março 13, 2008

Os Pragmáticos Americanos Vão À II Guerra

Fotos que eu tirei no Museu Aeroespacial de Campo dos Afonsos, grande passeio

Era uma coisa meio Resgate do Soldado Ryan mesmo, tinha um trabalho sujo a ser feito e alguém tinha que fazê-lo. Os americanos não eram muito de correr riscos em batalhas ousadas. Eles tinham o potencial humano e o equipamento para ganhar a guerra sem ter que perder muitos de seus garotos, daí preferível levar um tempo a mais e fazer um serviço limpo do que jogar a garotada no moedor de carne pra acabar logo com a briga.

O próprio pensamento militar americano era assim mesmo, vide Eisenhower e Bradley, generais competentes, organizados, mas que nunca se destacaram por seus brilhantes golpes de mão. Tinha o Patton, é verdade, mas além de ser um aristocrata intelectual maluco, ele nunca passou de comandante de exército - nunca teve um grupo de exércitos em mão. No Pacífico, onde contavam mais as operações navais, os estadunidenses tiveram um comando mais arrojado, nas pessoas de Nimitz e Halsey, mas parte dessa ousadia nasceu da inutilização dos couraçados da frota do Pacífico no ataque a Pearl Harbor. Sem os enormes canhões dos vasos de linha, eles tiveram que se valer dos barcos de elite que sobraram - os porta-aviões - e foram obrigados a usar táticas mais modernas e eficazes. O próprio cenário do vasto oceano, com uns atoizinhos e arquipelagozinhos afastados por centenas de quilômetros de água salgada entre si, obrigou-os a abandonar a ortodoxia e a criar a grande idéia de pular carniça, em vez de enfrentar cada guarnição japonesa: eles tomavam uma ilhota com espaço suficente prum campo de pouso, enchiam de aviões e, com o apoio destes, tomavam outra ilhazinha no extremo da cobertura aérea. As bases nipônicas por perto ficavam sujeitas a bombardeios, tinham dificuldades em ser reabastecidas e acabavam murchando, perdendo qualquer valor de combate e até suas comunicações. Por isso que até os anos 70, volta e meia aparecia um japa largado num pontinho de terra desses lá pelo Pacífico que nem sabia que a guerra tinha acabado.


Um P-40, raro caça americano de motor axial ou inline, ao lado do próprio. Repare como a frente dele é consideravelmente mais fina do que a do Thunderbolt logo abaixo, e a fuselagem por conseguinte, muito mais esguia


Um minúsculo motor radial, para aviõezinhos de passeio. A simplicidade da estrutura revela claramente os pistões dispostos em torno do eixo e as hastes que movimentam a hélice. Repare como é consideravelmente mais volumoso de frente que o axial. O gigantesco Twin Wasp radial de 2.000 HPs (40 vezes mais!) exibido abaixo, apesar de muito mais complexo, segue os mesmos conceitos

Mais exemplos desse pragmatismo americano podem ser encontrados em sua ideologia armamentista. Vejam seus aviões, por exemplo. Os europeus aderiram ao motor axial, ou inline, ou seja, os cilindros dispõem-se em linha reta em volta do eixo da hélice. O motor, e consequentemente a frente do avião, ficavam mais finos e cortavam o ar como uma faca, criando aeronaves com menos arrasto, mais elegantes e aerodinâmicas. Os alemães criaram um avião pequeno e potente, pra aumentar seu desempenho, o ME-109. Os ingleses preferiram uma asa maior, pra criar um aparelho mais manobrável, e fizeram o inesquecível Spitfire.



O mítico motor axial Rolls-Royce Merlin, que equipava o Spitfire, o Hurricane, o Lancaster e o Mosquito. Note sua forma de valise, de caixa, comparado com o motor radial logo abaixo


O motor radial Twin Wasp da Pratt & Whitney, o mais clássico da II Guerra. Equipou os Thunderbolt, Corsair, Wildcat e Hellcat.

Já os americanos adotaram de coração o motor radial, ou seja, os cilindros ficavam dispostos como raios em volta do eixo da hélice. Era aquele motor que parecia uma roda vista de frente, o motor que a maioria das pessoas associa a aviões a hélice. Não era lá muito aerodinâmico, já que ficava uma parede redonda na frente do aeroplano, aumentando o arrasto, mas tinha suas vantagens - essa mesma parede redonda recebia muito mais ar quando o aparelho voava, dispensando refrigeração por líquido, o que o tornava mecanicamente mais simples e, logo, bem mais leve do que os radiais; além disso, num efeito colateral, ele servia até mesmo como blindagem frontal, já que era um sólido e maciço anteparo na frente do piloto e, por menos sofisticado e cheio de rebimbocas do que os seus primos inline, era menos frágil e aguentava mais tiros sem abrir o bico(1).


O Twin Wasp, motor radial, ao lado do P-47 Thunderbolt, avião que o usou. Notem a forma bojuda do aparelho. O P-47 era um esplêndido caça-bombardeiro e foi a aeronave que equipou a Força Aérea Brasileira na II Guerra

Uma anedota conta que Willy Messerschmit, quando apresentou seu ME-109 aos milicos alemães e sofreu críticas de um sujeito (cujo nome me escapa agora) de que o aparelho deveria levar mais blindagem e armamento, respondeu perguntando "você quer um avião ou uma porta de celeiro?" Anos depois, ao lado desse mesmo sujeito, Messerschmit teria tido que procurar um abrigo antiaéreo enquanto um pesado e canhestro Thunderbolt P-47 semeava o terror em Berlim, levando o sujeito a virar pro engenheiro e dizer: "eis aí sua porta de celeiro". Pois era exatamente essa a filosofia americana pra aeronaves: pegue um motor, envenene-o até não poder mais, depois circunde-o de armamento e blindagem e manda pra briga. Deixa essas frescuras de manobrabilidade com aqueles europeus decadentes, afinal, quando eles virem um P-47 subindo mais rapidamente do que eles pra em seguida mergulhar incomparavelmente, com suas oito metralhadoras cuspindo uma barragem de fogo, aparentemente imune a tudo que se atira contra ele, quem vai estar preocupado com raio de curva?


Minha irmã posa ao lado de um Thunderbolt para dar sua escala e mostrar a preferência americana pelos aviões grandes, pesados, canhestros, mas cheios de potência, blindagem e armamento. Um P-40 é muito menor

A mesma coisa se aplicava ao resto. Seu fuzil era o melhor e mais prático. Seus canhões eram simples e eficientes. Seu tanque, o Sherman, é verdade nunca foi tão bom quanto os tanques alemães (calculava-se que seriam precisos 4 Shermans pra derrotar um Panzer VI Panther). Mas os Panteras eram caros e difíceis de produzir; exigiam muito mais material pra serem construídos; eram tão sofisticados que eram sujeitos a muito problemas mecânicos; enfim, raramente os boches conseguiam alinhar um Pantera contra menos do que 4 Shermans. O desenho modular deste, entretanto, permitia que fosse atualizado constantemente, mudando blindagem, suspensão, canhão, metralhadora, mira, tudo enfim, muito facilmente. Ainda nos anos 70 e início dos 80, em sua versão Super Sherman, esse blindado ainda estava na primeira linha de exércitos poderosos como o de Israel.

Um Sherman no museu militar Conde de Linhares, em frente à Quinta da Boavista

(1) Os japas também adotaram o motor radial, mas seus pilotos preferiam aeronaves mais manobráveis, o que levou os desenhistas japoneses a rebolar para criarem maravilhas como o Zero, miraculosamente esguio apesar do frontão redondo, capaz de curvas fechadas e altas velocidades numa embalagem pequena e mortal. No entanto, tão perfeito e preciso era o desenho que mexer em quase qualquer coisa ali estragava tudo e, como consequência, o Zero, senhor inconteste dos céus no começo da guerra, em cerca de um ano já tinha virado caça dos aviões americanos, constantemente aperfeiçoados, adaptados e atualizados pela miríade de engenheiros que os estadunidenses tinham à disposição para aproveitar os recursos vastos de seu fabuloso parque industrial.

1 comentário:

Cesar Mayhem disse...

ok,quantos aos aviões até concordo...se não mencionar o ME-262.. mas quanto aos tanques pergunte a um tanquista veterano americano o que ele preferiria ter nas mãos o Shermam que pegava fogo no primeiro tiro que tomasse matando a tripulação em segundos ou um Pantera ou Tiger que eram quase invuneraveis aos Shermans? sabe que existe historias de tanquistas alemães com mais de dezenas ou centenas de vitorias sobre os tanques americanos.. a unica vantagem americana era em numeros...pode parecer uma otima vantagem, mas vc não pensaria em termos de numeros se fosse um tanquista com uma maquina muito inferior e sua vida fosse apenas um "numero"