárias. Em suma, a idéia era boa, mas faltava alguma coisa. Uma coisa que fosse bem armada, de preferência com sua própria artilharia, que conseguisse manter um avanço contínuo por um longo tempo sem se cansar e em grande velocidade e profundidade e que carregasse sua própria parede grande de trincheira para não ficar exposta ao fogo inimigo. Essa coisa já existia, mas do lado dos aliados. Chamava-se "tanque". E a guerra contemporânea - pelo menos quando travada convencionalmente - é completamente concebida em torno dele. Veremos o porquê no terceiro capítulo.
dezembro 25, 2006
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