janeiro 09, 2010

Meus Filmes Favoritos da Década

Os filmes que eu achei os mais importantes estão em maiúsculas. Quanto aos outros a que faço referência, estão entre aspas.


A década começou mal – a família faliu, trabalho com teatro sumiu e eu e Vânia terminamos. Mal conseguíamos nos ver sem começar a brigar, mas ainda éramos muito ligados e a menina por quem eu tive ânimo pra largar aquela relação falida foi a Fernanda. Não que ela realmente me amasse, e tesão por mim, nem pensar, mas me ouvia, falava abobrinha e não me carregava com seus problemas, sem falar no par de coxas... e ainda tinha QI suficiente pra ir ver comigo QUERO SER JOHN MALKOVICH e se amarrar. Encontramos até o Bello e a namorada misteriosa na mesma sessão. Nem vou me estender muito porque já publiquei aqui no blogue neste linque um debate aqui em casa comigo, Marissa, Sílvio, Marquinhos e Bello. Divertido, engraçado, extremamente original e criativo e ainda com tempo pra sacanear novaiorquinos, pela primeira vez desde Joe Esterhaz após “Atração Fatal” um roteirista foi alçado ao estrelato. Os filmes que ele escreveu em seguida eram conhecidos pela intelligentsia como filmes de Charles Kaufman. “Adaptação” foi chato, mas BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS adicionou sentimento de verdade à receita e criou aquele tipo de fita que todo mundo gosta. O que é surpreendente, dado que a complicada trama contada de trás pra frente num universo mental estimulado eletronicamente aparentemente exigiria looongo conhecimento de histórias em quadrinhos e ficção científica barata. Parece que esses conceitos sci-fi já estão tão entranhados na cultura pop que até sua avó já os entende. O longa é carregado nas costas por Jim Carrey (!!), muito mais convincente do que em “O Show de Truman”, tem um estilo visual de videoclipe perfeitamente integrado à narrativa pseudofuturista e usa sua estrutura em reverso para mostrar não como um amor acaba, mas como ele começa – cada cena vai repondo um pedaço que se quebrou ou que faltava. E no final é aquilo, o amor que você leva é o amor que você tem.

Já que estamos falando de comédia romântica vale a pena citar um filme grosseiro, dirigido e editado meio nas coxas e, como toda boa produção do gênero, engraçado e sincero. O VIRGEM DE 40 ANOS foi o primeiro sucesso de Judd Apatow, que se tornou um mestre do gênero, a comédia romântica para homens, que andava sumida das telas desde que Howard Hawks se aposentou. Não que as mulheres não gostem – perguntem pra minha mãe, Lívia ou Suzy...

Bem, mas como ia falando, Fernanda não era exatamente apaixonada por mim e logo também estava sozinho e abandonado, desanimado, família falida... rapaz, nem gosto de lembrar deste período. Pelo menos nessa época, na mesma semana vi A ESPINHA DO DIABO e AMOR À FLOR DA PELE. O primeiro era uma visão original da Guerra Civil Espanhola, a partir de um orfanato para os órfãos dos republicanos, no meio do nada, entre onde o vento perdeu as botas e a casa do Judas. Intelectuais (literalmente) impotentes, mulheres maduras escravas do desejo, mulheres jovens escravas de seus sonhos românticos e garotos numa guerra fria pra se tornarem o macho alfa do grupo, crescerem e se tornarem como o sujeito mau que come as criaturas de saia, criado ali apenas para semear o mal. No meio disso tudo, um feto com a espinha do diabo, um fantasma e uma bomba não explodida encravada nas entranhas do edifício. A direção conta a história com uma crueldade seca (possivelmente influenciada pelos quadrinhos da linha VERTIGO – uma das mortes é exatamente igual à de uma série de “Jonah Hex” dos anos 90; não duvide nada, já que o diretor Guillermo del Toro adora HQ) ausente das fitas pipoca Blade e Hellboy, mas felizmente de volta a todo vapor para O LABIRINTO DO FAUNO, que retoma o período e a maldade com o mesmo gosto.


AMOR À FLOR DA PELE certamente não tem influência de quadrinhos, mas sim indubitavelmente de Sergio Leone e Alan Pakula e sua abordagem indireta – lembra aqueles filmes americanos dos anos 70 com histórias cheias de elipses, personagens falando de fora da tela, longas sequências que só depois de longas convoluções chega ao que interessa, quando não o faz casualmente, sem dar muita importância, num pequeno trecho no meio da cena? Pois é, parece que Wong Kar Wai adora o estilo. Mas enquanto Leone era mitológico (e também politizado) e Pakula era só politizado, Wai é filosófico e romântico. Talvez politizado também, mas eu não tenho a menor ideia da situação em Hong Kong que serve como pano de fundo pra história de amor frustrada que transformou o chinês em megaestrela cult. Seu filme seguinte, “2046” mereceu destaque em tudo que era caderno cultural, mas parecia mais anúncio de moda dos anos 80, além de cheio de autoindulgência e autorreferências. Os belos cenários cheios de padrões estilosos e elegantes, a música clássica e o ar compungido dos personagens levava o espectador toda hora a ficar esperando “Imagine Jeans” ou “Ferreira Fernandes”. Mais anos 80, impossível.

Ainda naquela fase negra do começo da década, uma das poucas alegrias que um nerd como eu poderia ter tido foi X-MEN. Tim Burton deu direção de arte e valores de produção pras adaptações de quadrinhos, mas seus longas não se levavam a sério de verdade. Seus imitadores não se levavam nem um pouco a sério, simplesmente achavam que sujeitos de colante com capa combatendo o crime era demais pra suas formações intelectuais e tentavam logo fazer algo brega-chique como o Batman da tevê dos anos 60. Na verdade, o caminho estava muito mais pro Batman da tevê do desenho de Paul Dini e Bruce Timm, dos anos 90, como se pode comprovar pelo longa animado “A Máscara do Fantasma”, uma transcrição pra tela da série “Batman ano 2” e que talvez tenha sido até sua época a melhor versão cinematográfica do homem morcego.

Bryan Singer nunca tinha lido X-Men e entre seu clássico “Os Suspeitos” e o século XXI só tinha dirigido um filme, “Apt Pupil”, que eu só sei que existe porque acabei de consultar o IMDB. No entanto, como se por mágica, ele apreendeu perfeitamente o material e criou um universo fílmico que parecia naturalista e ao mesmo tempo comportava superpoderes sem parecer forçado ou ridículo. Na verdade, o primeiro longa da franquia tinha exatemente o clima de uma historinha do Stan Lee: rápido, com cenas bem construídas dramaticamente, com a preparação, a penetração e o clímax em cada sequência, ao invés do clímax sobre clímax do filme de ação medíocre típico – um monte de cenas grandiosas e barulhentas uma atrás da outra acaba literalmente monótono, samba de uma nota só, acaba tirando o impacto de todas elas. Em pouco mais de hora e meia, eram apresentados os personagens, os inimigos e a trama, tudo se resolvendo satisfatoriamente.

As cenas de ação, que deveriam ser o ponto alto, eram mediocremente coreografadas e editadas muito picadas, como nos Batman do Chris Nolan. Acabamos não entendendo nada do que está se passando. Mas o que importava isso diante das caracterizações tão perfeitas dos personagens, ou de uma cena tão bem construída como Magneto ameaçando os policiais com as próprias armas deles? E a Mística andando virtualmente nua pelo filme inteiro? Ao público pipoca juntou-se um monte de gente que nunca curtiu supererói, mas o tema antipreconceito da historinha cativou todo mundo. Não deve ter sido coincidência que tanto os X-Men quanto a Patrulha do Destino, outro grupo de rejeitados, tenham sido criados na época da luta pelos direitos civis nos EUA. Pena que nenhum dos dois tivesse tido coragem de botar um negro na equipe. Negros só vestiriam malha justa pra combater o mal nos anos 70, na era da blaxpoitation.

Infelizmente, o segundo filme dos mutantes, embora legal, parecia por sua vez uma historinha do Claremont. Dos bons tempos do Claremont, mas assistindo à coisa fica claro como os quadrinhos dos anos 80 influenciaram o cinema de ação. A fita não parece tão original, já que bebe da mesma fonte que outros longas, e tem muito mais porradaria, tão mal dirigida como na primeira parte – com exceção da invasão da Casa Branca: embora também não entendamos muito do que está acontecendo, pegamos o desenho geral da coisa e Noturno se teleportando pra evitar tiros e guardas é muito maneiro. Pra mostrar uma verdadeira briga de supereróis, tão cinética e enérgica como nas páginas de Romita, Kirby, Byrne ou Perez, seria preciso um cara que realmente entendesse da coisa.

Esse cara foi Sam Raimi. O primeiro “Homem-Aranha” já foi um barato, mas o cinema de supererói atingiria seu auge com HOMEM-ARANHA 2. O blogueiro viu o trailer e contou pro valente editor da Zé Pereira, “o Peter Parker desiste de ser Homem Aranha” e o editor exultou, “céus, eles realmente são fiéis à fonte”. Qualquer nerd que se preze sabe que esta trama é uma das mais constantes na vida do sobrinho da tia May.

Raimi, colecionador do gibi do herói, um dos diretores que mais movimenta a câmera na atualidade, sem tentativa de realismo com tremedeira e rápidos pannings, casou perfeitamente com Peter Parker. O Homem Aranha atravessa as ruas de Nove Iorque com a teia de uma maneira espetacular, atravessando espaços na carroçeria de caminhões e chegando até o rés do chão. A edição é acelerada, mas cada cena constrói com ritmo perfeito seu clímax. Como nos bons scripts de Stan Lee, a trama é recheada de bom humor, sem perder a dramaticidade – o velho roteirista sempre deixava claro que aquilo tudo é, afinal, história em quadrinhos.

E as composições são espetaculares. As lutas parecem ter saído diretamente da prancheta de John Romita, que muita gente parece não perceber que é uma das maiores influências sobre a porradaria de supereróis. Dentro de um cinema cheio, era infalível a salva de palmas quando o Aranha era jogado pra longe de um trem e manobrando com as teias e saltando sobre carros, volta para confrontar o dr. Octopus. Entendemos perfeitamente o que está acontecendo e porque o sobrinho da Tia May vence, ao contrário dos Batman, X-Men e Transformers, onde tudo acontece tão acelerada e freneticamente que parece tentar nos convencer que não conseguimos acompanhar nossos heróis, quando na verdade apenas se disfarça a falta de brilho na porrada. Como definiu com felicidade o crítico Glenn Erickson falando sobre “Gladiador”, parece o trailer da melhor cena de ação jamais filmada.

Já que estamos falando de heróis uniformizados, não se pode deixar de fora o que o blogueiro achou a melhor animação da década numa era em que os computadores tornaram a produção de um desenho em longametragem acessível a praticamente qualquer estúdio. OS INCRÍVEIS toca em dois assuntos caros a este escriba: superomens e crise de meia idade. Nos extras do DVD há uma cena deletada de um churrasco de onde se depreende que na concepção original os Parr não largavam as malhas justas por imposição do governo, mas sim para criar uma família, explicitando ainda mais o tema de sonhos de juventude abandonados. Na fita esta ideia foi abandonada, talvez por soar amarga demais, mas o enfoque foi mantido.

As lutas são ótimas, explorando toda a capacidade da animação pra cenas de ação e a edição é ótima, evitando o picadinho americano. Vemos os poderes de nossos heróis agindo, vemos suas estratégias, vemos o casal veterano invadindo a fortaleza do vilão e entendemos perfeitamente que estão usando toda sua experiência e que já fizeram isso muito na vida, graças às suas reações e seus rostos, que ganham tanto destaque quanto as brigas. Além da comédia, o longa está entre as melhores adaptações de supererói pra tela grande.

Mas já vou me esticando demais e a postagem ficando tão grande que desencoraja a leitura, portanto, abodarei os outros filmes que fizeram a década pra mim numa segunda parte.

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