agosto 07, 2009

Eu Sou um Babaca Que Não Faz Porra Nenhuma pelo Semelhante

O Rio de Janeiro nos anos 70 ainda não era uma metrópole globalizada. De dia faltava água e de noite faltava luz (lembro que faltou luz quando meu pai queria ver a chegada dos campeões de 70). Nós crianças invadíamos os quintais abertos das casas para lá fazer nosso forte apache e os donos da casa vinham nos trazer limonada. Seu Badia, em sua bicicleta triciclo com uma enorme caixa vendia pão para as donas de casa. O leiteiro deixava leite tipo C na porta das casas. As portarias eram abertas a qualquer um e com isso vendedores de enciclopédia e de visores 3-d tocavam sua campainha e alugavam você por horas. Um maluco local fazia pequenas compras e pequenos serviços para as donas de casa. A maioria das mães ainda não trabalhava fora, mas ainda assim mesmo classe média baixa como a gente tinha (nós, só nos tempos de vacas gordas) empregada que morava – real ou virtualmente - na casa. E uma vez, uma delas, chegada do interior, uma prima de uma empregada de alguém que queria que ela subisse na vida e a indicou para nós, tentou apagar a luz da sala subindo num banquinho e soprando a lâmpada. Não sabia como funcionava iluminação elétrica.

E não era só isso – a imensa maioria das empregadas domésticas era analfabeta. Mesmo nos anos 80, quando comecei a trabalhar no TRT, era muito comum que testemunhas assinassem seus depoimentos com a digital. Essa época passou. No Rio de Janeiro a chance de haver algum interiorano que não saiba como se apaga uma lâmpada deve ser próxima de zero. E mesmo os mais humildes sujeitos que vão depor conseguem pelo menos desenhar o nome com letra infantil. E, apesar das mães de classe média terem se enfiado no mercado de trabalho, a maioria delas passou a se contentar com uma empregada diarista que vai duas ou três vezes na semana, graças à difusão dos eletrodomésticos cada vez mais baratos e versáteis.

E justamente por causa de toda a parafernália eletrônica que começou a dominar nossa vida a educação dos pobres mudou. Eles passaram de alguma forma a ter televisão e ver que o mundo era maior do que sua vizinhança. Eles foram obrigados a se alfabetizar porque hoje em dia até auxiliar de serviços gerais tem que saber usar computador. Empregadas têm que programar a máquina de lavar, a lavalouça, o microondas e saber distinguir o iogurte light do comum no supermercado.

O problema é que o serviço ficou pela metade. Ensinaram-nos a ler, mas não a escrever. Ensinaram-nos que havia um mundo lá fora, mas não que também pertencia a eles. Ensinaram-nos o suficiente para que eles percebessem o que estavam perdendo e o que nunca teriam. Como fizeram com sua cidadania. Deram-lhes o direito de votar – nada mais - e agora reclamam que eles elegem parlamentares suspeitos. Não é coincidência que o grande crescimento das favelas se deu a partir dos anos 80, quando, primeiro, voltaram as eleições livres e diretas, a partir de 1982, e depois quando deixaram até mesmo analfabetos votarem. Antigamente eles não tinham documentos, não tinham ideia, não sabiam que a verdade – ou melhor, a sociedade de consumo – está lá fora. Pois grande parte de sua instrução veio através da propaganda e do merchandising dos programas de tevê.

O mundo mudou, eles mudaram, mas nós continuamos os mesmos – gritando por muros e sonhando com hoje impraticáveis remoções de favelas, de preferência para o Rio da Guarda. E lembrando com nostalgia daqueles pobres humildes que tentavam apagar lâmpadas soprando-as e baixavam a cabeça quando o ônibus dos alunos do Santo Inácio passava por dentro da favela da Catacumba – pequena e com barracos de madeira.

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