janeiro 05, 2010

O Sherman


Um Sherman no Museu Militar Conde de Linhares, em São Cristóvão, em frente à Quinta.

Os russos construíam armas duras na queda, os ingleses tinham desenhos elegantes, os alemães gostavam da tecnologia de ponta e os americanos preferiam na II Guerra a praticidade, como já falei aqui em relação aos aviões deles. E quanto aos tanques, era a mesma coisa (salvo talvez o tanque leve M4).
O Lee (ou Grant, em modelos posteriores. Os dois velhos generais da Guerra Civil iriam adorar se soubessem). Note as semelhanças com o Sherman no casco.

O Sherman é uma evolução natural do Lee-Grant, que, no melhor estilo entreguerras, tinha o canhão grandão (para a época) de 75 mm no casco e um canhãozinho de 37 mm na torreta giratória, tornando-o desajeitado para batalhas contra tanques - e olha que ele foi se meter logo na África, tendo que enfrentar o gênio dos blindados, Rommell. Os aliados não precisavam desses dinossauros, precisavam de um desenho moderno e prático e conseguiram com o Sherman.

Acima, um motor axial, abaixo um radial. O radial tinha a mecânica mais simples e era refrigerado a ar; o axial tinha uma forma mais aerodinâmica para aviões e mais adequada ao casco de um tanque. O uso de um motor radial obrigava o Sherman a ser alto e, portanto, um alvo mais fácil.

O M4, sua designação oficial, herdou o motor radial e a suspensão de seu antecessor. Os ianques adoravam motores radiais, mais leves, simples e fáceis de construir. Sacrificavam as linhas esguias sem pestanejar em troca de um propulsor mais simples, fosse pra seus aviões ou pra seus blindados. Assim, o Sherman começou a vida já com uma silhueta alta, tornando-o um alvo mais fácil. O uso de gasolina, em vez de diesel, também o fazia vulnerável a incêndios, uma vez bem atingido.

Mas e daí? Enquanto seus adversários paravam, ainda que incólumes, por falhas mecânicas, o simples motor radial do Sherman mantinha-o combatendo com pouquíssima manutenção. A decisão de padronizá-lo como virtualmente o único tanque americano facilitou ainda mais a vida dos mecânicos atrás de peças de reposição. E, com seu desenho modular pensado para a barata produção em massa, também era muito fácil atualizá-lo para encarar os avanços dos inimigos.

Enquanto isso, os alemães construíam máquinas superiores, porém caríssimas, utilizando avançadíssimas soluções técnicas, que justamente por isso viviam dando problemas, por não testadas anos e anos em condições normais de uso. O único dos seus carros de combate que aguentou ser progressivamente atualizado até o fim da guerra foi o Pz IV, inferior ao Sherman, que pelo menos já tinha casco inclinado, o que aumentava a proteção (em breve postagem, explicarei o porquê desta inovação do T-34 russo ser tão brilhante).

Assim, o blindado americano atendia a cada novo requisito da guerra. Novas armas antitanque tornaram a blindagem fina? Era só espessá-la. O desempenho fora de estrada deixava a desejar? Mudava-se a suspensão. O canhão de 75 mm, apesar do calibre, era curto demais pra penetrar um Pantera? Adaptava-se um outro de 76,2 mm e 75 calibres de comprimento. A torreta ficava pequena? Era só ajustar uma maior. Ainda nos anos 70, o Exército de Israel usava uma versão modernizada do bicho, o Super Sherman. Israel não é conhecido por usar armas de segunda linha, embora seja verdade que o Super Sherman só depois de uma boa olhada fosse reconhecível como o mesmo tanque da II Guerra Mundial. Provavelmente só o Spitfire passou por tantas mudanças em sua vida útil.

O Pantera tinha duas fileiras de rodas-guia para as esteiras, uma ótima ideia para reduzir a pressão sobre o solo e aumentar o desempenho em terreno ruim...

...até a hora em que tivesse que se fazer um conserto.


Com sua baixa tecnologia e desenho modular, o Sherman era produzido às dezenas de milhares de unidades, enquanto o Pantera, o supertanque médio alemão, tinha problemas com sua complicada usinagem e pesada blindagem. Seu projeto era tão elegante que as rodas-guia para as esteiras se dividiam em fileiras internas e externas, diminuindo a pressão sobre o solo e consequentemente aumentando o desempenho em terreno acidentado, nevado ou enlameado. Excelente ideia, já que o Pz IV vivia atolando na lama do degelo russo ou mesmo na neve. Infelizmente, essas rodas todas atravancadas congelavam com facilidade à noite nas estepes soviéticas e davam um trabalhão de tirar quando se tinha que fazer qualquer reparo nelas, na esteira ou mesmo no chassi.

Pra se ter uma ideia, o comando aliado calculava que seriam necessários 4 Shermans pra enfrentar um Pantera. O Pantera custava o triplo, usava mais do que o dobro do material e levava o quádruplo do tempo pra ser construído. Tinha problemas para atravessar pontes, devido ao peso, e quebrava com facilidade. Normalmente os americanos tinham os 4 Shermans e mais alguma folga pra enfrentar as Unidades Panzer.


O Sherman Firefly - o canhão mais longo exigiu que a torreta fosse esticada para trás para equilibrá-la.

Tão eficiente era o novo canhão no papel antitanque que uma camuflagem era usada para fazer os alemães pensarem que era o velho Sherman e que podiam ficar a uma distância segura dele.

Outro grande problema do Sherman foi seu canhão. Embora na hora em que foi criado, fosse um excelente armamento para tanque, rapidamente se tornou fraco demais. Um canhão de 76,2 mm foi improvisado em alguns Shermans, que ficaram conhecidos como "Vagalume" (Firefly). Com esse novo armamento, o velho carro podia encarar os Panteras, que com sua arma e blindagem melhores, combatia os ianques a distância em que os 75 mm padrão eram inofensivos.

Mas os Firefly nunca foram muito numerosos por vários motivos. A filosofia de combate americana previa que tanques fossem usados para explorar brechas e apoiar a infantaria, enquanto poderosos canhões motorizados, como o Hellcat Tank Destroyer, é que deveriam enfrentar os panzers. Além disso, a maior parte da blindagem alemã estava na Frente Oriental, tornando-os alvos menos prováveis para os Shermans do que casamatas, infantaria, instalações e suprimentos. Para esse tipo de destruição, o armamento padrão de 75mm era mais adequado, contando com uma granada explosiva com maior poder de destruição e mais precisa do que sua congênere do Firefly.

O Hellcat parece um tanque, mas não é. Pra começar, a blindagem é muito menor, pouco mais do que o suficiente pra parar balas de metralhadoras pesadas. A torreta também é fixa: sem ter que rodar num mecanismo que seja capaz de aguentar seguidos coices de um enorme armamento a qualquer ângiulo, ela pode carregar um canhão muito maior, aqui um de 90 mm. Em compensação, pra mirar, só girando o carro todo. Teoricamente a velocidade e agilidade da máquina torná-la-iam difícil de atingir. A distâncias mais curtas, tinha dificuldade de mirar e de combater mesmo os blindados mais leves, capazes de enquadrá-la em mira com um rápido giro de sua arma.

O desenho modular do Sherman também permitia várias úteis adaptações: ele funcionava como bulldozer, com uma pá de escavadeira na frente. Braços que subiam e desciam à sua frente, cheios de correntes, batiam o chão e explodiam minas no medelo "Caranguejo" (Crab). Na batalha da Normandia, depois do dia D, os aliados tiveram problemas com as cercas vivas (bocages) que grassavam na França: terra batida com cerca de meio a um metro de altura, mantida no lugar por árvores e plantas. Os alemães montavam uma posição atrás desses bocages e o tanque, ao subir a pequena elevação, deixava seu ventre pouco blindado à mostra. Era quase uma trincheira por propriedade. A solução, como sempre, envolveu o Sherman. Vigas com pontas afiadas foram soldadas à sua parte de baixo: elas enfiavam-se na base dos bocages e o carro, em vez de subir, ia destruindo o morrinho.

Enfim, numa guerra que viu o surgimento de tantas novas tecnologias (radar, míssil balístico, jato, fuzil de assalto) ou inovações (blindagem inclinada, mira por radar), é curioso que uma das mais importantes e decisivas armas tenha sido um tanque aparentemente de desempenho medíocre, mas que nada podia deter. O Sherman foi para os blindados da época o que o Fusca foi pros carros nacionais dos anos 50 aos 70. Não era bonito, grande ou potente, mas dava conta do recado e acabava deixando os modelos mais caros pra trás na hora em que precisava.

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