julho 30, 2012

Tempos Interessantes

(do começo de A Divina Comédia)


De minha vida em meio à jornada,
Achei-me numa selva tenebrosa,
3 Tendo perdido a verdadeira estrada.

Dizer qual era é cousa tão penosa,
Desta brava espessura a asperidade,
6 Que a memória a relembra inda cuidosa.

Na morte há pouco mais de acerbidade;
Mas para o bem narrar lá deparado
9 De outras cousas que vi, direi verdade.

Contar não posso como tinha entrado;
Tanto o sono os sentidos me tomara,
12 Quando hei o bom caminho abandonado.

Depois que a uma colina me cercara,
Onde ia o vale escuro terminando,
15 Que pavor tão profundo me causara.

Ao alto olhei, e já, de luz banhando,
Vi-lhe estar às espaldas o planeta,
18 Que, certo, em toda parte vai guiando.

Então o assombro um tanto se aquieta,
Que do peito no lago perdurava,
21 Naquela noite atribulada, inquieta.

E como quem o anélito esgotava
Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
24 Olha o mar perigoso em que lutava,

O meu ânimo assim, que treme ansioso,
Volveu-se a remirar vencido o espaço
27 Que homem vivo jamais passou ditoso.

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