janeiro 07, 2012

O Buda Sorridente

Publicado originalmente no blogue de história da Editora Record, editado pelo blogueiro

Quando se fala em Buda, a maioria das pessoas sem olhos puxadinhos imagina logo essa figura aí embaixo. Mas esse na verdade não é O Buda, e sim UM Buda. Não o príncipe hindu Sidarta Gautama, o fundador do budismo, mas um monge chinês excêntrico e bem-humorado. E obviamente com uma assessoria de marketing muito melhor.


Sidarta Gautama começou a perambular em busca da iluminação aos 29 anos. Como o mesmo aconteceu com Jesus, o fim da juventude parece ser realmente um tremendo incentivo para se tentar descobrir o sentido da vida. Sidarta, ao contrário de seu assemelhado ocidental, ainda lidava também com o nascimento de seu primeiro filho, acontecimento que marca emocionalmente o verdadeiro fim da adolescência.

A decisão de Sidarta em buscar a iluminação veio quando saiu pela primeira vez de seu palácio e viu um idoso, um doente e um cadáver, o fim de todos nós. Assim, como Santo Agostinho faria depois, largou mulher e filho e foi se dedicar à salvação espiritual. Inicialmente, como era comum em seu tempo e região, através do ascetismo. Renegar as tentações materiais era considderado um grande primeiro passo para a meditação. No entanto, os hindus levavam a prática ao extremo e tonteiras, fraqueza e certamente a distração proporcionada por contrações abdominais acabaram convencendo Sidarta de que este não era o verdadeiro caminho. Principalmente depois que ele desmaiou num rio e quase se afogou. Uma famosa história contada a respeito diz como uma criança que ia passando viu aquela figura tão emaciada e pálida e lhe ofereceu alimento achando que fosse um espírito. O ex-príncipe então, embora sob padrões estrangeiros, ainda mais os da nossa socidade de consumo, pudesse ser considerado um asceta radical, para seus conterrâneos passou a ser visto quase como um glutão, perdendo quase imediatamente o respeito e os seguidores que já havia angariado.

Mas eles estavam errados e em pouco tempo Sidarta alcançaria a verdadeira iluminação e passaria a ser considerado como a reencarnação da sabedoria - o Buda. Sua doutrina original era simples e facilmente reconhecível por judeus, cristãos, muçulmanos e religiosos em geral com uma tendência mais mística e ecumênica: todas as misérias e descontentamentos da vida vêm do egoísmo pessoal. É a renúncia aos desejos baixos que levará à compreensão de que a morte não é o fim, porque fará o universo da pessoa parar de girar em torno de sua existência. Como já diz H. G. Wells, “o Nirvana não significava (...) extinção e aniquilamento, mas a extinção e aniquilamento de fúteis objetivos pessoais que tornam a vida inevitavelmente mesquinha e lastimável (...) Toda religião digna do seu nome, toda filosofia nos avisa e nos ensina que devemos nos perder a nós mesmos em qualquer coisa maior do que nós próprios: ‘todo aquele que salvar sua vida, perdê-la-á’ é, exatamente a mesma lição” (História Universal). Mas, assim como aconteceria depois com outras religiões, seguir à risca os ensinamentos de Gautama era considerado muito difícil pela maioria das pessoas e logo surgiram variantes incluindo figuras semidivinas e rituais que garantiriam a salvação da alma.

De qualquer forma, apesar de ser considerado um ponto decisivo na vida do Buda o momento em que ele descobre que a mortificação e a fome não são a resposta, ainda assim sua doutrina condena exatamente a busca insaciável do prazer - aí incluída a gula, não por coincidência também um dos nossos sete pecados capitais. Sidarta se alimentava pouco e, mesmo quando ainda um mimado filho de rico, sempre foi magro, como na imagem abaixo.


O Buda Sorridente, como é conhecido aquele ícone rotundo tão mais conhecido por nós ocidentais, é a representação de um monge chinês excêntrico, adorado pelas crianças, de nome Chi Tzu, que teria vivido no século X. Cedo ainda em sua vida monástica ele teria alcançado a iluminação e se tornado o receptáculo da sabedoria, um Buda, enfim. E sendo um homem em estado de plenitude, ele era feliz e bem-humorado, uma ideia que nos parece estranha. Religião e espírito sempre foram considerados assuntos tão sérios que nos parece paradoxal que alguém que já resolveu a salvação de sua alma e tenha perdido o medo da morte seja uma pessoa alegre. Jesus se dava ao trabalho de transformar água em vinho para não estragar uma festa e era cheio de amor por toda a humanidade, mas cismamos que um sujeito assim devia ter sempre uma expressão séria e severa.

A maior estátua do Buda, com 50 metros de altura e em pé, ficava no Afeganistão e foi destruída pelo Talibã apesar de apelos até de organizações islâmicas. Atualmente está se tentando sua reconstrução

Talvez por isso a figura do Budai, ou Hotei, títulos honoríficos atribuídos a Chi Tzu, seja tão popular. A ideia da religião de buscar a iluminação é também uma busca da felicidade e iluminados felizes não deixam de ser convincentes. Não à toa bom humor é considerado sinal de inteligência. Como já contava aquela parábola zen sobre um monge fugindo de um tigre que corre até um precipício e fica pendurado agarrado a um cipó, vê que lá embaixo tem outro tigre esperando por ele, nota que um rato está roendo o cipó e, ao perceber um pé de morangos, pega um e o prova, saboreando-o absorto e deliciado, a vida é curta e deve ser aproveitada - e curtida - com despreocupação quanto ao seu fim garantido.

Se você tiver maiores informações sobre o assunto e sobre os ensinamentos desses budas, esteja à vontade para explicar nos comentários.

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