maio 30, 2006

A História da Copa do Mundo Capítulo XIII - A Copa de 1982

Os capítulos anteriores estão abaixo deste, em ordem decrescente, como sói acontecer em blogs. Leia lááááá de baixo, desde o começo, e acompanhe o fascinante painel histórico com a evolução da mentalidade e da tática do futebol.


A COPA DE 1982 - DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO

"O futebol italiano está muito atrasado taticamente em relação ao brasileiro".
A frase foi de Falcão. Depois de uma temporada inicial irregular o genial volante começava a se tornar um astro também na Itália. Apesar de jogar no exterior, o que até então acabava com as chances no time canarinho, ele era o titular indiscutível da seleção. Ele tinha sido deixado no Brasil durante a Copa de 1978 e em seu lugar foi o violento Chicão. Em 1979, Falcão liderou o Internacional para o único campeonato brasileiro invicto da história. Ele foi para a Europa numa época em que os meios de comunicação começavam a tornar-se onipresentes. Era possível ver seus gols e suas jogadas no Globo Esporte e ler sobre suas atuações na Gazzetta dello Sport que vendia nas bancas brasileiras (com alguns dias de atraso). O Brasil voltava a ter um maestro clássico como na época de Gérson.
No meio-campo, à frente dele, estava Zico. O Galinho era o astro do Flamengo desde o começo dos anos 70. A nação rubro-negra o idolatrava e ele era seguidamente o artilheiro do Carioca, embora os títulos não viessem desde que Paulo César fora embora. Os flamenguistas e a imprensa carioca acreditavam que ele começaria seu estrelato na Copa de 1978. E ela não poderia ter sido pior.
Tímido, escorregando seguidamente num gramado de várzea e inseguro, Zico acabou na reserva, ofuscado por Dirceu e Roberto. Jorge Mendonça ganhou sua posição por ser mais forte. Treinadores diziam que a era de jogadores tão franzinos acabara. A imprensa paulista achava que ele só jogava no Maracanã. No entanto, Coutinho acreditava nele e o escalou ao lado de Roberto, uma dupla que mostrou excepcional entendimento nas vezes em que jogou, para o jogo contra a Polônia. Com cinco minutos ele sofreu uma distensão. E distensões são contusões típicas de pessoas estressadas, seja por nervosismo ou por excesso de esforço físico.
Seu momento de glória não viera. A recuperação da distensão levou meses, lembrando Pelé em 1962. Mas o Zico que emergiu daquelas provações era um jogdor muito mais maduro e consciente. Jogando mais para o time, assumindo a liderança da equipe, o Galinho seria o campeão carioca, começando naquele ano a arrancada que tornaria o Flamengo de sua época uma lenda como o Expresso da Vitória e o Santos de Pelé. Entre 1978 e 1983 os rubro-negros ganhariam 3 títulos cariocas, 1 especial, 3 campeonatos brasileiros, 1 sul-americano e 1 mundial, fora diversos torneios e taças. O Galinho estava pronto para a seleção. Até os paulistas começavam a admirá-lo. Embora as simpatias bandeirantes recaíssem no outro brilhante maestro da linha média, Sócrates.
Jogador objetivo, capaz de economizar meia dúzia de dribles com um toque de calcanhar, sua marca registrada, Sócrates ressuscitou a camisa 8 do Brasil, o volante ofensivo, a posição de Didi. Esplêndido driblador, capaz de num relance achar alguém desmarcado e fazer um lançamento longo, fazia jus ao apelido de "doutor", mesmo que fosse originalmente conhecido assim por ser formado em medicina.
A eles se juntavam Cerezo, volante bom na marcação e nos passes curtos e inteligentes que articulavam o meio-campo; Júnior, lateral-esquerdo só no nome, com extremo domínio de bola e forte em tabelas, toques curtos e enfiadas na entrada da área; Leandro, elegante e refinado; Oscar, zagueiro sério e forte no jogo aéreo; Éder, ponta-esquerda fraco no drible, mas com um chute tão potente e venenoso que qualquer falta depois da linha média era perigosa para o adversário; e Luisinho, um quarto-zagueiro que os mais velhos diziam ser o novo Domingos da Guia.
Essa veneração começou com um jogo contra a Argentina um ano e meio antes. Maradona arrancava driblando todo mundo até chegar em Luisinho. O zagueiro, parado na frente do baixinho genial, simplesmente esticava a ponta do pezinho e não só desarmava o brilhante atacante como ainda saía com a bola e armava o jogo. Ele não só era bom na defesa como ainda por cima sabia atacar. Parecia mais um craque a se juntar à constelação que Telê Santana começou a armar em 1980.
Aquela seleção começou a nascer logo depois da Copa de 1974. Preocupada com o defensivismo cada vez maior, a CBD instaurou uma nova regra no campeonato brasileiro. Na época a vitória valia dois pontos. O novo regulamento previa três pontos se fosse por dois gols de diferença ou mais. Além do mais, a fórmula de disputa, com mais de cem competidores, incluía muitos times fracos na defesa. Quem tivesse um ataque poderoso, capaz de atropelar adversários medíocres e retrancados levava grande vantagem.
E assim o Brasil estava na contramão da tendência mundial cada vez mais defensivista. Havia outros times ofensivos no certame - a França de Platini, Giresse e Tigana; a Polônia de Lato e Boniek e a Argentina de Ardilles, Kempes e Maradona. Mas a seleção canarinho era a queridinha dos analistas e críticos. E depois de duas preparações desorganizadas em 1974 e 1978, os brasileiros finalmente voltavam a planejar tudo cuidadosamente, nos mínimos detalhes, para dar a seus jogadores toda a tranquilidade necessária.
Em 1980 a CBD, a Confederação Brasileira de Desportos, tornou-se a Confederação Brasileira de Futebol, depois que todos os outros esportes dos quais ela cuidava criaram suas próprias federações. Para seu comando foi eleito Giulite Coutinho, com as bênçãos do governo militar, para reorganizar o futebol do país. Foi criado um calendário, o campeonato brasileiro foi limitado a 40 clubes e o técnico da seleção pela primeira vez na história passou a ser exclusivo, em vez de exercer o mesmo cargo também em clube. A idéia de convocar os craques uma vez no ano e excursionar ou disputar um torneio e depois desbandá-los foi descartada. O time canarinho disputaria pelo menos uma partida por mês. Era a seleção permanente, com um treinador dedicado somente a ela.
A fórmula de disputa mudara novamente para a Copa da Espanha. Pela primeira vez 24 países, em vez dos tradicionais 16, participariam do Mundial. Divididos em 6 grupos com 4 times, os dois primeiros colocados iam para a segunda fase. Os 12 competidores então eram agrupados em quatro chaves de três. Os vencedores ganhavam uma vaga nas semifinais. O Mundial, como em 1974 e 1978, incluía a possibilidade de empates e classificações por saldos de gols. Mas os espanhóis não jogariam depois de seus adversários, já sabendo o resultado de que precisavam.
O jogo de abertura pôs frente a frente a Argentina de Menotti, discípulo do futebol ofensivo, e a Bélgica, sensação das eliminatórias, de quem se dizia ser a nova "Laranja Mecânica". Não era. Era um time bem armado e bem fechado. Os argentinos desprezaram seus adversários, não conseguiram penetrar na área adversária e num contra-ataque tomaram o único gol da partida. Mau presságio para os campeões.
A França também começou mal. Perdeu de 3 x 1 para a Inglaterra, cujo astro, Kevin Keegan, estava contundido e mal jogou a Copa. O mesmo acontecia com a Alemanha: Rummenigge disputou todo o Mundial fora de condições físicas. E o seu jogador mais técnico e habilidoso, Schuster, abandonara a seleção depois de brigar com o treinador Jupp Derwall na Copa da Europa. Nunca mais voltaria. A Polônia empatou com a Itália e com o time estreante de Camarões. A coisa parecia ir bem para os brasileiros.
E os canarinhos estrearam contra a URSS, do excelente atacante Blokhin A expectativa era enorme. A TV Globo aproveitou um cochilo dos concorrentes e era a única rede a transmitir os jogos da Copa. As outras não quiseram comprar um pacote também com as Olimpíadas, que na época dava prejuízo. E o canal de Roberto Marinho, tendo em mãos um espetáculo com um potencial de lucro tão grande, fez uma enorme campanha publicitária. Criou inclusive um prêmio para a rua mais enfeitada para o Mundial, iniciando uma tradição que segue até hoje.
Cerezo estava suspenso e, por algum motivo, em seu lugar Telê pôs o Dirceu de 1974 e 1978, mesmo que ele nunca tivesse jogado sob seu comando. Mas mesmo assim o Brasil comandava as ações até que Bal deu um chute despretensioso de longe e o goleiro Valdir Peres falhou grotescamente. O gol não estava no roteiro esperado e os brasileiros se enervaram. Os soviéticos se retrancaram.
No segundo tempo voltou Paulo Isidoro, que jogara no lugar de Falcão durante as eliminatórias. Ele foi um dos melhores da partida e seguidamente cruzou para a área. As bolas que não foram interceptadas pelo esplêndido goleiro Dasaev foram ridiculamente desperdiçadas por Serginho, visivelmente nervoso. Inexplicavelmente Telê Santana deixou no banco o vascaíno Roberto Dinamite. O centroavante do São Paulo, bem mais limitado, era um jogador irritável e temperamental, que inclusive já havia sido suspenso por seis meses por agredir um bandeirinha. No ano anterior ele chutara o rosto de um goleiro adversário caído na final do Brasileirão.
Mas os brasileiros tinham um timaço e, aos 30 do segundo tempo Sócrates pegou um rebote de escanteio na intermediária, driblou dois soviéticos e, do bico esquerdo da área chutou no ângulo direito de Dasaev, que se esticou todo e ainda conseguiu tocar na bola, mas não pôde evitar o gol.
A pressão aumentou. Os soviéticos estavam cansados de correr atrás da bola. Aos 43 do segundo tempo Paulo Isidoro tocou para Falcão na entrada da área. O volante simplesmente abriu as pernas e deixou a bola passar entre elas, deixando a bola para Éder, na entrada da área. O atacante levantou a bola e soltou um míssil de 149 km/h. Dasaev desta vez nem se mexeu, apenas sacudiu a cabeça.
O jogo parecia terminado, mas nos três minutos restantes, Luisinho, que quase não teve trabalho, foi facilmente vencido por um russo e cometeu um pênalti desnecessário. O juiz não marcou. No minuto seguinte, em lance idêntico, ele fez nova infração e o árbitro continuou ignorando. Mau sinal para os brasileiros, mas, com a virada parecia confirmar que seu time era imbatível.
A Argentina disparou 4 x 1 sobre a Hungria e praticamente garantiu sua classificação, que viria com uma vitória sobre El Salvador. Tigana foi promovido a titular e a França passou a atuar muito melhor. A Alemanha, com Rummenigge capenga, protagonizou um dos grandes micos das Copas.
Na estréia os germânicos perderam da Argélia por 2 x 1. O placar não diz o quanto os africanos foram melhores. Tanto que entraram no jogo seguinte, contra a Áustria, achando que nem precisariam correr muito. Perderam de 2 x 0. Os austríacos somavam duas vitórias (e cada uma ainda valia apenas dois pontos). No outro jogo os alemães fizeram 4 x 1 num Chile extremamente confuso. Tanto que em certo lance um jogador bateu uma falta para ele mesmo.
Assim a Áustria tinha quatro pontos, contra dois de Argélia e Alemanha. Um empate eliminaria os alemães, uma vitória germânica por mais de 1 x 0 mandava os austríacos embora.
Então a Alemanha correu alucinadamente, imprensou a Áustria, em dez minutos fez 1 x 0 e parou de jogar.
Parou mesmo. Não é que tenha parado de correr, nem que tenha se fechado na defesa. Simplesmente ficou tocando a bola em seu próprio campo, sem cruzar a linha média. Os austríacos nem tentavam pegá-la. Foram 80 minutos dessa palhaçada. Ridículo. Os argelinos foram embora muito irritados. Muito mesmo.
O outro mico foi da Itália. Caiu na chave de Polônia, Peru e Camarões. O único jogo nesse grupo que não foi empate foi um 5 x 1 dos poloneses em cima de Quiroga e seus companheiros peruanos. Os camaroneses tinham como destaque o atacante Milla e o esplêndido goleiro N´kono, o melhor arqueiro da história da África. No final os italianos se classificaram porque tinham feito e sofrido dois gols, enquanto os africanos contavam um gol e a favor e um contra.
Empatar contra Camarões e o horroroso time do Peru era demais. A imprensa italiana caiu em cima da seleção. Principalmente de Paolo Rossi. O atacante voltava de uma longa suspensão de dois anos, por envolvimento com apostas ilegais e manipulação de resultados. Antes da Copa fizera apenas três jogos, todos ruins. E apesar de marcar muitos gols, não era um grande craque. Ninguém entendia por que Bearzot, o treinador da Azzurra, insistia com ele. E tanto os jornalistas criticavam as péssimas atuações do time que os jogadores se irritaram e entraram em greve. Não dariam mais entrevistas até o fim do Mundial. Isso costuma ser um péssimo sinal, mostrando que a equipe está com os nervos à flor da pele.
Cerezo voltou ao time e participou da goleada de 4 x 1 sobre a Escócia, que também saiu na frente. Mas a virada desta vez veio no começo do segundo tempo. E Éder marcou mais um belíssimo gol, por cobertura, do bico da área. Fazer 4 x 0 sobre a Nova Zelândia foi apenas uma formalidade.
Itália e Argentina ficaram em segundo em seus grupos e caíram na chave do Brasil, fazendo o primeiro jogo. Gentile perseguiu Maradona aonde quer que ele fosse em campo, abusando da força física e fazendo as faltas necessárias para detê-lo. Os argentinos saíram na frente, mas os italianos viraram e venceram por 2 x 1. Isso obrigava os portenhos a ganhar dos canarinhos por um placar dilatado, torcer por eles contra a Azzurra e esperar que o saldo de gols os favorecesse ao final. Ou seja, eles tinham pouquíssimas chances.
E para aumentá-las entraram pressionando. O Brasil mal viu a bola nos primeiros 10 minutos. Aos 12 os argentinos fazem uma falta lá longe, quase no meio-campo. Éder cobra. A bola bate no travessão e Zico surge como um raio para mandar para a rede. A Argentina começa a dar adeus ao bicampeonato. E toma um baile.
Teve de tudo. Falcão desarmou Maradona com um toque de calcanhar dentro da área. Depois driblou todo mundo pela direita e encobriu o goleiro Fillol para botar a bola na cabeça de Serginho. Zico dá um toque entre cinco argentinos que só Júnior consegue alcançar, já na cara do gol. Depois os brasileiros ficam trocando passes. Ramón Díaz marca no finalzinho e nem comemora. A seleção faz 3 x 1, em sua melhor exibição. Maradona fica tão irritado com o show adversário que entra feito um búfalo em Batista e é expulso. Com um saldo melhor, os brasileiros só precisam do empate contra a Itália, mas ninguém, absolutamente ninguém no Brasil, espera menos do que uma vitória contra aquele time que em quatro partidas só marcou três gols e teve uma vitória. O lendário jornalista Sandro Moreyra comenta em sua coluna que só o Brasil pode se dar ao luxo de ter um Zico na ponta-direita (ignorando que, na prática, não havia extremas na equipe e Zico jovava no meio de campo).
O jogo foi três dias depois. Os italianos folgaram uma semana depois da vitória sobre a Argentina. Inexplicavelmente, depois de apenas 3 minutos, o locutor da única tevê transmitindo a Copa, Márcio Guedes, comenta que "a Itália parece cansada". Dois minutos depois um chuveirinho lá do bico da área encontra Paolo Rossi na quina da pequena área. A Itália já saía desfazendo a vantagem do Brasil.
Mas sair atrás não era problema para os canarinhos. Já tinha acontecido contra a URSS e a Escócia. Zico dribla seu marcador e vai entrar livre na área. Serginho o atropela, toma sua frente, e, cara a cara com o goleiro Dino Zoff, manda para fora. Sandro Moreyra diria que se fosse o juiz, marcaria escanteio.
Mas aos 12 minutos Zico se livra novamente do implacável Gentile e dá um lançamento para Sócrates na ponta-direita. O doutor invade a área e quando Zoff sai para cortar o cruzamento, chuta entre ele e a trave. Lembrando Gigghia.
O jogo estava novamente nos eixos. Era o script a que a torcida estava acostumada. Já, já, dispararíamos a goleada. Era só uma questão de tempo. A defesa contém todos os ataques italianos e sai tocando a bola com categoria. Uma beleza. Cerezo sai trocando passes lá de trás e... entrega no pé de Paolo Rossi?
Isso não estava no roteiro. Não era para os italianos reagirem de novo. Mas eles reagiam. Depois de 4 jogos sem fazer nada em campo, Paolo Rossi faz dois no Brasil em menos de meia hora. Mas não importa! A seleção tem muitos recursos. Eles que esperassem.
Eles não esperaram. Anteciparam-se em todas as bolas. A semana de descanso deu-lhes mais fôlego que os canarinhos. Depois de parar Maradona, Gentile persegue Zico como um cão de guarda. Numa jogada dentro da área segura o brasileiro pela camisa. Zico mostra o uniforme grotescamente rasgado para o juiz, mas ele não marca pênalti. Em outro momento o árbitro marca infração dentro da área, mas diz que a cobrança é em dois toques, é um tiro livre indireto. A Azzurra bota todo mundo na frente do gol e o lance não dá em nada. Fim do primeiro tempo.
Começa o segundo tempo. A torcida brasileira ainda está plenamente confiante. Mas as jogadas não saem. Serginho se enerva e atrapalha o ataque brasileiro. Roberto continua no banco. Luisinho falha na defesa e na frente. A péssima exibição na Copa acabaria com sua carreira. O grande líbero Edinho, capitão e alma do Fluminense, só seria aproveitado por Telê em 1982.
Mas o mais completo jogador do mundo na época veste a amarelinha. Falcão recebe a bola na entrada da área, escapa da marcação e chuta forte no gol. O Brasil finalmente empata, aos 22 do segundo tempo. Agora só falta disparar a goleada. Os italianos vão ter que abandonar a defesa e partir para o tudo ou nada. Finalmente os brasileiros vão ter espaço para jogar. Dois minutos depois Éder só tem pela frente um zagueiro. Ao seu lado, completamente livre, está Sócrates. Éder tenta driblar o defensor e perde o lance. Mas ninguém se preocupa. A Azzurra ataca desesperadamente e logo haverá outra chance de contra-ataque.
Mas Luisinho não está bem e cede um escanteio. Na escolinha se aprende que nunca se rebate um cruzamento para a entrada da área, mas é o que a zaga brasileira faz. Um atacante italiano na meia-lua chuta para o gol. No caminho a bola encontra o pé de Paolo Rossi, que desvia de Valdir Peres. Na linha de gol, Júnior levanta pateticamente a mão, pedindo impedimento do artilheiro. Por não ter saído lá de trás, o próprio lateral é quem dá condições de jogo para o Bambino d'Oro.
Só faltam 16 minutos e tinha sido um sufoco até então. Os brasileiros subitamente se apercebem de que podem mesmo perder aquele jogo. E quem parte para frente desesperada e desorganizadamente são eles. Os italianos organizam bem seus contra-ataques e marcam mais um gol. O juiz anula erradamente. Ainda há alguma chance. Aos 46 minutos Oscar cabeceia para o chão da quina da pequena área. Zoff, aos 41 anos, se estica todo e segura a bola pelo rabo em cima da linha. Sócrates, que estava pronto para pegar o rebote, tenta convencer o árbitro de que Zoff tirou a bola de dentro do gol. Não funciona. Fim de jogo. Fim de papo.
Os brasileiros não conseguem acreditar. Alguns ficam parados esperando pelo terceiro tempo. Outros acham que a tevê dará um jeito, "calma, amigos da Globo, já vamos resolver este pequeno problema". Outros ainda têm certeza de que o jogo vai ser anulado. Corre nas ruas o rumor de que Paolo Rossi foi pego no exame anti-doping. Puro boato, completamente infundado. Depois de toda a longa e bem-cuidada preparação, a melhor desde 1970, a seleção, em perfeita forma física e técnica, jogando pelo empate, perdeu.
O Brasil é obrigado a confrontar uma verdade: se em 1966, 1974 e 1978 foramos eliminados por causa da desorganização, pelo menos ainda conseguíamos chegar em 3o. ou 4o. lugar. Mas em 1982 tínhamos nos preparado longamente, com um cuidadoso planejamento e craques no auge da carreira. O futebol brasileiro tinha dado o melhor de si e perdera.
Em 1982 o Brasil faliu e entrou na recessão que faria os anos 80 serem conhecidos como "a década perdida". Em 1982 houve pela primeira vez em quase 20 anos eleições diretas para governador. Foi uma festa. Muitos dos inimigos da ditadura foram reconduzidos à política. Com a volta do voto a crise seria superada.
Não foi.
Começou então uma longa e negra era para o orgulho brasileiro. A sensação de que qualquer coisa que se fizesse seria inútil tomou conta do país. O sentimento de impotência e insignificância pode ser medido em versos como o da música "Inútil", do Ultraje a Rigor: "a gente não sabemos nem escovar o dente/ a gente não sabemos escolher presidente/ a gente joga bola e não consegue ganhar/ Inútil/ a gente somos inútil".
Aquela seleção engrossou a galeria dos times que jogavam bonito e não ganhavam nada: Hungria, Holanda, Áustria... os técnicos retranqueiros imediatamente culparam a sanha ofensiva de Telê Santana. Depois do gol de empate o Brasil deveria ter recuado. Não adiantou lembrar que foi de um escanteio que veio a derrota, quando a defesa toda estava lá atrás. Sandro Moreyra vociferava em sua coluna que os adversários deviam ficar satisfeitos em ver Zico na ponta-direita, tão longe do gol. "Zé da Galera", um personagem humorístico de Jô Soares, avisava que faltavam ponteiros na seleção.
Criou-se a mentalidade no Brasil de que o segredo da vitória era a retranca. O Flamengo de Zico se desmanchou e o próximo time dominante foi o Fluminense de Romerito, em que até os pontas ajudavam na defesa. Os técnicos rechearam o time de cabeças-de-área. Mesmo que quisessem escalar meias mais ofensivos, não os tinham à disposição. Depois da Copa a Itália vitoriosa começou a contratar os craques do resto do mundo para jogar seu campeonato. Zico, Cerezo, Sócrates e Júnior foram se juntar a Edinho e Falcão. Por aqui ficaram apenas jovens promessas e jogadores problemáticos que não gostavam de correr e defender. Os treinadores escalavam então mais gente de marcação no time, para que esses sujeitos preguiçosos tivessem "liberdade para criar". Começavam os anos negros do futebol brasileiro.
Ah, sim, a Copa continuou. A Alemanha e a França fizeram uma semifinal. Empataram em 1 x 1. Aos 7 minutos da prorrogação os franceses fizeram 2 x 0. Parecia que pelo menos uma seleção que jogava bonito chegaria à final. O técnico alemão botou o contundido Rummenigge em campo no desespero. Ele fez um gol e a jogada do outro, igualando o placar em 3 x 3. Nos pênaltis os germânicos bateram os gauleses. Defesa e futebol feio é que ganham jogo.
Na outra partida Paolo Rossi fez os 2 gols da vitória sobre a Polônia e virava o artilheiro da Copa em 3 dias e 2 jogos. Na final os alemães estavam cansados da prorrogação e com seu maior craque fora de condições. Foi uma moleza. Rossi fez mais um e acabou 3 x 1.
O mundo inteiro voltou a respeitar a Itália. O catenaccio era capaz de eliminar Maradona, Zico, Sócrates, Kempes, Falcão, Maradona, Boniek e Ardilles. Aquela era a fórmula do sucesso. Todos começaram a copiar as retrancas italianas.
Depois de tomar o Brasil, as trevas defensivistas engolfavam todo o globo.

PAOLO ROSSI

Paolo Rossi vendeu a mãe e não entregou.
Foi por isso que o atacante franzino, o "Bambino d'Oro" (garoto de ouro), quase não foi à Copa em 1982. Envolvido com uma máfia de apostadores, ele recebeu uma grana não tão boa assim para armar o resultado de um jogo, embolsou o tutu e não fez o combinado. Os mafiosos, em vez de ficarem quietos, resolveram entregar todo mundo. Chocou a Itália que o suborno que Rossi recebeu fosse muito inferior ao seu salário. A cobiça não é lá o mais inteligente dos pecados.
Rossi foi suspenso por três anos. Até 1983. A seleção italiana começou a ir muito mal. Nós dissemos três anos? Desculpe, foi engano, queríamos dizer dois anos. Nossa, que coincidência, dá certinho tempo dele voltar a jogar e se preparar para a Copa.
Mas por que o técnico Enzo Bearzot o achava tão fundamental? Ele não era forte, rápido, excepcionalmente habilidoso ou alto para disputar cruzamentos com os zagueiros. Com 1,74m e 66 quilos, baixo para um europeu, ele se valia de excepcional colocação, intuição para prever os movimentos dos defensores (será que a Força estava com ele?) e sua regularidade em todos os fundamentos de ataque: cabeceava bem, chutava com as duas pernas e tinha boa técnica.
Nascido em 1956, sua vocação para o gol levou-o a ser descoberto pelos olheiros da Juventus ainda aos 16 anos, mas, aos 17, seguidas contusões nos joelhos levaram-no a ser liberado para o Vicenzia, da segunda divisão. Rossi marcou um caminhão de gols e o Vicenzia subiu para a Liga dos grandões. Rossi marcou outro montão de gols e o clube recém-promovido chegou em segundo, atrás só da Juventus.
Tais feitos não passaram desapercebidos e Bearzot o levou para a Copa da Argentina, onde ele teve boas atuações, principalmente contra os alemães. Apesar de franzino perto dos germânicos, sabia como fugir das faltas e das divididas. Na decisão do terceiro lugar, contra o Brasil, fez o cruzamento para o gol italiano.
O garoto de ouro teve então seu pequeno entrevero com a justiça italiana. E eles pegam no pé mesmo, até Zico teve seus problemas com o Fisco de lá. Mas frente às derrotas da Azzurra, os juízes resolveram ser clementes e diminuir a pena do Bambino. E lá foi ele para a Espanha com a seleção, mesmo tendo jogado só 3 vezes no ano.
Ele passou em branco nos 3 primeiros jogos. A Itália se classificou em segundo na chave sem uma única vitória, empatada com Camarões em pontos e saldo de gols: os italianos se classificaram porque tinham marcado um gol a mais. Com tais resultados, a Azzurra caiu na chave de Brasil e Argentina. A coisa não parecia boa. A imprensa pedia a barração do Bambino d'Oro.
Mas a Itália se superou contra a Argentina. Gentile anulou Maradona e Rossi teve sua primeira atuação legalzinha no Mundial. E aí os italianos pegaram aquele timaço brasileiro precisando vencer.
Rossi fez um de cabeça numa bola cruzada despretensiosa. Outro depois de roubar um raríssimo passe errado de Cerezo. Um terceiro quando uma rebatida de escanteio caiu nos seus pés. Nenhuma brilhante jogada individual. A bola parecia procurá-lo, como a Túlio em seus bons tempos. Um engraçadinho sugeriu que ele tinha vendido a alma ao Diabo.
Sim, porque não parou aí. Depois dos três contra mais uma "seleção-que-joga-bonito-mas-é-eliminada-num-jogo-histórico-e-vira-lenda", ele resolveu a semifinal com mais dois gols e mais um na final. Depois de mais de dois anos de provações, Paolo Rossi em dez dias, da partida contra o Brasil até a final, inscreveu seu nome na história do futebol.
Depois da Copa ele se juntou à Juventus novamente, num time que contava ainda com Platini e Boniek e ganhou a Liga dos Campeões e a italiana, mas sua carreira começava a declinar. O Diabo deve ter vindo cobrar a alma dele. Suas atuações começaram a empalidecer e, apesar de convocado para a Copa da Colômbia, digo, México, nem jogou. Encerrou a carreira no ano seguinte, com apenas 31 anos, e foi se dedicar à pesca em alto-mar, sua outra paixão. Rossi ganha dinheiro com construção civil, abandonou o mundo do futebol e raramente se ouve falar dele. Dá quase para pensar que é séria aquela história do pacto...

ZICO

O maior ídolo do clube mais querido do Brasil só não tem no seu armário de troféus a medalhinha da Copa do Mundo. Tem um bronze de 1978, que certamente mal deve aparecer ofuscado por todo aquele ouro minerado com a camisa do Flamengo. Ao contrário de Puskas e Cruyff, que só disputaram um Mundial, Zico jogou 3, ficando de fora em 1974 e 1990 por opção dos técnicos. Aliás, o ponta-de-lança decidiu encerrar sua carreira nos gramados logo após Lazaroni definir seu grupo para a malfadada campanha na Itália. Talvez o resultado fosse melhor se tivesse levado o Galinho de Quintino.
Zico era rápido, chutava bem com os dois pés, ótimo driblador e tinha excepcional visão de jogo, sendo talvez sua jogada mais característica a enfiada curta da entrada da área para um companheiro que estivesse entrando, tão bem colocada que só ele conseguiria alcançar a bola no meio de toda a defesa. Também era excelente cabeceador, apesar da baixa estatura, sendo famosa a tabela que fez de cabeça com Luisinho das Arábias no meio da alta defesa do Vasco. Também era capaz de perfeitos lançamentos longos, como aquele para Nunes no primeiro gol do título do Mundial Interclubes de 1981.
Em suma, Zico era excelente em todos os fundamentos do ataque. Para não dizer que ele era perfeito, ele não ajudava no combate, como seu companheiro Tita, por exemplo. E não porque lhe faltasse disposição para tanto. Carlos Imperial conta que certa vez foi à Gávea tratar de negócios quando já quase anoitecia e encontrou o Galinho sozinho no campo de treinamento batendo numas bolas. O produtor e figuraça foi até ele e perguntou por que ele estava ali sozinho até aquela hora e obteve a seguinte resposta: "é que eu percebi que meu chute de esquerda na corrida não estava muito bom e resolvi treinar um pouco para aprimorar".
Arthur Antunes Coimbra, apelidado Arturzico e depois só Zico, nasceu em 1953 numa família de classe média baixa de Quintino, subúrbio do Rio de Janeiro. Seu irmão Edu consagrou-se no América, mas o jornalista Celso Garcia ouviu que na família tinha um garoto que jogava ainda mais bola. Ele foi ver uma partida do time de peladas de Zico, para garotos de 11 a 13 anos, e o Galinho fez 10 dos 14 gols na vitória por 14 x 4.
Assim Zico acabou no Flamengo, mas como era muito franzino, foi obrigado a fazer um trabalho especial de musculação e dieta para ganhar massa muscular, altura e potência, cujo resultado foi um absoluto sucesso, apesar das acusações que ele ouviria durante anos e anos de que não tinha força para o futebol moderno.
O êxito do trabalho dependeu de muito esforço do Galinho, mas Zico já tinha dois outros jogadores na família e sabia que a vida no futebol não era só meter bola debaixo das pernas dos beques. E com tanta dedicação em 1971 o técnico Fleitas Solich foi buscá-lo nos juvenis para estrear no time titular contra o Vasco. Também fez parte da seleção que venceu o torneio pré-olímpico, mas acabou ficando de fora do povo que foi para a Olimpíada. Injustiça com o artilheiro, melhor para o Flamengo, que o tem à disposição para seu primeiro título carioca.
Em 1974 Zico se firma no time titular do Flamengo, fazendo muitos e belos gols e levantando o campeonato carioca. Zagallo ignora o jovem artilheiro em sua confusa lista para a Copa da Alemanha. É a primeira chance do Galinho que se vai. Sua estréia na seleção se dá em 1976, debaixo de grande expectativa. Muita gente fica decepcionada com ele, tanto quanto parte da torcida ficou com Ronaldo Fenômeno no Mundial de 1998. Mas sua atuação contra a Itália no torneio que os americanos organizam para comemorar o bicentenário da Independência é esplêndida e o Brasil, com um jogador a menos, faz 4 x 1 na Azzurra.
Entre 1976 e 1978 seu prestígio sobe, mas ele não ganha nenhum título. A imprensa paulista e os torcedores de outros times acusam-no de faltar-lhe garra de campeão e que só joga no Maracanã. Na verdade, outros grandes esquadrões dominam o futebol brasileiro - o Internacional de Falcão, o Cruzeiro de Dirceu Lopes, o Fluminense de Rivellino - e seu estilo de jogo está à frente de seu tempo. Atacante de alta movimentação, sempre se deslocando no campo atrás do espaço para jogar, desnorteando as defesas, Zico não se encaixava no 4-2-4 ou no 4-3-3 de transição que a maioria dos treinadores dos anos 70 usava. Mas isso mudou quando Coutinho assumiu o Flamengo - e a seleção brasileira.
Inicialmente tímido, Coutinho não soube impor seus conceitos à seleção brasileira e acabou aceitando a interferência do presidente da CBD, Heleno Nunes. Zico, que não teve grandes atuações, acabou no banco, e quando teve nova chance, contra a Polônia, saiu com 5 minutos de jogo, com uma distensão, o tipo de contusão que normalmente aponta um atleta sob tensão e estresse psicológico.
Durante o longo período de convalescença, enquanto fazia novo trabalho de preparação física e avaliava sua atuação na Copa, Zico ganhou nova maturidade e finalmente assumiu o papel de líder na Gávea. Naquele ano, vencendo os 2 turnos do campeonato carioca, o Flamengo começaria o maior período de sua história, sempre capitaneado pelo Galinho.
Tricampeão carioca, Bicampeão brasileiro, campeão sul-americano, campeão mundial interclubes, Zico era o grande candidato a estrela da Copa de 1982, na seleção de Telê, ao lado de Falcão, Sócrates, Cerezo, Júnior e Leandro. E nos primeiros jogos, finalmente confirmou as expectativas. Até trombar com Paolo Rossi. E seus sonhos de vencer no maior palco mundial do futebol serem adiados por mais quatro anos.
Zico ainda foi campeão brasileiro em 1983, quase por inércia. O Flamengo não venceu um único jogo fora de casa, mas era um time tão superior que levou o título para a Gávea com uma facilidade impressionante. Na decisão a torcida rubro-negra já sabia que o Galinho estava se mudando para a Itália, para jogar na Udinese ao lado de Edinho. Só não sabia, embora provavelmente desconfiasse, que sua saída desarticularia completamente a equipe.
Mesmo com Júnior, Leandro, Tita, Lico, Mozer e outros craques, o Flamengo sofreu derrotas incompreensíveis e parou de ganhar títulos. Perdera seu ponto de referência, o homem que todos esperavam que a qualquer momento resolveria tudo. O naufrágio foi total. Presidentes renunciaram, contratações completamente equivocadas foram feitas, teve de tudo. Até um tricampeonato do Fluminense.
O jejum de títulos só foi acabar quando Zico voltou. Em 1985, com problemas com a Justiça italiana e com os dirigentes da Udinese e com o patrocínio de um pool de empresas, o Galinho conseguiu voltar à Gávea, sob o declarado intuito de jogar a Copa de 1986 e conseguir o título que já lhe escapara 2 vezes. E tudo parecia correr bem até ele encontrar o pezinho de Márcio Nunes, zagueiro do Bangu, numa dividida.
Zico foi obrigado a se submeter a uma cirurgia e no dia 30 de abril voltou à seleção num amistoso contra a Iugoslávia, fazendo 3 gols, num deles driblando a defesa inteira. Parece que agora a coisa vai, mas o joelho volta a piorar e ele é obrigado a mais e mais fisioterapia.
Zico foi poupado nos primeiros jogos da Copa de 1986. Telê o põe no final de alguns jogos, na esperança de tê-lo na hora da decisão. Mas a França empata e com a partida difícil, o treinador o lança mais cedo do que de costume.
Com o Galinho ainda frio o resto do time, em respeito, pede que ele bata o pênalti contra a França que saiu de um lançamento seu. Zico cobra e o goleiro Bats pega. Acaba aí sua participação em Copas do Mundo.
Com sua dedicação costumeira, Zico se submeteu a uma segunda cirurgia e após um longo período finalmente consegue voltar a jogar futebol, mesmo aos 34 anos, sem problemas. Comanda o Flamengo em mais um título brasileiro, em 1987 e, sem a mobilidade e velocidade da juventude, fixa-se mais atrás, articulando o time com sua visão de jogo, ainda melhor com a experiência, seus toques de primeira e seus lançamentos. Ainda tem esperança de ser convocado para a seleção brasileira, ainda mais que o esquema de Lazaroni pede justamente alguém exatamente com essas capacidades.
Mas Lazaroni tinha um grupo fechado e o Galinho ficou de fora.
Zico resolveu pendurar as chuteiras em 1990, ao ficar claro que não teria uma chance no escrete. Collor o chama para ser Secretário de Esportes e ele aceita, desenvolvendo um projeto de lei que seria aproveitado em quase sua totalidade na Lei Pelé. Mas desentende-se com o governo e o deixa. E, como Pelé, aceita um convite para jogar num mercado distante, o Japão.
No Japão Zico se tornou um grande ídolo e ajudou a desenvolver o esporte. Seu carisma e seu talento atraem o interesse da garotada de tal forma que, aos 41 anos, quando ele decide abandonar de vez os gramados, os japoneses patrocinam seu projeto do Centro de Futebol Zico e o contratam primeiro como consultor e depois como treinador.
Quando Zagallo começou a ter problemas de relacionamento com a seleção, em 1998, Zico foi lembrado para o papel de diretor-técnico, que abandonou logo depois da Copa. Quatro anos depois, após o fracasso do Japão no Mundial disputado em casa, o técnico francês Phillipe Troussier foi dispensado. Em quem mais eles poderiam confiar então?
Zico atualmente é o treinador da seleção japonesa, classificada para o Mundial e terceiro adversário do Brasil na Copa de 2006. E seu coração certamente estará dividido nesse jogo, justamente no único palco que nunca lhe foi grato em toda sua carreira.

FALCÃO

Alto, longilíneo, com a bola sob absoluto controle, a cabeça erguida procurando a melhor alternativa, dominando toda a meia-cancha e subindo ao ataque no momento certo para o gol decisivo, Falcão foi um dos melhores jogadores do meio-campo brasileiro, o último volante clássico, antes da posição passar a exigir muito mais capacidade de marcação do que de organização. Com o campo de jogo desenrolando-se à sua frente como um mapa de batalha, a simples presença dele na meia-cancha dava solidez e fluidez a qualquer time, tornando-o sólido na defesa e decidido no ataque.
Entre os grandes momentos de Falcão na seleção estão uma antecipação na área brasileira, em que tira a bola de Maradona com um charles, e o belo gol de empate contra a Itália, quando parecia que todo aquele sufoco ficaria para trás e finalmente avançaríamos para as semi-finais. Ledo engano. Mais outros grandes momentos são raros, porque por algum motivo absolutamente incompreensível, ele só foi se tornar titular em 1979. Aliás, incompreensível não: jogando no Rio Grande do Sul, longe dos principais centros econômicos e de administração esportiva, sem ampla cobertura e pressões da imprensa, o elegantíssimo volante viu seu lugar na Copa de 1978 ser ocupado por Chicão, que ficou famoso ao quebrar grotescamente a perna de um adversário na final do Brasileirão de 1977.
Em 1979/80, aliás, Falcão atravessava fase tão esplendorosa que foi o primeiro jogador brasileiro contratado após o mercado italiano voltar a permitir estrangeiros. Ele comandou o desacreditado Internacional a um inédito terceiro título nacional - e invicto, façanha nunca repetida - eliminando no caminho o Palmeiras, que todos consideravam a melhor equipe brasileira. Em pleno Morumbi Falcão fez 2 gols e comandou a vitória por 3 x 2. O técnico palmeirense, Telê Santana, foi para a seleção e manteve o volante como seu titular mesmo depois que ele foi para a Itália. Todos no Brasil sempre souberam que qualquer um escalado ao lado de Cerezo, Zico e Sócrates só estava guardando a vaga do volante.
Falcão era técnico, habilidoso e inteligente, com um senso de colocação que sempre o punha no caminho do meia adversário. Mesmo jogando como volante, sempre marcou gols decisivos e sua primeira temporada na Itália foi algo decepcionante justamente porque seus empregadores pensavam que ele seria o artilheiro do time. Em pouco tempo perceberam que tinham adquirido um jogador muito mais importante.
Falcão capitaneou em 1984 o único título da Roma conquistado sem a "sugestão" de Mussolini, torcedor da agremiação, de que aquele time deveria ser campeão. Entre seus momentos antológicos, um que define sua elegância e inteligência: num contra-ataque que vem da direita, ele corre pelo meio e recebe o passe: abre as pernas e deixa passar para o companheiro que corre pela esquerda e continua avançando. O jogador da esquerda toca de novo para Falcão, que novamente abre as pernas e deixa a bola para aquele que vinha pela direita, que, obviamente, entra sozinho para fazer o gol, depois dos dois corta-luzes do apoiador. Economia de gestos, elegância, inteligência, efeito. Esse era o futebol de Falcão.
Paulo Roberto Falcão nasceu de família humilde em 1953. Aos 11 anos catava garrafas vazias para pagar a passagem para treinar no Internacional. Aos 18 anos Dino Sani o pôs como titular na equipe. Em 1972 chegou às semi-finais das Olimpíadas, atrás apenas de 3 times comunistas, que escalavam seus times principais dizendo que todos os atletas num governo socialista eram "amadores" (esse conceito de que o futebol olímpico deveria ser "amador" prevaleceria até 1984).
Em 1975 e 1976 foi bicampeão brasileiro. Em 1979 conseguiria o único título invicto da história da competição. Após sua temporada vitoriosa na Roma, em 1985 teve um problema nos meniscos e os italianos acabaram dispensando-o, sendo contratado pelo São Paulo, onde ainda conseguiu ser campeão paulista. Foi convocado para a Copa de 1986, mas os problemas no joelho o deixaram a maior parte do tempo no banco, e, quando em campo, decepcionou. Encerrou a carreira logo depois, tornando-se comentarista, levando para a tevê a mesma elegância e inteligência que sempre demonstrara nos gramados, o que acabou lhe valendo um convite para dirigir a seleção após o fracasso em 1990.
Falcão dirigiu o escrete canarinho numa época confusa, em que novamente se achava que faltava "amor à camisa" e "espírito de seleção" aos jogadores, principalmente aqueles que atuavam no exterior. Sem poder contar com os maiores craques brasileiros, teve uma sequência de maus resultados e acabou dando lugar a Carlos Alberto Parreira. Mas a experiência não empanou seu prestígio e até hoje ele continua dando suas opiniões, sempre econômicas e elegantes, na Tv Globo, onde será o principal comentarista durante a Copa da Alemanha.