janeiro 03, 2010

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de Star Trek a Série Clássica

O Punhal Imaginário



pelo blogueiro convidado Antônio Rogério da Silva

Embora seja uma nave militar, não são raras as falhas de segurança existentes na Enterprise, da série original de Jornada nas Estrelas. Fosse o controle mais severo, poucas histórias preencheriam o tempo de um episódio. Pode-se talvez creditar essas brechas ao caráter liberal da tripulação e seus comandantes, que pressupõem que todos cumprirão seus deveres sem precisar da ordem de ninguém. O certo é que os erros de procedimentos são responsáveis pelos desdobramentos de várias histórias em todas suas temporadas.

O contraste entre essa postura de franca confiança e uma conduta mais rigorosa de controle fica evidente no capítulo intitulado O Punhal Imaginário. Depois de ter abastecido e trocado encomendas com a colônia penal do planeta Tantalus, sobe a bordo um passageiro clandestino fugitivo daquele presídio. Logo se descobre tratar do Dr. Simon van Gelder (Morgan Woodward), assistente do famoso cientista Dr. Tristan Adams (James Gregory), diretor da prisão – outro maluco como o Dr. Roger Korby de E as Meninas, de que são Feitas?. Uma vez capturado, o fugitivo transtornado informa fatos contraditórios que forçam o Capitão Kirk (William Shatner) a investigá-los, em Tantalus, acompanhado apenas pela bela psicóloga de bordo, Helen Noel (Marianna Hill), com quem já tivera um rápido romance numa noite de natal.

Adams é um especialista de renome, admirado por Noel e reconhecido no setor penitenciário por seus métodos pacíficos e não invasivos de controle dos internos mais violentos. Uma de suas experiências adota a máquina chamada de neutralizador neural, capaz de condicionar o comportamento conveniente aos casos de prisioneiros mais agressivos, quando são submetidos a seu tratamento. O neutralizador induz a dor e sofrimento psicológico toda vez que o paciente tenta agir de uma maneira proibida por seu manipulador. Na prática, a máquina funciona como um instrumento de tortura que serve para “lavagem cerebral” de suas vítimas. O sonho de consumo de todo ditador em regimes totalitários.

O controle das mentes de seus súditos é a aspiração de pessoas com tendências tirânicas que imaginam serem as outras meras “folhas de papel em branco”, onde se poderia escrever qualquer ideia e fazer tábula rasa das suas memórias e interesses próprios. O erro está em não se aceitar que parte relevante do comportamento de todo ser humano possa estar incorporado geneticamente e acreditar que as emoções inatas devam ser reprimidas sempre, para se evitar atitudes irracionais. Um adágio estóico que o vulcano Spock (Leonard Nimoy) faz questão de frisar é que “onde não há emoção, não há motivo para violência”; esquecendo-se da existência dos assim chamados “assassinatos a sangue frio”.

De fato, alguma lógica formal pode surgir da supressão das emoções e concepções prévias – os estóicos eram bons nisso. Entretanto, a aplicação eficaz de uma norma ou regra demanda motivação adequada por parte do agente. Os seres vivos precisam “saber e sentir” se os resultados de suas ações afetarão de alguma maneira a sua própria sobrevivência e reprodução, a fim de se envolverem com elas e as realizarem corretamente. Da integridade física entre corpo e mente, surge o equilíbrio necessário aos melhores especialistas em suas análises, avaliações e tomadas de decisão, ainda que procurem não se deixarem envolver afetivamente pela situação ou tentem apagar os traços emotivos nos seus cálculos racionais. Uma mente sã em um corpo são não precisa, mesmo na solidão, da presença de um carrasco frio e objetivo para sobreviver. Neste caso, é melhor estar só do que mal acompanhado.

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