agosto 14, 2009

Se Nada Mais Der Certo

Crítica publicada originalmente na Revista Zé Pereira durante o Festival de Cinema do Rio de 2008:

Rapaz, estava falando ainda outro dia, na crítica do “Vingança”, do povo que cresceu nos anos 80 vendo filme noir, lendo Bukowski, então sendo lançado aqui pela Braziliense, e colecionando as primeiras “graphic novels” a aparecer nestas plagas, e de como suas tentativas de contar histórias transpondo o herói sensível, cínico e ultra-romântico que eles tanto admiravam para as telas trouxe resultados aquém do esperado. Pois não é que 20 anos depois finalmente eles estão conseguindo?

E a influência desses ícones aí em cima no “Se nada mais der certo”, de José Eduardo Fonseca, é tanta que em dado momento os personagens se embebedam com a ajuda da “vodka Bukowski”. O velho Buk não tinha simpatias por povo de classe média metido a ser verdadeiro marginal, como o jornalista duro protagonista do longa, mas a coisa (quase) toda é tão bem feita que consegue desviar-se da auto-exaltação e da auto-piedade, as armadilhas escondidas na folhagem de quem resolve contar uma história seguindo com esse tipo de herói.

Sim, porque o jornalista que Cauã Reymond defende bem é claramente alter ego dos criadores e figura de identificação da platéia. Vez por outra o roteiro escorrega em seu romantismo ético, como quando deixa claro que ele não se deita com nenhuma das duas mulheres de quem passa o filme cuidando, uma delas inclusive morando com ele, uma moça bem neurótica, e não é pra menos, o sujeito por quem ela obviamente sente atração não toma nenhuma atitude...

Mas isso é detalhe. Usando a hoje em dia já tradicional câmera de vídeo tremida e desfocada e edição nervosa, a fita segue a vida de alguns personagens que se encontram por acaso – a moça de sexualidade duvidosa que faz alguns aviões, um taxista depressivo, o jornalista duro, e como eles formam uma família postiça. O jornalista volta e meia mostra romantismo e dignidade demais, como quando faz um discurso contra se vender à sociedade de consumo (felizmente de apenas umas duas linhas) ou não consegue desempenhar quando um amigo patrocina uma ida ao bordel, mas a vontade dele de fazer amizade com todo mundo e a óbvia alegria que ele e os outros habitantes da fita sentem em companhia um dos outros conseguem nos vender esse universo fílmico de desajustados felizes por encontrar seus iguais.

Como sói acontecer nos filmes noir e graphic novels que influenciaram os criadores de “Se nada mais der certo”, a história acaba descambando para crimes, aventuras e armadilhas do destino. A trama é bem recheada de incidentes e não se detém muito em nenhum deles a ponto de nos fazer pensar em sua verossimilhança ou se são tão importantes, mantendo nosso interesse e atração. E, importante, mantém o ar regional, escapando de outro erro normal nesse tipo de fita, a exposição da alienação do artista, incapaz de se libertar da influência da cultura americana, presente o tempo todo, é claro, mas filtrada por olhos de metrópole do terceiro mundo.

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