pelo blogueiro convidado Roger Filósofo
Por volta dos anos 1960, a teoria dos jogos estava apenas começando a ser divulgada fora dos círculos acadêmicos e militares. A novidade do assunto não impediu - pelo contrário - que os audaciosos roteiristas de Jornada nas Estrelas, ainda que intuitivamente, proporcionassem ao capitão da Enterprise a chance de por em prática algumas das estratégias sugeridas por autores como John von Neumann e Thomas Schelling, autor de The Strategy of Conflict (A Estratégia de Conflito, 1960) e nobel de economia de 2005. Eis que vai ao ar em novembro de 1966 O Ardil Corbomite – roteiro de Jerry Sohl -, episódio em que é lançada uma manobra que fará James Tiberius Kirk (William Shatner) famoso em toda frota estelar.
Tal ardil consistia em usar a comunicação de uma maneira eficaz, conforme sugestão dos teóricos dos jogos, para anunciar um recurso de dissuasão das intenções de ataque por parte de um outro agente adversário. A corbomite seria uma falsa substância supostamente instalada na nave que funcionaria como um dispositivo automático de autodestruição, cujo impacto atingiria mortalmente quem a atacasse. Algo como a máquina do juízo final do filme altamente recomendável Dr. Fantástico (964), de Stanley Kubrick.
Ao transmitir essa informação à superpoderosa nave Fesarius – de uma desconhecida civilização pertencente à chamada Primeira Federação - que o ameaçava, Capitão Kirk cria uma atmosfera de incerteza sobre a sua verdadeira eficácia, modificando o cenário do jogo de estratégia que vinha enfrentando até então contra a figura do “temível” Balok (Clint Howard, irmão caçula do diretor Ron Howard, de Uma Mente Brilhante, O Código de Da Vinci e Anjos e Demônios). Em vez de xadrez – um jogo de informação perfeita, onde todos sabem em qual posição se encontram e o estoque de movimentos disponíveis até o final da partida -, agora a situação muda para uma configuração típica dos jogos de carta como pôquer. Transformando a negociação em um jogo de informação imperfeita, sem serem capazes de prever cada passo dos agentes envolvidos, as partes não conseguem mais ter certeza sobre qual será o próximo lance que devem tomar e quais resultados alcançarão, tornando possíveis estratégias como blefar.
Na ficção, tudo soa a uma brincadeira de criança disputada por adultos ou civilizações avançadas. Mas durante as décadas cruciais que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a humanidade testemunhou a Guerra Fria travada por duas potências nucleares, com lances mirabolantes da corrida armamentista. Falsas ogivas nucleares e armas estranhas (alguém se lembra da bomba de nêutrons) que nunca saíram do papel eram anunciadas apenas para provocar maior desgaste e apreensão de lado a lado. O projeto “Guerra nas Estrelas” foi um dos últimos movimentos articulados, nesse sentido, que muito contribuiu para a derrocada final da antiga União Soviética (URSS), exaurida economicamente em 1989.
A tática da dissuasão é uma das muitas estratégias de conflito que são analisadas por teóricos dos jogos. A teoria dos jogos que começou suas pesquisas com “ingênuos passatempos”, como xadrez e pôquer, se tornou uma poderosa ferramenta à disposição das ciências mais avançadas, seja na biologia evolutiva ou na inteligência artificial. Jornadas nas Estrelas, na esteira de alguns visionários, fez representar neste episódio, como também em Um Gosto de Armagedom, os recursos que um estrategista habilidoso pode empregar para vencer a guerra ou manter a paz. Como já sabia o filósofo inglês Thomas Hobbes, o medo da guerra generalizada de todos contra todos leva os seres racionais a buscarem um acordo e abrirem mão de se destruírem uns aos outros. A corbomite, mesmo sendo um blefe, é um bom exemplo como a comunicação pode ser utilizada com inteligência para dissuadir os beligerantes e convencê-los das vantagens de uma paz duradoura. Sobretudo em ambiente de incerteza, no qual o equilíbrio das forças e o temor do aniquilamento mútuo são conceitos chaves para o entendimento das imprevisíveis consequências de uma batalha real.
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