março 13, 2008

Longas de Animação

Tanta gente falou bem de Ratatouille que fiquei decepcionado. A fita segue uma já familiar "fórmula" dessas animações de computador, sobre um rato/robô/monstro/peixe/formiga com aspirações mais altas do que aquelas a que está destinado e sua luta para seguir seu sonho. A repetição torna o esquema cansativo e, enquanto produto da Pixar, o desenho é bem melhor do que os chatíssimos Espanta-Tubarões e Robôs, por exemplo, mas estruturalmente falho. Tem um vilão que praticamente desaparece pouco depois do meio do longa, diálogos e situações repetitivas e cenas que perdem a hora de terminar. Mas o pior está nos extras do DVD. A entrevista do diretor, Brad Bird, falando sobre como animação deveria ser levada mais a sério, ser considerada arte como qualquer filme, que não é só para cranças etc.

No nosso mundo tão pop e pós-moderno em que existem mais artigos e teses sendo feitos sobre Star Trek, super-heróis e Os Simpsons do que Godard e Henry Moore, fica difícil de acreditar que ainda não se leva animação a sério. Fitas recentes como A Viagem de Chihiro e Os Incríveis, do próprio Brad Bird, foram incluídas em tudo que era lista de melhores do ano. O Brad, aliás, também tem em seu currículo o decantadíssimo The Iron Giant e um trabalho Consultor Criativo na obra-prima dos bonequinhos desenhados, o já citado Simpsons. Também costumam frequentar listas de melhores de todos os tempos obras como Fantasia e Branca de Neve. Mas esse ressentimento traído nas entrevistas do DVD parece ser o motor de Ratatouille e sua tão completa subordinação à mensagem de que das mais desprezadas áreas pode surgir um gênio.

Rataouille pelo menos foge ao humor óbvio referencial que outras linhas de animação digital seguem. Shrek II é o melhor (aliás, pior) exemplo disso, já que praticamente todo humor é extraído de imaginar como seriam as coisas do nosso mundo no País do Faz-de-Conta. O primeiro é ótimo e engraçado, mas me lembro que saí do cinema com algo me perturbando. A príncípio pensei que a sátira aos ícones dos contos de fadas (o que me irritou um pouco, já que no nosso subconsciente coletivo e no design dos personagens eles estão indelevelmente ligados a Disney e é muito fácil satirizar propriedade de um estúdio concorrente), ou a idéia incomum (e saudável) da princesa abrindo mão de sua beleza física para ficar com o homem (???) que amava, mas depois começou a ficar mais claro para mim que o filme faz uma apologia não só do padrão estético do ogro, mas também de seu estilo de vida; em suma, celebra tudo aquilo que Matt Groening & cia. criticam (com carinho e compreensão, mas inegavelmente criticando, como no pesadíssimo episódio da morte de Frank Grimes) no Homer Simpson. Shrek I muitas vezes celebra o egoísmo, as pequenas trapaças, a mesquinhez e a rabugice.

Mas isso é o de menos, o filme afinal é bom e, apesar de tudo, confronta a mesmice. O pior de todos, aquele cujo final me deixou chocado e boquiaberto mesmo, foi Madagascar. Os pinguins psicopatas são engraçadíssimos, é verdade, e, como bons comediantes da velha guarda, sabem dosar suas aparições, o suficiente para deixar uma forte impressão e nos deixar com gosto de "quero mais". O resto, entretanto, é insuportavelmente tedioso e ainda por cima coroado com a mais revoltante apologia ao conformismo já feita (1) - a de que o bom da vida é ficar preso numa gaiola de ouro. Instintos selvagens? Larga disso, liga a tevê. A hipocrisia da fita é tão incomensuravelmente grande que mostra como um dos riscos de tentar viver por si próprio a vontade de acabar devorando (literalmente) seus amigos, o leão que começa a querer comer a zebra. Entretanto, no final ele acaba voltando à sua jaula e aos seus tão queridos e sonhados bifes. Só que nunca lhe ocorre perguntar de onde vêm os seus inofensivos bifes, que TÊM QUE VIR DE ALGUM ANIMAL. Talvez porque não faça diferença, já que ele não conhece o bicho de onde veio aquele filé - as únicas vidas que importam são as dos conhecidos (extrapolando, é raciocinando assim que se prepara o pensamento para a idéia de que matar 80 mil civis iraquianos não faz diferença desde que com isso esteja se aumentando a segurança dos compatriotas, o que, aliás, não tem nada a ver, já que o Iraque não tinha nada a ver com a Al Qaeda, mas resolvi fazer esta extrapolação só pra irritar o Marquinhos). Notem que os farristas lêmures, ou suricatos, não me lembro que bichos eram aqueles festeiros, no fundo só querem se aproveitar dos heróis do desenho. Lição 2: não confie nesse pessoal boêmio.

Ratatouille, ao contrário do brilhante Os Incríveis (um filme sobre crise de meia-idade; não por coincidência, me fisgou completamente), segue uma fórmula que já está cansada, mas Madagascar é o fim. Parece propaganda republicana. Lavagem cerebral. Uma ode ao conformismo e à mediocridade. Pais, tomem cuidado. Afastem seus filhos dessa fita.

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