março 06, 2008

Padilha na Playboy

O diretor de TROPA DE ELITE, o José Padilha, explica que fascismo é um sistema político que quer tomar o governo, enquanto ele fez um filme sobre cem policiais violentos e uma polícia corrupta, logo uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Será? Fascismo, como os letrados leitores deste blog devem saber, vem de fáscio, um machado cerimonial, creio que romano, estou com preguiça de pesquisar agora. O tal machado possuía uma lâmina central sustentada por várias hastes finas em volta e por isso foi escolhido como símbolo do movimento político: representava o guerreiro, cerne da sociedade, apoiado pelos civis. Como no romance SOLDADO DO ESPAÇO, somente pode ser considerado cidadão aquele capaz de interpor seu corpo entre sua casa e o inimigo.

Com vários países democratizados à força após a guerra de 14-18 empobrecidos com os quatro anos do mais sangrento confronto da história até então, não foi difícil convencer um monte de europeus que somente um líder com uma visão e moral guerreiras poderia impor ordem à sociedade. Tudo bem que tinham sido os regimes autoritários que tinham levado a Europa à I Guerra Mundial, mas esse povo liberal tinha tido o quê, dez anos pra botar ordem na casa e não tinham conseguido (ajudou muito que o conflito tivesse acabado na disputa de pênaltis; os derrotados alardearam que foram apunhalados pelas costas pelos civis que não podiam aguentar uns sacrificiozinhos de um total embargo comercial e de fornecer carne de canhão para o fronte). Rua neles! Vamos organizar isso à força!

TROPA DE ELITE mostra como única força capaz de combater a desordem no Rio de Janeiro o BOPE. Seus soldados são incorruptíveis, imbuídos de uma admirável moral guerreira e com uma clareza de objetivos que perdoa qualquer ato questionável que possam cometer. Estão cercados por uma sociedade corrupta (chega a ser risível a cena dos oficiais da PM comendo lagostas enquanto os futuros bopistas tentam sinceramente ajudar a polícia no quartel, mas não conseguem por causa dos devoradores de crustáceos) ou conivente, como os burguesinhos estudantes de Direito e militantes de ONGs, cujo consumo de drogas alimenta a máquina criminosa (pra ter tanto bandido no Rio a quantidade de burguesinhos universitários com consciência social deve ser maior do que em Nova York).

Para os bopistas, a situação fica difícil quando lhe faltam as hastes para segurar a lâmina - as constantes reclamações da mulher prestes a ter filho vão lhe comendo sua moral guerreira. Mas felizmente a corporação já lhe apresenta os sucessores. Como bons guerreiros-salvadores-da-sociedade, os dois aspirantes se destacam espontaneamente dentre a corrupção generalizada e uma dura mostra da realidade social (você está sozinho contra esses decadentes hipócritas; só o BOPE salva) e a tradição continua. É claro que antes eles terão que passar por testes que comprovem que têm o que necessitam para serem considerados parte da elite, mas eles conseguem.

A mensagem fascista é clara e transparente. Menos do que uma discussão do estado das coisas, graças ao maniqueísmo claro, com o ar sempre indiferente e vulnerável da burguesia, o filme é mais uma celebração do fáscio. Todos esses filmes e obras de arte que celebram um elitismo, a superioridade de um tipo de gente sobre o outro, aliás, me incomoda, incluindo aqueles em que somente os verdadeiros apreciadores da arte e cultura é que sabem a verdade e fazem a festa do povo que vai ao Estação.

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