setembro 18, 2011

O Morro do Alemão e a Blitzkrieg Alemã

Já que a ocupação militar do Morro do Alemão voltou à berlinda esta semana, vale aqui republicar uma análise sobre a operação inicial, quando houve por uma parcela da população um certo ressentimento por não terem sido os criminosos fugitivos alvejados pelas costas ao deixarem seus covis:

Teve gente chamando a ocupação do Morro do Alemão de blitzkrieg. É uma comparação extremamente incorreta, com o articulista citando o elemento surpresa como a principal semelhança. No entanto, qual exatamente o elemento surpresa se os órgãos de segurança já haviam avisado com antecedência que iriam invadir a comunidade e usando blindados para ultrapassar as barreiras?

Não, na verdade, sob este aspecto, a operação foi na verdade um antiquado e pouco criativo ataque frontal, na melhor tradição clausewitziana de concentração de forças, ou seja, "junta todo mundo e vamos dar um pau nesses caras!" Este conceito foi justamente o que foi ultrapassado na blitzkrieg, conforme artigos aqui já postados, mas, apesar de tudo, pode-se dizer que, pelo menos em seu espírito de aproximação indireta, o povo que concatenou a invasão do complexo de favelas baseou-se na guerra-relâmpago dos homônimos do Morro.



Aproximação indireta, defendida no clássico "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, com sua versão moderna preconizada por Samuel Fuller, desenvolvida por Sir Basil Liddel Hart e aplicada pela Wermacht na II Guerra, consiste justamente em evitar custosos ataques frontais às posições mais fortes do inimigo. O pensamento militar em voga desde o século XIX era o de aniquilar o exército adversário com um golpe poderoso, buscando-se atingi-lo em seu ponto mais forte para obter uma vitória decisiva. Ataques a posições secundárias seriam perda de tempo, sob este ponto de vista.

Então, quando se fala em "surpresa" na blitzkrieg alemã da II Guerra, não é para dizer que os nazistas atacavam quando ninguém esperava - pelo contrário, os anglofrancos ficaram esperando desde 1939 o ataque na frente ocidental que só se concretizou em maio de 1940, e sim porque os hunos buscavam os pontos fracos do inimigo, para se infiltrar em suas linhas e desbaratar seus exércitos sem a necessidade de ficar trocando golpes justamente onde o adversário era mais forte e mais baixas poderia causar.

Por exemplo, no fronte ocidental, estando toda a fronteira franco-alemã fortificada com a Linha Maginot, os aliados esperavam que os teutões repetissem o Plano Schlieffen de 1914 e avançassem pela Bélgica. Assim, os anglogauleses mandaram a maior parte de seus exércitos para os Países Baixos, no Norte, e deixaram apenas forças leves para dar apoio aos fortes fronteiriços, no Sul. Entre os dois grupamentos de forças, havia uma florestinha cheia de morrotes, as Ardenas, que os estrategistas do lado de cá julgavam um obstáculo que atrasaria a marcha da infantaria e proibiria o uso de blindados.

Mas para os alemães aquela região era mais ondulada do que intransponível e jogou suas forças blindadas por ali, escoando-as entre os exércitos aliados na Bélgica e os fortes Maginot, passando a menos de 15 quilômetros das fortificações. No entanto, a velocidade dos blindados tornou qualquer reação francesa impraticável e, mesmo com a infantaria vindo bem atrás, foi impossível um contra-ataque de flanco porque os tanques desbaratavam e desorganizavam os quartéis-generais e as forças de infantaria por onde passavam, mesmo que não viesse ninguém imediatamente atrás para ocupar o terreno.

Deixando então os alemães de lado e voltando ao Morro do Alemão, a aproximação indireta usada pelas polícias foi justamente avisar que iria entrar de qualquer jeito e usando blindados, para dar tempo para os traficantes fugirem. Um ataque repentino certamente causaria uma reação instintiva do Movimento e poderia acarretar baixas não só entre os combatentes (a que ponto chegamos) como também entre os civis, justamente o que o governo não queria e que sempre atravancou os planos para se pacificar aquelas imensas comunidades. Trabalhadores mortos às pencas e suas famílias acusando os PMs inviabilizaria qualquer tentativa ulterior de se repetir a operação, desmoralizaria as forças governamentais e aumentaria a aura de invencibilidade dos criminosos.

Da maneira que foi, a vitória foi completa e total. Os traficantes fugiram da Vila Cruzeiro atônitos e atarantados, carregando somente o que podiam levar nas mãos e sem tempo de planejar uma contraofensiva. A invasão do Morro do Alemão em seguida desbaratou completamente suas forças. Sem dinheiro, armamento, contatos, drogas, base de operações e sob contínua pressão, há muito pouca coisa que os traficantes fugitivos possam fazer, a não ser que alguém acredite que eles realmente sejam super-homens, entes com força de vontade e intelecto superiores, capazes de, do nada, construir em poucos dias um Império do Mal. Nem o Imperador Palpatine foi tão rápido.

Agora, o que aconteceria se a polícia metralhasse os traficantes em fuga, o movimento com que tanta gente sonhava e que aparentemente causaria orgasmos de vingança nos apresentadores da tevê cristã que fazia a cobertura?

Belisário, o mais genial general da Antiguidade Tardia, o homem que reconquistou a Itália pro Império Bizantino, que destruiu os poderosíssimos persas partas, sempre com forças numericamente inferiores, certa vez impediu um flanqueamento por estes últimos com uma rápida movimentação estratégica. Tendo construído uma rede de estradas e treinado incessantemente suas forças priorizando sempre a mobilidade, conseguiu alcançar Antioquia antes que os partas, aliados aos sarracenos, lá chegassem, numa manobra de aproximação indireta, atravessando o "intransponível" deserto.


Belisário viveu na Antiguidade Tardia, antes da invenção da perspectiva

Longe de suas bases e com suas linhas de comunicação e suprimentos esgarçada e sob pressão, os persas desistiram de tentar a conquista de Antioquia (o que forçaria uma divisão das forças bizantinas, já que era a segunda cidade mais rica do império) e começaram a recuar de volta para sua terra. Belisário considerava o caso encerrado, mas suas tropas não estavam nem um pouco satisfeitas. O grande e (então) jovem estrategista procurou demonstrar a seus comandados, como conta Sir Basil Liddel Hart em seu livro "Strategy" que "a verdadeira vitória consiste em se obrigar o adversário a abandonar o cumprimento de sua missão, com o mínimo de perdas. Se tal resultado for obtido, não existe necessidade real de vencer batalhas. 'Qual a razão, em consequência, para se querer derrotar um fugitivo?' A tentativa iria criar um risco desnecessário, e um fracasso poderia deixar o império aberto a uma invasão mais perigosa. Não deixar a um exército em retirada um meio de fuga é a maneira mais segura de forçar sua coragem pelo desespero".

Então, o que aconteceria se houvesse o metralhamento dos traficantes? Eles certamente não iriam ficar parados que nem patinhos em estande de tiro, esperando serem derrubados. Iriam reagir e talvez conseguissem novamente derrubar um helicóptero. Qual teria sido o efeito de uma catástrofe como essas na moral de ambos os lados? De fugitivos correndo como baratas assustadas a criaturas perigosíssimas em um pulo. E a reação dos criminosos entrincheirados no Alemão, sabedores de que a única escolha era resistência ou morte? Será que simplesmente iriam fugir se misturando aos moradores ou iriam receber a bala as forças de ocupação? Quantas baixas civis inaceitáveis decorreriam dessa resistência?

Quando finalmente as forças de segurança do Rio conseguem uma vitória tática e estratégica total, com perfeito planejamento do ponto de vista militar, fica um povo exigindo reações irracionais e emocionais por pura vingança. Vingança nunca, NUNCA foi boa conselheira em operações de guerra. Napoleão não planejava suas batalhas dando chutes em mapas e dizendo que ia ferrar com aqueles filhos da mãe todos. Finalmente a inteligência do governo está fazendo jus a seu nome e arriscar-se a sofrer uma derrota tática, ainda que improvável, quando a vitória é total e completa, é uma tolice que levou alguns dos melhores exércitos que o planeta já viu à completa desmoralização e desintegração.

Belisário, por exemplo, para manter o controle sobre suas tropas, a contragosto atacou os persas em retirada e sofreu a única derrota em toda sua longa carreira. Felizmente os partas sofreram também tantas baixas que não tiveram opção a não ser recolherem-se a suas bases. O império ficou aberto a um inimigo que, por sorte, não teve como aproveitar. O Rio de Janeiro não podia se arriscar a tanto.

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