maio 08, 2012

O Acusado

Cassiano Ricardo


Quando eu nasci, já as lágrimas que eu havia 
De chorar, me vinham de outros olhos. 


Já o sangue que caminha em minhas veias pro futuro 
Era um rio. 


Quando eu nasci já as estrelas estavam em seus lugares 
Definitivamente 
Sem que eu lhes pudesse, ao menos, pedir que influíssem 
Desta ou daquela forma, em meu destino. 


Eu era o irmão de tudo: ainda agora sinto a nostalgia 
Do azul severo, dramático e unânime. 
Sal — parentesco da água do oceano com a dos meus olhos, 
Na explicação da minha origem. 


Quando eu nasci, já havia o signo do zodíaco. 


Só, o meu rosto, este meu frágil rosto é que não 
Quando eu nasci. 


Este rosto que é meu, mas não por causa dos retratos 
Ou dos espelhos. 


Este rosto que é meu, porque é nele 
Que o destino me dói como uma bofetada. 
Porque nele estou nu, originalmente. 
Porque tudo o que faço se parece comigo. 
Porque é com ele que entro no espetáculo. 
Porque os pássaros fogem de mim, se o descubro 
Ou vêm pousar em mim quando eu o escondo.

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