maio 17, 2012

Este é um Mundo Aterrorizante, Portanto Vamos Mantê-lo Assim

Matéria publicada originalmente no blogue de história da Editora Record

O blogue publicou não faz muito tempo esta materinha sobre filmetes educacionais americanos dos anos 50 alertando sobre como sobreviver a uma guerra nuclear - bastava abaixar-se e cobrir-se. Hoje pode parecer criminoso que as autoridades responsáveis fossem tão inconsequentes quanto aos efeitos de um holocausto atômico. Mas estava-se em guerra, ainda que numa guerra fria. Muito piores e por si sós uma justificativa para o movimento do politicamente correto eram os curtas de Sid Davis.

Personalidade exuberante e amigo de John Wayne e outros ícones conservadores, Sid Davis começou sua carreira ao saber do sequestro de Linda Glucott, uma menina de seis anos assassinada por Fred Stroble, um famoso caso dos anos 50. Com mil dólares emprestados pelo maior caubói de todos os tempos (sorry, Clint Eastwood), Davis produziu um filmete alertando às crianças que não confiassem em estranhos, The Dangerous Stranger, ilustrando a monótona narração com diversos casos que mostravam alguns pimpolhos sendo levados por desconhecidos, alguns sendo resgatados e outros dos quais nunca mais seus pais e amigos ouviram falar (caramba, essas coisas eram exibidas em escolas!).

Com o milhar de dólares do Duke, Davis lucrou 250 mil (!!!) vendendo o curta para escolas e departamentos de polícia (1). Foi o começo de uma carreira que se estendeu por décadas e rendeu mais de 250 obras, como essa aí abaixo, alertando garotos sobre o pior perigo de todos... os (gasp!)... homossexuais!



Para quem quer saber por que existem coisas como "Paradas de Orgulho Gay", basta prestar atenção à narração monótona explicando o perigo que o pobre garoto está correndo ao entrar no carro do sujeito amistoso - "ele não sabia que Ralph era doente - uma doença não tão visível quanto varíola, mas não menos perigosa e contagiosa: Ralph era homossexual (...)".

Os filmetes de Davis, todos nessa linha, eram famosos também por seu alarmismo. Um de seus curtas mostra um pai carinhoso chegando em casa para ver sua filha correndo em sua direção de tesoura na mão, só para tropeçar e enfiá-la na barriga. Em suma, toda sua obra mostrava que o mundo era um lugar perigoso e inconfiável. Os objetos mais banais, as pessoas mais bem intencionadas, tudo era fonte de medo e pânico. Não confie em nada e em ninguém era o subtexto de todas as suas produções.

O que acaba soando como um paradoxo. Davis era obviamente um conservador. No entanto, em seu ponto de vista, o mundo era um lugar aterrador e perigoso. Então por que tanto esforço em CONSERVAR um planeta como esse? Não era hora, talvez, de uma reforma? De se tentar coisas novas? Uma abordagem diferente?

E foi o que acabou acontecendo, apesar de todos os conselhos de Sid Davis. Sua visão no fundo pessimista do sonho americano acabou ultrapassada pelos tempos e pelos novos comportamentos. Mas tão exibidos foram seus filmetes que deixaram uma impressão indelével na cultura americana, sendo alvo de sarcasmo até hoje em séries como OS SIMPSONS ou comédias como COM A BOLA TODA. As crianças de hoje em dia têm discernimento não só para lidar com tesouras e com a internet como até com o (involuntariamente) cínico e niilista Sid Davis.

(1) Também marcaram época na cultura americana os curtas "educacionais" sobre comportamento no trânsito feitos pela polícia em que vítimas horrivelmente mutiladas de batidas, presas nas ferragens, eram mostradas longamente para que as crianças aprendessem como dirigir direitinho.

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