maio 11, 2006

A História da Copa do Mundo Capítulo III - O Método, Política e Futebol e a Copa de 1934

A EVOLUÇÃO TÁTICA - O "MÉTODO" ITALIANO

Para se opor à tradição herdada dos britânicos, de passes longos, correria, cruzamentos e cabeçadas, eles criaram um jogo de passes curtos, para a frente, para trás e para o lado, não importava, o que importava era fazer a bola rodar de pé em pé, escondê-la do adversário até aparecer a chance de marcar um gol. Era o futebol de "toque de bola". E quem eram eles? Os brasileiros? Não. Eram os austríacos do wunderteam, o "time maravilhoso", que teve tanto sucesso que influenciou também os húngaros e outros países do Leste Europeu, que mantêm a tradição até hoje.
Taticamente a seleção austríaca não apresentava novidade, usava a mesma pirâmide (2-3-5) da década de 1880. O que a diferenciava era apenas o toque de bola curto e rasteiro. Vittorio Pozzo, técnico da seleção italiana, com grande interesse em táticas, gostava do estilo, mas faltavam-lhe os jogadores para adotá-lo, principalmente um habilidoso "centromédio atacante", pivô e cérebro do time. Só se ele somasse os dois que tinha à disposição para conseguir um igual ao austríaco. E foi assim que ele fez.

FIGURA 9

Pozzo tirou os meias da frente e os puxou para o meio-campo. Assim ele criou um sistema misto. Na frente parece o "w" do WM e atrás parece o ápice da pirâmide, ou o 2-3. Um 2-3-2-3. Os três médios, incluindo o centromédio, passaram a ter funções quase exclusivamente de defesa. A criação de jogadas ficou a cargo dos meias recuados. E assim estava criada a tradição defensiva italiana, mantida até hoje. Os zagueiros marcavam implacavelmente e saíam em contra-ataques velozes até o gol adversário. Exatamente como a Squadra Azzurra - conhecida assim pela cor de seu uniforme - faz até hoje.
Pozzo chamou o seu sistema de "Método" e seu time foi praticamente o único a adotá-lo. Mas funcionou. Como dito na época, "os adversários atacam o tempo todo, mas os italianos é que ganham o jogo". A Itália dominou a década de 30 assim como o Uruguai o fez na década de 20, ganhando as Copas de 1934 e 1938, eliminando no caminho até o Wunderteam, e a Olimpíada de 1936.


A COPA DE 1934

A POLÍTICA SE MISTURA AO FUTEBOL:

No capítulo sobre as origens do futebol foi contado como o esporte cresceu graças à Revolução Industrial, que melhorou a saúde da população, e ao militarismo, que incentivava o culto a corpos fortes e saudáveis que pudessem fazer bonito numa guerra. Como também já explicado, era preocupante para um governante botar armas na mão do povo. Como evitar que eles se rebelassem, estando armados? Com um governo mais justo, que não os oprimisse tanto - e assim começou a surgir a democracia -, e criando neles respeito e admiração pelo seu país e ódio pelos outros: o nacionalismo.
O nacionalismo e a rivalidade inerente a ele ajudaram a criar as competições internacionais, como a Olimpíada e a Copa do Mundo, mas quando se juntou ao militarismo ajudou a levar o mundo à I Guerra Mundial, entre 1914 e 1918. E, com a Revolução Industrial, que permitiu o surgimento de metralhadoras e fuzis que podiam disparar vários tiros e serem recarregados sem que o soldado tivesse que se levantar, o resultado foi catastrófico. Ninguém jamais sonhara que uma carnificina de tais proporções fosse possível.
Com as novas armas, que ninguém ainda sabia usar direito, o resultado no campo de batalha foi um empate, apesar dos milhões de mortos. A guerra foi vencida porque a Alemanha e seus aliados, cercados em terra por seus inimigos e no mar pela esquadra britância, ficaram sem suprimentos e condições de alimentar suas populações e seus soldados. Quando o tratado de paz foi assinado e as nações derrotadas tiveram que pagar imensas indenizações e perder enormes porções de seus territórios, o sentimento entre seus habitantes foi de que eles não apoiaram suficientemente seus exércitos, tão bem-sucedidos em combate. Eles precisavam ser mais nacionalistas e militaristas ainda. Precisavam ser tão aguerridos como seus militares e seguir seus líderes guerreiros sem questionamentos. Estava aberto o caminho para Hitler e o nazismo.
A Itália tecnicamente estava entre os vencedores, mas basicamente porque se aliou aos caras certos. Em combate ela perdeu batalha após batalha para os austríacos e, por isso, quando foram distribuídos os despojos, os italianos acabaram ficando com bem menos do que achavam que mereciam. E depois de tanto sacrifício. O mesmo pensamento de que era necessário ainda mais militarismo e mais nacionalismo acabou levando ao fascismo e à ditadura de Mussolini.
Em 1932 a Itália foi apontada como sede da próxima Copa, após o governo construir e remodelar vários estádios. Como já visto, o militarismo e o culto extremado ao esporte andam juntos. Mussolini, no poder desde 1924, estava ansioso por mostrar às outras nações como sob seu comando os italianos haviam se tornado guerreiros poderosos e imbatíveis. E, na falta de uma guerra, que ele providenciaria alguns anos depois, uma Copa do Mundo serviria. E foi sob esse clima que começou o segundo torneio mundial de futebol.

OS PARTICIPANTES

Os ingleses não se interessaram pela Copa outra vez. Ainda se julgavam bons demais para essas disputinhas. Os uruguaios também não foram. Oficialmente porque ainda estavam magoadinhos com a ausência de tantos europeus em seu país em 1930 e queriam dar o troco, mas na verdade porque seu grande time estava envelhecido e se desfazendo, e preferiram não arriscar seu imenso prestígio e a magia que envolvia seu nome. Foi a única vez em que um campeão não se apresentou para defender o título.
Afora esses dois todas as grandes potências do futebol se inscreveram para o certame. Pela primeira vez haveria um torneio eliminatório para escolher os participantes. Brasil, assim como Argentina, não precisou jogá-lo porque seus oponentes, respectivamente Peru e Chile, desistiram.
Mais uma vez o Brasil não mandou seu melhor time para a Copa. Desta vez a briga pelo menos tinha um motivo mais sério. Em 1933 os principais clubes cariocas e paulistas, adeptos do profissionalismo, fundaram uma federação própria, a FBF, Federação Brasileira de Futebol, dando o golpe de morte no futebol amador. Mas quem ainda representava os assuntos esportivos do país no exterior era a CBD, que tinha ficado só com a turma do amadorismo. E a ela cabia formar a seleção e mandar para o torneio.
A princípio a CBD quis formar um time só com amadores, mas logo viu que não ia dar e começou a correr atrás dos profissionais, oferecendo-lhes para jogar a Copa bem mais do que ganhavam. Alguns clubes chegaram a esconder seus jogadores em fazendas do interior, mas ainda assim foram arregimentados Luisinho, Waldemar de Brito, cuja fama maior seria por descobrir um garoto chamado Pelé, e Leônidas da Silva, o atacante do WM de Gentil Cardoso.
Com mais um time mambembe formado às pressas, o Brasil embarcou para 11 dias de cruzeiro até Gênova. Os jogadores não se conheciam e seus únicos treinamentos foram no convés da embarcação, exceto por uma escala em Barcelona, onde todo mundo desceu e jogou uma pelada de 40 minutos num campinho ali perto. O navio tinha parado para recolher a Fúria, a seleção espanhola, uma das mais fortes da época. E nossa primeira adversária.

O TORNEIO

Eram 16 participantes e todos os jogos eram eliminatórios. Não havia fase classificatória ou de grupos. O Brasil, em sua estréia contra a Fúria, novamente antes de saber o que estava acontecendo já estava perdendo de 2 a 0. Leônidas, estrela solitária da campanha, descontaria no começo do segundo tempo, mas logo depois os espanhóis fariam 3 a 1. Luisinho, um dos poucos profissionais da seleção, perdeu um pênalti, defendido pela lenda viva Ricardo Zamora. Os brasileiros reclamaram que Zamora vira os treinamentos no navio e anotara as preferências de Luisinho, o que era considerado comportamento antiesportivo. Eram tempos mais inocentes, apesar de Mussolini.
Os brasileiros também reclamaram de um pênalti claríssimo não marcado, quando Leônidas chutou a gol, já com o goleiro batido, e o zagueiro Quincoces tirou escandalosamente com a mão em cima da linha. Existe uma foto deste lance, com o juiz claramente olhando a jogada, mas quem sabe o que se passa na cabeça de um sujeito crescido e adulto vestido de terno, gravata e calções, com um apito na boca?
A Itália arrasou os terceiros colocados de 1930, os americanos, com 7 x 1, ajudada por seus quatro argentinos naturalizados (de Maria, Guaita, Monti e Orsi) e um brasileiro, Amphilóquio Marques, o Filó. Prudentes, os jogadores italianos e nem tão italianos dedicaram a vitória a Mussolini. Ainda se lembravam bem do que o ditador dissera dias antes. Ele os convidara para participar de uma parada militar. O técnico, em nome de seus atletas, informou que não seria possível devido à rígida rotina de treinos que seguiam. Mussolini respondeu-lhe que "vocês não precisam participar do desfile, mas que Deus os proteja se a seleção fracassar".
Nas quartas-de-final venceram os favoritos. Áustria, o wunderteam, Alemanha e Tcheco-Eslováquia. Só a Itália teve dificuldades com a Fúria. Após empate em 1 x 1 no tempo normal e 0 x 0 na prorrogação foi marcada uma partida-desempate no dia seguinte, já que ainda não existia decisão por pênaltis. Sem tempo para descansar após jogar 120 minutos, os espanhóis tiveram sete desfalques, contra cinco da Azzurra. Mas as palavras de Mussolini ainda ecoavam nos ouvidos dos italianos e eles tiveram pernas para vencer por 1 x 0, numa jogada legal, apesar do alegado à época. E ganharam o direito de enfrentar dali a 48 horas os descansadinhos austríacos, na semifinal.
E deram sorte. Um temporal inundou o estádio, prejudicando os passes rasteiros e o jogo cadenciado da Áustria. A bola parava nas poças e interrompia as jogadas. Os ágeis e leves austríacos não conseguiam correr com a lama prendendo seus pés no chão. Já os italianos tinham as ameaças de Mussolini para empurrá-los à frente. A partida terminou 1 x 0 para a Azzurra e o ditador desceu até o vestiário para cumprimentar o time, o que provavelmente deixou os jogadores mais relaxados, como o próprio Mussolini já se sentia: na outra semifinal a Tcheco-Eslováquia eliminara a Alemanha, e ele não precisaria torcer contra a seleção de seu aliado Hitler.
Na final a Tcheco-Eslováquia saiu na frente, aos 25 minutos do segundo tempo, com um gol de Puc, que mancava com cãibras. Orsi empatou aos 35 e o jogo foi para a prorrogação. Meazza, contundido, ainda assim conseguiu armar uma jogada para Guaita cruzar e Schiavo completar para as redes e para a história. Foi a coroação dos esforços de Mussolini, que provava ao mundo que os italianos - e alguns argentinos e um brasileiro - eram agora guerreiros imbatíveis. Uma pena que na guerra por vir se veria justamente o contrário.

FILÓ

O primeiro brasileiro campeão do mundo foi Amphilóquio Marques Guarisi. Filó, como era conhecido, fez sua fama como companheiro de ataque de Friedenreich no Paulistano, participando da excursão à Europa em que o time venceu 9 de 10 jogos, em 1925. Em 1931 foi para a Itália jogar na Brasilazio, o time da Lazio que tinha cinco outros brasileiros em seu elenco. Aliás, foi o enorme êxodo de jogadores para a Europa por qualquer merreca que levou os clubes daqui a se profissionalizarem e aceitarem pagar salários decentes aos seus atletas.
Filó tinha mãe italiana e, portanto, dupla nacionalidade, e estreou em 1932 na Azzurra. Em 1934 participou da estréia da Itália na Copa, mas, apesar da boa movimentação, foi o único do ataque a não marcar nenhum dos 7 gols contra os americanos. Perdeu a vaga para outro estrangeiro, o argentino Guaita, mas não o título e as honras de campeão. Seriam necessários outros 24 anos para se ver novamente um brasileiro campeão do mundo. Um não. Vinte e dois.

MEAZZA

Antes de ser um estádio em Milão, Giuseppe Meazza foi um dos maiores jogadores italianos da história. Já aos 13 anos, em 1923, batia um bolão e foi tentar a sorte no Milan, mas foi rejeitado por um problema nos joelhos. Foi aceito no rival, a Inter, onde o escalaram na defesa, mas logo o técnico dos juniores o pôs no lugar a onde pertencia, o ataque.
Meazza começou como centroavante e aos 17 anos entrou em seu primeiro jogo profissional. O jornal Gazzetta dello Sport pronunciou-se entusiasticamente com sua estréia, escrevendo que "destacamos o jogo inteligente e habilidoso do jovem, pequeno Meazza, um jovem reserva da mais alta qualidade". Em apenas dois anos ele seria o artilheiro do campeonato. O goleiro do Novara, após uma goleada de 8 x 0, diria que "esse Meazza não é centroavante, é um demônio".
Mas foi na seleção que ele se tornou uma lenda. Pozzo, implantando o seu "método", moveu-o de centro do ataque para a meia, que, em seu esquema, tinha responsabilidades de armação, além da finalização. Foi assim que ele fez a jogada para o gol da vitória na final de 1934. Também digno de registro nessa partida foi o soco que deu no fígado de Krcil, que mereceria uma expulsão se Mussolini não estivesse olhando para o juiz da Tribuna de Honra.
Na Copa de 1938, o atacante foi também fundamental para a conquista italiana, tornando-se o cérebro do time. Piola, o centroavante italiano de 1938, declarou que "na Copa, eu vivia principalmente de Meazza e Ferrari" (Ferrari era o outro meia recuado do "método" de Pozzo).
Logo após a Copa da França Meazza sofreu um acidente e ficou quase um ano em recuperação. Entretanto, a circulação sanguínea em seu pé esquerdo foi afetada e, mesmo depois de uma operação, ele nunca mais exibiu seu futebol de antes.
Meazza foi um dos primeiros atletas a lucrar muito com o futebol, mas gastava seu dinheiro tão rápido quanto entrava, convencido de que se devia aproveitar a vida enquanto desse. Embora nunca tenha tido problemas financeiros, pouco sobrava de sua fortuna quando faleceu, em 1979, com 69 anos. A nação inteira lamentou a perda daquele que muitos consideram até hoje o melhor jogador italiano de todos os tempos, com 33 gols em 53 jogos, marca que só foi ultrapassada nos anos 70 por Riva.