junho 01, 2006

A História das Copas do Mundo Capítulo XIV - A Copa de 1986

Os outros capítulos estão embaixo deste e oferecem fascinante painel da evolução tática e técnica do futebol...

A GLOBALIZAÇÃO DO FUTEBOL

O futebol brasileiro se profissionalizou porque todos os jogadores estavam indo para o exterior. O Peñarol levava Domingos e Leônidas; Fausto ia para o Barcelona; Filó para a Itália. Uma vez resolvido que atletas podiam - e deviam - ser pagos, a coisa deu uma parada.
Durante muito tempo o único país europeu a contratar sul-americanos era a Itália. Somente italianos podiam jogar nos clubes de lá, mas abria-se uma exceção para os descendentos de emigrantes. A Argentina, que teve uma geração excepcional nos anos 40, perdeu jogadores como Sivori e Maschio. O Brasil perdeu Julinho. O Uruguai perdeu Gigghia. "Perdeu" porque naquela época o além-mar era longe, longe, muito longe. E longe é um lugar que não existe, como já dizia o poeta. Ninguém nem sabia se o sujeito estava vivo, quanto mais se ainda jogava bem. Era impraticável convocá-lo. As seleções se preparavam para as Copas durante três a quatro meses! Além disso, muitas vezes os atletas se naturalizavam e passavam a jogar pela equipe nacional local.
No final dos anos 50 foram os espanhóis que começaram a brincar de naturalizar craques. Levaram inclusive Didi e Vavá, mas não deu muito certo. Além da língua, a Europa era uma terra muito estranha e diferente. Só se sabia dela o que se via nos filmes americanos e jornais brasileiros. Entre os estranhos hábitos daquela gente, diziam alguns que os europeus não se importavam se suas noivas não fossem mais virgens. E alguns pais até sabiam que suas filhas transavam! E as mulheres trabalhavam! Era difícil alguém se acostumar.
Mas a Espanha, com Puskas e Di Stefano, e a Itália, com um monte de argentinos, fracassaram. Os espanhóis deram um tempo e a Itália "fechou o mercado". Só italianos poderiam jogar lá. O resultado pareceu bom: depois de 32 anos eles voltaram a jogar uma final de Copa e a ter um bom time.
Mas nos anos 70, embora a seleção fosse bem, os clubes italianos foram suplantados por holandeses e alemães. Isso não era bom para os negócios. E os negócios eram bons - latinos adoram futebol e como lá na Itália tem dinheiro e organização, os times davam uma grana boa. Eles resolveram arriscar, "abriram o mercado" e permitiram um não-italiano por equipe, em 1979. Vieram aqui e ofereceram US$ 1 milhão por Zico, uma quantia absurda para a época. O Flamengo disse não. Eles nem discutiram, saíram, pegaram o avião, foram para o Rio Grande do Sul e cataram o Falcão, em 1980.
A primeira temporada não foi muito boa. A Europa ainda era quase uma Terra do Nunca, um Jardim das Hespérides, um lugar de lendas e boatos. Mas no ano seguinte Falcão levantou a cabeça, distribuiu o jogo e um time que disputava posições intermediárias começou a brigar pelo título pela primeira vez em quase 50 anos.
Até então os clubes brasileiros eventualmente vendiam seus jogadores para o exterior, mas não as estrelas em ascensão. O Flamengo venderia o problemático Paulo César, mas manteria Zico. O Botafogo liberaria o trintão Jairzinho, mas guardaria o jovem Mendonça. A diferença entre o que os astros ganhavam aqui no Brasil e o que ganhariam lá fora não era tão brutal que compensasse todos os riscos que correriam. Ainda estava no princípio a era do merchandising. Somente na Copa de 1974 alguns - não todos - fabricantes de uniformes esportivos começaram a exibir seu logotipo nas camisas dos selecionados.
Tudo mudou com o sucesso de Falcão e a vitória da Itália na Copa de 1982. O título mundial animou os torcedores. Falcão provou que sul-americanos podiam brilhar no mais competitivo futebol europeu. E as comportas foram abertas. A Juventus formou um time lendário, juntando Platini, Paolo Rossi e Boniek. Os clubes espanhóis e alemães também começaram suas contratações estrangeiras. Na mesma época começava a explosão das tevês a cabo e os lucros com o esporte e merchandising subiram astronomicamente.
No Brasil houve um êxodo entre 1982 e 1984. A princípio os técnicos da seleção tentaram chamar apenas jogadores que estivessem no Brasil, mas os péssimos resultados acabaram levando à convocação de Zico, Sócrates, Falcão, Edinho e Cerezo, todos então em clubes italianos, para disputarem as eliminatórias. Em 1985, com tantos brasileiros na Itália, a rede Bandeirantes começou a transmitir o campeonato de lá. Começava a globalização do futebol.
A partir daí começou um período confuso para a seleção brasileira. A convocação de cada craque precisava ser negociada com seu clube. Dificilmente uma escalação era repetida. Algumas vezes insistia-se em chamar apenas jogadores atuantes no Brasil.
Somente nos anos 90 a FIFA regulamentaria a relação entre clubes e seleções, reservando uma quarta-feira por mês para amistosos internacionais e jogos eliminatórios, a "data FIFA". E torneios como a Copa das Confederações e a Copa América passariam a contar com os principais craques do mundo, servindo também como preparação para as equipes nacionais, já que quase todas contam com seus astros - e torcedores - espalhados pelo mundo.

A EVOLUÇÃO TÁTICA - O 3-5-2

Pelo meio dos anos 80 todos os times de futebol haviam adotado universalmente o 4-4-2. A diferença entre eles residia na variação usada. Alguns escalavam na meia-cancha dois volantes de contenção e dois armadores, formando um quadrado. Outros preferiam um cabeça-de-área, dois apoiadores e um ponta-de-lança, numa forma de diamante. Principalmente depois da vitória da Itália em 1982, alguns escolhiam três jogadores mais defensivos, dando liberdade para o último meio-campista fazer a ligação com o ataque.
Ciente de que todos os times do mundo usavam dois atacantes e decidido a tentar recuperar pelo menos parte do futebol total, o técnico dinamarquês, Sepp Piontek, teve uma idéia. Revertendo a história das táticas, tirou um jogador da defesa e o empurrou para o meio-campo. Para que mais de três zagueiros se todo mundo atacava com dois sujeitos?
A grande diferença para esquemas como o WW húngaro, que tinha uma formação de 3 zagueiros, 2 médios ou volantes, 3 meias ou armadores e 2 atacantes, era que os beques marcavam por zona e não homem-a-homem. Com tanto espaço para cobrir, certamente haveria erros. Para corrigi-los o terceiro defensor ficava atrás deles, atuando como líbero. O esquema exigia que o meio-campo ajudasse na marcação de meias ofensivos.

FIGURA 19

Com 5 jogadores no meio-campo com liberdade para se movimentar e contando com jogadores inteligentes como os irmãos Laudrup, Piontek conseguiu ressuscitar parte da magia do carrossel holandês. Seu time jogava tocando a bola em passes curtos e não "forçava" as jogadas. Caso encontrassem a defesa muito fechada por um lado, seus atletas não hesitavam em voltar o lance bem atrás para recomeçar, valorizando a posse da bola.
Esse esquema repetiria parte do sucesso do carrossel holandês. Assim como a Laranja, sua obra-prima seria uma goleada sobre um sul-americano, no caso 6 x 1 sobre os uruguaios. Como os húngaros, venceriam também uma Alemanha com um time misto. E, depois de avassaladores 40 minutos contra os espanhóis, tropeçariam no excesso de confiança e desabariam para a realidade.
A Dinamarca depois retornou para um 4-4-2 mais tradicional, que a levaria à conquista da Eurocopa, o principal título de sua história. O 3-5-2 seria adaptado para os tempos defensivistas. Em 1990 o Brasil chegaria a usar apenas um jogador de criação na linha média, usando a mística da inovadora tática para disfarçar o que era na verdade um 5-3-2. Mas isso é outra história.
O 3-5-2 foi a última tática realmente diferente a aparecer no cenário mundial. Todas as outras usadas até hoje são variações dele, do 4-4-2 e eventualmente do 4-3-3.

A COPA DE 1986

Para quem acha que os capítulos sobre as Copas estão longos demais, esse é bem mais curto.
Maradona chegou no México, ganhou de todo mundo e levou a taça.
Curto demais? Está bem, então eis a versão mais longa:
A Colômbia deveria sediar a Copa, mas faltou grana. Foi a época em que a América do Sul toda faliu. A FIFA perguntou se Brasil e Argentina não estariam interessados, mas eles disseram que também estavam duros. O México, com sua boa televisão, os estádios de 1970 ainda inteirinhos e ganhando dinheiro com petróleo, disse que topava. Então teríamos a Copa do México II - a missão.
A seleção brasileira teve péssimos resultados entre 1982 e 1985. A maioria dos craques jogava no exterior e não era convocada. Em 1985, às vésperas das eliminatórias, Telê Santana foi chamado de volta para a seleção e, imitando João Saldanha, no momento do convite declinou os convocados e escalou o time titular: Carlos, Leandro, Oscar, Edinho e Júnior: Cerezo, Zico e Sócrates; Renato, Casagrande e Éder. Falcão estava contundido. Fora ele, as únicas diferenças para o time de 1982 eram Edinho no lugar de Luisinho, Carlos no de Valdir Peres, Casagrande no de Serginho (parecia que Telê reconhecia os seus erros) e Renato no de Paulo Isidoro. Esta última modificação atendeu em cheio à torcida e imprensa: vinte anos depois que a Inglaterra foi campeã mundial com o 4-4-2, o Brasil voltava ao 4-3-3 com pontas abertos! Era o retorno do futebol ofensivo!
E parecia que funcionava. Contra a Bolívia e o Paraguai, lá na casa do adversário, dois 2 x 0. Os paraguaios tinham o melhor time de sua história, comandado por Romerito. Não adiantou nada, o Brasil mandou no jogo e Zico fez um golaço, puxando uma bola de charles e chutando em seguida lá da intermediária.
Mas a turma do Telê tinha se aproveitado do nervosismo do time da casa para ficar fechada lá atrás e só sair na experiência - e que experiência! Zico tinha 32 anos, Cerezo, 30, Júnior, 31, Sócrates, 32. O povo bom de bola estava envelhecido. Júnior e Leandro não jogavam mais como laterais em seus times - o primeiro era apoiador e o segundo, zagueiro. Sócrates não tinha mais a mesma eficiência. Nos jogos aqui no Brasil, duas atuações fracas da seleção e dois empates em 1 x 1. O 4-3-3 deixava todos muito expostos.
Mas mexer nessa tática era mexer num vespeiro. Sem os dois pontas estaríamos regredindo a 1974 e 1978, ao futebol defensivo, copiando modelos europeus que não aproveitavam o potencial do jogador brasileiro. Em uma excursão à Europa pouco antes do Mundial a seleção tomou de três da Hungria e da Alemanha. Telê aproveitou para refazer o time de modo bem mais cauteloso. Apesar de tudo, ele também acreditava que tinha sido muito ofensivo em 1982.
Ainda mais que seus veteranos começaram a cair um por um. Dirceu e Cerezo se contundiram e ficaram fora dos planos. Zico torceu o joelho numa entrada de Márcio Nunes, do Bangu, e teve que fazer uma cirurgia moderna e inovadora, uma artroscopia, para tentar jogar pelo menos algumas partidas. Falcão e Sócrates também foram operados no início do ano. Os dois se recuperaram a tempo, mas o volante nunca mais exibiu o brilhante futebol de 1982 e o doutor, fumante inveterado, estava em fim de carreira.
E a preparação voltou a ser conturbada. Numa eleição confusa, repleta de acusações de compra de votos, Nabi Abi Chedid, controverso dirigente paulista, pôs seu candidato Otávio Pinto Guimarães no comando da CBF, desalojando Giulite Coutinho. A mudança trouxe de volta as pressões políticas para escalações de jogadores. A globalização do futebol começara. Os clubes europeus só liberaram seus jogadores vinte dias antes do torneio. Mais uma vez uma Copa começava sem que o Brasil tivesse um time titular realmente definido.
Os canarinhos estrearam contra a Espanha, bom time comandado pelo artilheiro Butragueño. Na linha média alinhavam pela primeira vez dois cabeças-de-área preocupados principalmente em defender, Elzo e Alemão. O terceiro homem do meio-campo, Júnior, era o lateral-esquerdo de 1982 e, embora um craque na criação de jogadas, preocupava-se mais com a marcação do que ocupantes anteriores da posição. Sócrates, o mais avançado do quarteto, sempre fora mais um armador do que um ponta-de-lança. Faltava-lhe a velocidade requerida pela função. As jogadas pelos flancos seriam providenciadas primordialmente pelos laterais, pois o ataque tinha dois centroavantes, Careca e Casagrande, sendo que este último fazia o gênero "trombador", com pouca movimentação por toda a frente. O Brasil finalmente jogaria num autêntico 4-4-2, apenas com armadores no meio-campo, sem nenhum autêntico meia-atacante (ou ponta de lança, ou "número 1", ou "camisa 10").
Por sorte os canarinhos contaram com a melhor atuação de Careca na seleção. Até então jogador que brilhava em clubes, mas com dificuldades em assumir a condição de astro, sempre ofuscado por alguém, Careca naquela Copa ganharia fama mundial. Contra os hispânicos, num arremate seu a bola bateu na trave e sobrou para Sócrates, livre, cabecear para o gol vazio. Uma bola da Espanha bateu na trave e dentro da meta, mas o juiz não validou e mandou seguir. O jogo acabou 1 x 0. Com os espanhóis também acreditando na filosofia dos campeões italianos de que a defesa era quem ganhava os jogos, houve pouquíssimas chances de lado a lado. Esta seria a tônica do Mundial.
Ainda mais que os jogos voltaram a ser eliminatórios. Os mexicanos propuseram e a FIFA aceitou um novo regulamento: os 24 países eram divididos em 6 grupos de 4. Os dois primeiros de cada se classificavam e, entre os times que ficassem em terceiro, prosseguiam os 4 que fizessem mais pontos. Isso totalizava 16 seleções, que eram alinhadas em 8 jogos eliminatórios, depois 4, depois semi-finais e final. A Copa é disputada assim até hoje, com a única diferença de que aumentou o número de participantes e de chaves, não havendo mais vaga para os terceiros colocados. Com essa fórmula e a mentalidade defensivista da época haveria um número récorde de partidas definidas na disputa de pênaltis.
A seleção que deu origem a isso tudo, a Itália, começou mal. Empatou com a fraca Bulgária. A Argentina ganhou da Coréia, fazendo 3 x 1 em jogadas de Maradona. Em seguida os dois últimos campeões do mundo empataram em 1 x 1 em mais chatos 90 minutos. Jogo bom só seria o inesperadamente emocionante Itália 3 x 2 Coréia do Sul. Depois de ser eliminada pela Coréia do Norte em 1966, a Azzurra penou com os primos meridionais para ganhar a vaga. Não seria a última vez que os italianos ouviriam falar dos coreanos. Os argentinos, sempre empurrados por Maradona, fizeram 2 x 0 na Bulgária e seguiram adiante.
Em 1982 muita gente apostava que a Bélgica iria surpreender. Só surpreendeu os argentinos. Em 1986 ela começou mal, perdendo dos anfitriães, para depois vencer por 2 x 1 o fraco Iraque e empatar com os paraguaios. Ganhou a vaga, ao lado dos mexicanos.
No grupo C estava a esperança dos fãs do "jogo bonito". Nos quatro anos anteriores Platini se mudara para a Juventus, tornara-se a estrela de um time que tinha ainda Rummenigge, Boniek e Paolo Rossi, e ganhara a experiência que lhe faltara na semi-final de 1982, quando os franceses fizeram 2 x 0 na prorrogação e perderam para os alemães nos pênaltis. Em 1984 ele confirmou sua maturidade comandando "les bleus" na conquista da Copa da Europa.
Mas a França não começou bem. Fez apenas 1 x 0 no fraquíssimo Canadá. No outro jogo da rodada é que veio a goleada. Muita gente achava o jogo de toque de bola da Hungria promissor, principalmente depois da vitória sobre o Brasil por 3 x 0. Pegaram a URSS pela frente. Em cinco minutos já estavam perdendo de 2 x 0, em dois chutes violentíssimos e precisos lá do meio da rua. Aos 23 os soviéticos fariam 3 x 0. Acabaria 6 x 0. Os húngaros não acharam mais o caminho de casa e foram eliminados.
A Inglaterra, como sempre, chegou achando que era a favorita. Perdeu de Portugal na primeira partida. Polônia e Marrocos empataram o outro jogo. Os britânicos empataram com os marroquinos. Os lusos perderam dos poloneses. Mas a Inglaterra fez 3 x 0 na turma do Boniek e os portugueses conseguiram perder para os africanos por 3 x 1 e foram embora, conseguindo não entrar nem na repescagem. Estava mantida a tradição dos lusitanos de ganhar clássicos e se complicarem com seleções de pouca tradição.
A sensação da primeira fase da Copa veio da chave da Alemanha. Mas não foi o futebol de marcação-cruzamento-gol dos germânicos que fez a festa. Foi um novo carrossel. A Dinamarca, depois de brilhante campanha nas eliminatórias, apresentava ao mundo a última tática inovadora na história do futebol, o 3-5-2. Com tantos jogadores na linha média, ou seja, com liberdade para atacar ou defender, em certos momentos sua movimentação lembrava a "Laranja Mecânica". Também copiaram dos holandeses a filosofia de não forçar um drible ou um chute prensado, mas voltar a jogada se encontrassem um obstáculo, para procurar um caminho mais fácil. Atacantes com a bola dentro da área não hesitavam em voltar o lance para o meio-campo, para experimentar a outra ponta ou o meio.
Os uruguaios, que tinham uma boa equipe, com um dos melhores jogadores do mundo, Francescoli, entraram com um 4-3-3 para pegar os dinamarqueses. Tomaram de 6 x 1 e não viram a cor da bola. A Dinamarca passou a ser conhecida como "Dina-máquina". O centroavante algo enrolado Elkjaer conseguia levar os defensores com seu corpanzil e sua velocidade. Morten Olsen era o maestro do time e Laudrup o cérebro do ataque. Venceram também a Escócia por 1 x 0 e a Alemanha por 2 x 0. Os alemães entraram com meio time reserva. Ficaram em segundo na chave e teriam pela frente os surpreendentes marroquinos. Os dinamarqueses pegariam os espanhóis. Mais uma vez ficou a suspeita de que os germânicos planejaram uma derrota para facilitar seu caminho.
Enquanto isso, em sua chave, o Brasil penou contra a Argélia. A seleção não se acostumava com dois centroavantes e os laterais não estavam acostumados a se soltar completamente, mesmo com os dois cabeças-de-área. E os africanos ficaram retrancados lá atrás. O gol só saiu em mais uma jogada individual de Careca, que dividiu uma saída de bola dos argelinos. O lateral Édson se machucou. Falcão entrou em seu lugar aos 10 do primeiro tempo e comprovou que jamais voltaria a ser o craque de 1982. Telê Santana fez duas modificações para o jogo contra a Irlanda do Norte. No lugar de Édson entrou o irregular Josimar, do Botafogo. No lugar de Casagrande entrou Muller.
Muller havia sido o artilheiro do Mundial sub-20 que o Brasil ganhara em 1985. Isso imediatamente lhe deu uma vaga na seleção principal, com a carência de jogadores disponíveis no país. Suas arrancadas com a bola controlada faziam da imprensa paulista ferrenha defensora sua, rotulando-o como grande craque. Curiosamente Muller só conseguira a vaga no time de juniores campeão depois que o titular foi cortado por um problema envolvendo prostitutas na concentração. O nome do sujeito era Romário. Por conta da fama que o são-paulino granjeou naquele torneio, Romário teria sua estréia com a amarelinha adiada por quase dois anos. A má fase que seu time, o Vasco, atravessava também não ajudava, ainda mais se comparado ao brilhante São Paulo de Muller, que contava também com Pita, Careca, Oscar e Silas.
E Muller e Josimar arrebentaram contra a Irlanda. O atacante arrancou pela ponta-direita e cruzou no pé de Careca para a abertura do placar logo aos 15 minutos. No final do primeiro tempo o lateral, que passou a maior parte do tempo apoiando o ataque pelo meio e pela direita, soltou um foguete de 96 km/h lá da intermediária e fez 2 x 0. O gol foi escolhido um dos 10 mais belos chutes da história das Copas. Zico, em recuperação, entrou aos 23 do segundo tempo e deu um passe de calcanhar para Careca fazer o terceiro aos 42 do segundo tempo. Finalmente o Brasil mostrou que podia defender e atacar ao mesmo tempo, achando um equilíbrio entre futebol-arte e marcação. Talvez estivéssemos encontrando a trilha que aquele time de 1982 não achou.
Começaram os jogos eliminatórios. A URSS jogou à beça, mas o tempo normal acabou em 2 x 2 graças ao soprador de apito, que validou um gol em clamoroso impedimento dos belgas. Os soviéticos saíram na frente na prorrogação, mas mais alguns equívocos de arbitragem deram a vitória para a Bélgica, apesar de ter sido imprensada desde o começo. Os comunistas sempre foram estranhamente perseguidos por erros de árbitros. E sempre se comportaram cavalheirescamente, aceitando tudo com fair-play. Um jornalista já levantou a teoria de que, como eles viviam num regime autoritário, onde quem reclamasse ia preso, eles não se rebelavam contra as decisões. Os juízes então ficavam mais à vontade para apitar contra eles.
Os uruguaios, apesar da surra para a Dinamáquina, entraram na repescagem e pegaram os onze de Maradona. Todos os gols portenhos tinham saído dos pés do seu camisa 10. A turma do Francescoli botou todo mundo na marcação do baixinho. O resto da Argentina era só coadjuvante mesmo. Quase deu certo. Maradona fez umas três arrancadas pela ponta e cruzou para companheiros perderem gols feitos. Aos 41 minutos Pasculli conseguiu acertar. Os erros devem ter irritado muito Maradona, já que a partir dali ele resolveu que ele mesmo iria fazer os gols.
O Brasil pegou a Polônia de Boniek. O primeiro tempo foi chatíssimo e, numa jogada isolada, Careca invadiu a área e foi derrubado num pênalti desnecessário. O Brasil fez 1 x 0. O jogo continuu fechado no segundo tempo, até que aos 11 minutos houve uma falta na intermediária a favor dos canarinhos. Josimar, depois daquele belo arremate contra a Irlanda, resolveu bater.
A bola bateu na barreira e voltou para Josimar. O tresloucado lateral dividiu a rebatida com um polonês, deu dois belos dribles nos defensores poloneses e chegou à linha de fundo, onde, ao invés de cruzar para os brasileiros livres, deu um toque de efeito por cobertura sobre o goleiro. Um golaço coroando uma jogada onde ele fez tudo ao contrário do que deveria.
Com 2 x 0 contra eles, enfrentando uma defesa onde não conseguiam penetrar, os poloneses jogaram a toalha. Foram para a frente de qualquer jeito e tomaram dois belíssimos contra-ataques, com toques de calcanhar, dribles de efeito e tabelinhas, que fecharam o placar em 4 x 0. Zico entrou aos 25 do segundo tempo e jogou bem. Parecia que em breve ele estaria em condições de jogar para valer. O Brasil voltava a parecer o Brasil.
Nos outros jogos a França despachou a Itália com uma facilidade absurda. O locutor de tevê, sabendo que os franceses seriam nossos próximos adversários, pedia, "Puxa, Itália, cansa a França um pouquinho". Não adiantou. Foi 2 x 0 fora o rola. A Inglaterra fez 3 no Paraguai. A Alemanha não conseguiu penetrar a defesa de Marrocos até que aos 44 do segundo tempo a barreira abriu numa cobrança despretensiosa de falta e enganou o goleiro. Eles estavam certos em evitar a Espanha. A "Fúria" tinha eliminado a Dina-máquina por 5 x 1.
Quanto?
Cinco a um. Quatro gols de Butragueño.
É melhor explicar a história toda.
Os dinamarqueses foram a sensação da primeira fase. Todo mundo só falava neles. A Dina-máquina. O futebol total. O carrossel escandinavo. Era o futuro do jogo. O caminho do esporte. Aquela retranca herdada da Itália iria acabar. Os dinamarqueses eram os melhores do mundo. Os jogadores comemoraram adoidado sua campanha no grupo. E a Espanha... bem, a Espanha era a vice-campeã européia, mas não era adversário para eles. Lembram-se das outras vezes em que uma seleção começou a raciocinar assim?
Mas o jogo começou dando razão às crenças dinamarquesas. A bola rolava fácil, seus atacantes passavam pelos assustados espanhóis como queriam e perdiam uma chance atrás da outra. Aos 32 a defesa da Espanha fez pênalti e os escandinavos abriram o placar. E começaram a tocar a bola de um lado para o outro. A partida estava no papo. Os ibéricos assustados e inferiores teriam que se abrir para atacar.
E, nessa brincadeira, a defesa quis sair trocando passes de efeito para o ataque. Butragueño roubou uma bola mal atrasada por Jesper Olsen para o goleiro e empatou o jogo aos 43 minutos. Depois de toda a aula de futebol que deram, os dinamarqueses foram para o vestiário do modo como tinham começado o jogo: com um empate.
A partida saía do roteiro previsto. Os espanhóis começaram a perceber que os dinamarqueses eram feitos de carne e osso que nem eles. E, ao contrário dos marcadores de Pelé, não estavam errados. Os escandinavos voltaram nervosos, querendo reabrir logo a vantagem, mostrar que eram superiores, lembrando o Brasil de 1982. E Butragueño foi seu Paolo Rossi. Aos 12, num escanteio, ele virou o placar. Foi a Dinamarca quem teve que se mandar para o ataque e arriscar tudo. Acabaram derrubando o atacante espanhol na área. Goikoetxea cobrou para fazer 3 x 1. Butragueño ainda faria o quarto e converteria mais um pênalti no finalzinho. Por causa do seu erro ao atrasar a bola no primeiro gol, o lateral Jesper Olsen viu surgir em dinamarquês a palavra "jesper", significando "erro crasso".
Nas quartas-de-final os alemães eliminaram os donos da casa nos pênaltis após um chatíssimo 0 x 0. Os belgas, com seu futebol pouco brilhante, fizeram o mesmo com Butragueño & cia., que assumiram o papel de favorito eliminado. Pelo menos no tempo normal foi 1 x 1. Os únicos jogos mais divertidos foram os com os sul-americanos.
Maradona cansou de dar gols para os companheiros perderem. Então contra os ingleses, no primeiro encontro dos dois países desde que os britânicos arrasaram os argentinos na Guerra das Malvinas em 1982, ele resolveu fazer tudo. Aos 6 do segundo tempo um argentino levanta um chuveirinho na área inglesa. Shilton sai tranquilo, o único atacante por perto é o nanico Maradona.
De alguma forma Maradona consegue ganhar a disputa pela bola alta. Os ingleses começam a reclamar imediatamente. Bando de chorões. Todo o mundo viu pela televisão que foi um gol legal. O estádio inteiro viu. O Shilton é que vacilou. Vamos ver com calma agora nesse replay em câmera lenta de outro ângulo.
E não é que o baixinho meteu a mão na bola?
Ninguém viu o lance na hora. Não foi só por ter sido ilegal. Maradona foi tão furtivo em sua infração que o juiz não teve a menor dúvida em dar o gol e os espectadores só ficaram surpresos com a falha de Shilton. Numa entrevista depois do jogo, Maradona disse que foi a "mão de Deus" que o guiou naquela disputa de bola. O gol passou para a história como o da "mão de Deus".
Aproveitando que os britânicos estavam atordoados, Maradona pegou uma bola mais ou menos ali pela lateral-direita e ficou rodando que nem pião em volta de si mesmo. Parecia não fazer sentido, mas de repente ele estava de frente para o ataque e já tinha deixado quatro bretões na saudade. Ele arrancou pelo flanco direito, passou por um, dois, três...
Bem, esse foi escolhido quase unanimemente o gol mais bonito já assinalado numa Copa do Mundo. Tem em qualquer filme sobre os Mundiais ou futebol em geral. Maradona driblou todo mundo e tocou na saída do goleiro. O que fazer? Os ingleses correram atrás e diminuíram, mas a Argentina garantiu a vaga na semi-final.
E teve o Brasil x França, né?
Era o confronto dos dois times mais técnicos. O Brasil vinha subindo de produção. A França também.
Os brasileiros começaram bem melhor. Muller perdeu um gol logo no início. Mas Careca, depois de uma bela tabela entre Muller e Júnior, fez 1 x 0. O Brasil continuou mandando no jogo. Marcava bem e, embora não tivesse tido mais grandes chances, continuava rondando a área francesa. Platini e companheiros não ameaçavam.
Até que aos 41 minutos um cruzamento despretensioso da ponta-direita resvalou no peito de Edinho, que fazia a marcação da jogada, desviou do goleiro Carlos e caiu no pé de Platini. O Brasil iria levar um empate com sabor amargo para o vestiário. Carlos deu azar. Mas a seleção estava jogando bem. Tudo mudaria no segundo tempo.
Não mudou. O Brasil jogava bem, mas não ameaçava. A França começava a se tornar mais perigosa. Telê lançou Zico aos 26 minutos. Em sua primeira jogada ele faz um lançamento longo para Branco, que se infiltrou pela meia-esquerda. O lateral se livra da marcação e é derrubado na entrada da área.
Sócrates é o cobrador oficial do time. Mas ele abre mão de bater o pênalti. Todos consideram que o Galinho, depois de todo o esforço que fez para jogar a Copa, merece a honra. Afinal, foi seu lançamento que originou a infração. Zico, que mal entrara, ainda com a musculatura fria, aceita a missão. E erra. Bate mal. O goleiro Bats pega.
O Brasil inteiro se desespera. É o desastre de 1982 outra vez! Todo mundo se manda para o ataque. Oportunidades são perdidas. Uma cabeçada trisca o travessão. Mas o gol não sai. Vai ter prorrogação.
O tempo extra foi todo da França. Os balzaquianos Zico, Júnior, Sócrates e Edinho não aguentam o ritmo da técnica seleção francesa. Carlos faz um pênalti quando um atacante adversário entra sozinho. O jogador escapa dele, mas perde o equilíbrio e o gol. Pelas regras da época, se o juiz não desse a falta na hora em que ela fosse cometida, não poderia marcá-la depois. O árbitro achou que o francês tinha levado vantagem e não apitou a infração. O Brasil escapa. Talvez a sorte estivesse mudando.
E começa a disputa por pênaltis.
Zico bate e dessa vez converte. Sócrates, o cobrador oficial da equipe, se prepara. Ele dá dois passos para trás. O ex-técnico da seleção, João Saldanha, comentando o jogo para a tevê, grita para o Brasil inteiro: "toma distância, ô, palhaço!" Ele não toma. O chute sai péssimo, por cima do travessão.
O próximo chute da França bate no travessão. Antes que a torcida brasileira possa comemorar, a bola volta na direção do campo, bate nas costas do goleiro Carlos, que escolhera o canto certo, alguns metros à frente da linha de gol, e entra. Vale isso? Vale.
Esse lance causou tanta polêmica que a regra mudou por causa dele. Hoje em dia, numa disputa por pênaltis, se a bola bater na trave e voltar, ela está fora do jogo. Se Carlos tivesse escolhido o canto errado ou ficado parado, o chute não teria entrado. O Brasil continua com azar. Todo mundo acertou a cobrança, menos Sócrates. E logo Platini, o craque deles, vai bater o último.
E erra também.
Talvez a sorte esteja voltando para o Brasil.
Mesmo assim, ninguém se arrisca. Ninguém quer bater o último pênalti, que pode empatar a cobrança. O zagueiro Júlio César estava escalado, mas começou a passar mal e foi para o vestiário. O time vai buscá-lo.
Ele toma distância, desloca o goleiro e coloca a bola bem no canto. Tanto que ela bate na trave. E o arqueiro estava do outro lado, nem tem chance de rebater nele. O Brasil está eliminado.

BOX

Depois do Mundial, a carreira de Josimar começou seu rápido declínio, devido principalmente à cabeça do jogador, nem de longe tão boa quanto sua perna direita. Certa vez, jogando pelo Flamengo, perdeu o vôo para um jogo em Minas e, na entrada do aeroporto, pegou um táxi do Rio até Belo Horizonte (!!!!) Acabou chegando depois da partida e sendo multado por seu atraso.

Resta o consolo de ter feito um dos mais lembrados jogos da Copa depois de 1970. A França novamente iria despencar diante dos alemães. O técnico time gaulês não tem a condição física germânica e cai por 2 x 0. Bats, depois agarrar um pênalti de Zico, falha numa cobrança de falta de Brehme aos 9 minutos e facilita tudo. de Na outra semi-final sem brilho novamente Maradona arranca do meio driblando todo mundo pela frente e faz os dois gols contra a Bélgica. Os belgas chegaram entre os quatro primeiros tendo ganho apenas uma partida no tempo normal.
Depois do que o baixinho marrento da Argentina estava fazendo, não havia ninguém que apostasse na Alemanha. Não que o time argentino fosse superior. Todo mundo estava preocupado com a marcação. Os atacantes perdiam gol adoidado. Passarella, que classificara o time na raça nas eliminatórias, estava no banco. Maradona não gostava dele. E o que Maradona queria, Carlos Billardo fazia. Menotti fora demitido depois da derrota em 1982. Billardo assumiu e acabou com aquela história de futebol ofensivo. Como quase todo o planeta, ele adotou a filosofia defensivista italiana. Um monte de sujeitos ajudando a defesa. Só um não precisava, pois tinha "liberdade para criar", com os outros todos correndo por ele.
Para sorte dos argentinos, esse um era Maradona.
Os alemães mais uma vez tinham Rummenigge fora de condições. O grande atacante teria como grande momento nas Copas somente a prorrogação da semi-final de 1982.
Os germânicos entraram preocupados com Maradona. Nem perceberam que o resto dos argentinos fazia 2 x 0. Aos 25 do segundo tempo o locutor de tevê perguntava a João Saldanha, "João, Copa decidida?" O ex-técnico respondeu que "a Argentina está dando a única chance que a Alemanha tem, em bolas altas na área". Três minutos depois Rummenigge diminuía num escanteio. Aos 37 Voller empatava em outra cabeçada.
Os alemães comemoram. Esses empates heróicos costumam levar à vitória. Não seria a primeira vez que uma lenda viva do futebol cairia a seus pés numa final de Copa. Nem a segunda. O locutor da tevê pergunta a João Saldanha, "e aí, João, vamos ter prorrogação?". João responde que ainda há tempo, mas a Argentina precisa acionar Maradona.
E aciona. Aos 39 ele dribla alguns alemães e lança Burruchaga com um passe milimétrico que deixa o atacante na cara do goleiro. É o gol da vitória. Nem o vidente travestido de jornalista João Saldanha duvida mais do título portenho.
Se em 1982 o defensivismo tomou o mundo, o resultado da Copa de 1986 confirma a seus praticantes que a retranca é realmente o caminho certo. Brasil, Dina-máquina, França, todos foram vítimas fáceis de seus algozes. O eficiente e pouco criativo futebol alemão chegou à final. Os belgas chegaram em quarto vencendo só uma vez no tempo normal. Com a fórmula de disputa eliminatória levar um gol é um desastre. Não se pode arriscar muito.
E até a Argentina mostrou um futebol pobre. Mas tinha Maradona. Costuma-se dizer que Garrincha ganhou sozinho a Copa de 1962. Óbvio exagero, apenas uma hipérbole para honrar seus feitos. Ele arrebentou nas semi-finais e nas quartas, mas o herói da final e do jogo contra a Espanha foi Amarildo. Em 1986, não. Maradona carregou nas costas um paupérrimo time argentino. Suas maravilhosas arrancadas deram um gosto de pelada de rua à Copa mais retrancada e tática até então. Mas o resto do mundo tirou a lição errada.
Os times começaram a ser armados repletos de atletas preocupados com a marcação e apenas um na criação, além dos atacantes, é claro. Mais de um enfraqueceria a defesa, porque jogadores criativos não defendem tão bem. E, afinal de contas, como se podia ver olhando em volta, eles estavam em extinção.
É claro que estavam, não podia ter mais de um por equipe!!!
O resultado seria que em 1990 chegar-se-ia ao fundo do poço.
A pior Copa de todos os tempos.

MARADONA

Como bom baixinho marrento craque de bola, Maradona tem pernas curtas e grossas. Tal compleição o deixa mais perto do chão e diminui seu centro de gravidade, dando-lhe excepcional equilíbrio. Também o provê com poderosos músculos nas coxas e panturrilhas, capazes de rápidas arrancadas e estupenda aceleração. Combinadas essas qualidades, o argentino, em seus tempos de atleta, era capaz de mudar de direção quase sem esforço.
Em suma, ele tinha o físico do driblador. Aliado a seu fantástico controle de bola, estava tudo pronto para Maradona tomar de assalto o mundo do futebol, do mesmo modo como tomava as defesas adversárias: jogando-se no meio dos zagueiros, aproveitando-se de seu equilíbrio e suas rápidas mudanças de direção e arrancadas para costurar entre eles, manter e proteger a bola com fintas e até trombadas e sair do outro lado, pronto para fazer o lançamento ou gol.
Maradona nasceu em Villa Fiorito, uma comunidade carente de Buenos Aires, em 1960, o quarto de seis irmãos. Aos 10 anos foi descoberto no time do bairro pelos olheiros do Argentinos Juniors. Além de jogar nos juvenis, sua habilidade com a bola o levou a ser um espetáculo de intervalo da equipe principal, fazendo acrobacias e lances de efeito.
Com 15 anos ele já havia passado do intervalo para o primeiro tempo e aos 16 estreou na seleção argentina contra a Hungria. Mesmo sendo considerado estupenda promessa e estando entre os 40 pré-convocados, o técnico Menotti o deixou de fora dos 22 para a Copa de 1978, negando a ele a chance de ganhar um Mundial aos 17 anos, igualando outro deus do futebol. Ele nunca perdoaria Menotti por isso.
O Argentinos Juniors era uma equipe muito ruim o que levou Maradona a só ser realmente revelado à humanidade no Mundial sub-20 de 1979, aos 18 anos. Finalmente ele ganhou o status de supercraque que sempre almejou e tornou-se titular absoluto da seleção portenha, que não foi bem no Mundialito de 1980. Também transferiu-se para o Boca Juniors, seu time de coração e ganhou seu primeiro título, o campeonato argentino.
Desde cedo preparado para ser um supercraque, Maradona desenvolveu uma personalidade no mínimo polêmica. Para não dizer detestável. Arrogante, dado a ataques de estrelismo, atirando-se ao chão sempre que perdia a bola e reclamando sem parar do juiz, com as regras de hoje seria expulso em meia hora. Seu relacionamento com os companheiros também nunca foi dos melhores e o fracasso da seleção argentina na Copa de 1982, em que era um coadjuvante, só piorou as coisas. Sintoma do estado de seus nervos na época foi a expulsão contra o Brasil, entrando criminosamente em Batista quando a partida já estava resolvida.
Em 1983 foi para o Barcelona, mas primeiro uma hepatite e depois uma entrada desleal de Goikoetxea quase encerraram prematuramente sua carreira. O Barça é um clube de tradição, quase um símbolo da Catalunha, e não estava disposto a se curvar às vontades de um craque mimado, ainda que fosse o Maradona. Sem apresentar resultados comparáveis aos problemas que causava, o baixinho marrento foi vendido em 1984 para o Nápoli, time italiano que nunca esteve entre os grandes.
Jogando num time em que era a indiscutível estrela, o principal ídolo e onde todos se curvavam às suas vontades, em pouco tempo Maradona chegou ao auge de sua carreira. Suas jogadas e seus gols atraíam torcedores e mídia para o Nápoli e em pouco tempo outros ótimos jogadores eram adicionados ao elenco, como os brasileiros Alemão e Careca, todos eles cientes de que seu sucesso se devia ao genial baixinho e, portanto, sem muita intenção de disputar o papel de protagonista com ele.
A seleção argentina, então numa rara época de poucos craques, decidiu, sob o comando de Carlos Billardo, fazer o mesmo. O time inteiro jogaria em função de Maradona, defendendo para roubar e bola e dar para o baixinho resolver. Num esquema desses, jogadores criativos e técnicos, porém pouco combativos, como Kempes e Ardilles, não teriam vaga. E daí? Funcionou perfeitamente. A princípio preocupado em preparar gols para os companheiros, ele acabou cansando da incompetência deles e decidiu ele mesmo fazê-los. Costurando com a perna esquerda, assinalou o mais belo tento da história das Copas. Ainda marcou com a mão, driblou toda a defesa belga e na final deu o passe perfeito para Burruchaga sacramentar a vitória de don Diego no Mund... digo, a vitória dos argentinos no Mundial.
De volta ao Nápoli, foi o artífice não só dos dois únicos campeonatos italianos da história do clube como o levou ainda ao título da Liga dos Campeões. Mas já na época dessa conquista estava visivelmente acima do peso e longe da forma física que lhe permitia as arrancadas fabulosas no México. O que o tirava do patamar de semideus do futebol para transformá-lo apenas em um cracaço.
Depois de apenas alguns momentos brilhantes durante a Copa de 1990 - principalmente a mãozinha que salvou um gol da União Soviética e a arrancada contra o Brasil, lembrando o Mundial de 1986, a carreira de Maradona começou seu rápido declínio.
Em 1991 um teste anti-doping detecta o uso de cocaína. Maradona é suspenso por 15 meses. Também se envolve num caso enrolado envolvendo um filho ilegítimo e outro sobre suas amizades com mafiosos da Camorra. Assim, em 1992, o impensável acontece: apesar de reverenciado em Nápoles, é vendido para o Sevilla e, depois, para o Newell's Old Boys, de volta à Argentina. Em 1994 ele se dedica apenas à seleção, aparecendo surpreendentemente na Copa em excelente forma física, depois de anos se parecendo com sua grande parceira, a bola.
Mas outro exame anti-doping dedura que sua silhueta sucinta é fruto não de boa alimentação, exercícios e 8 horas de sono, mas de anfetaminas, remédios para emagrecer que também aumentam a forma física. De forma ilegal, é claro. Maradona tenta dizer que acertou com a FIFA que poderia tomar essas drogas para valorizar o Mundial. Não convence ninguém.
Depois de outra longa suspensão, Maradona volta para o Boca Juniors, de 1995 a 1997. Visivelmente sem condições para continuar jogando futebol, encerra sua carreira. E aí começam seus problemas.
Longe dos gramados e da rotina do futebol, Maradona afunda no vício da cocaína, chegando a ser preso. Anos e anos em clínicas de reabilitação, inclusive em Cuba, onde fica amigo de Fidel Castro, não fazem efeito. Ele continua engordando, falando mal de todo mundo e intratável. E cheirando muito pó.
O resultado é que em 2004 ele acabou tendo um enfarte. Durante 5 dias ficou no respirador e por mais 1 semana não saiu da UTI. Quando finalmente a deixou, achou que depois daquilo, o próximo passo era o cemitério. E deu um jeito na vida.
Maradona emagreceu, conseguiu um progama de televisão, fez as pazes com Pelé, que entrevistou na estréia de seu talk-show e parece estar de bem com a vida. O que é ótimo. Como sempre soube Hollywood, todo mundo gosta de um bad boy genial, que vence sem seguir as regras caretas do mundo, mas exagera e vai até o fundo do poço, para depois se recuperar e dar a volta por cima (usualmente depois de atirar uma garrafa num espelho).

PLATINI

Platini foi um dos maiores lançadores e passadores do futebol. Bobby Charlton, o craque de 1966, dizia que ele era capaz de passar uma bola por dentro do buraco de uma agulha. O que ainda é mais fácil do que passar um camelo, ou mesmo um milionário. Mas Platini era meio-campista e não apóstolo.
Passar a bola, ao contrário do que o Penta possa pensar, não é só jogá-la mais ou menos na direção do companheiro. O ideal é que chegue não onde o outro jogador está, mas onde ele estará quando ela chegar. Ou então, se for um toque curto, não no corpo do sujeito, mas no lado do pé dele, para que ele já a receba dominando-a.
Mas Platini era também exímio chutador e cobrador de faltas e avançava sempre para o ataque para concluir, como o provam os 9 gols em 5 jogos na Copa da Europa de 1984, inclusive o do título. Mas o que os brasileiros lembram bem é aquele marcado por ele em Carlos, empatando o jogo no Mundial do México em 1986.
Michel Platini começou jogando no Nancy-Lorraine, depois foi para o Saint-Etienne ser campeão e acabou na Juventus. No ínterim, ele estreou em Copas em 1978, chamando a atenção do resto do mundo mesmo que os franceses não tenham passado da primeira fase (culpa em parte de um pênalti maroto marcado contra eles no jogo contra a Argentina). Platini marcou seu primeiro gol em Mundiais contra os anfitriães portenhos.
Em 1982 ele era uma das estrelas da Copa, mas a França começou muito mal, perdendo para a Inglaterra por 3 x 1 sem mostrar em nenhum momento que poderia vencer. Mas a partir da entrada de Tigana, ele ganhou um companheiro com quem dialogar e les bleus começaram a jogar adoidado. Sua participação terminou nas semifinais, onde mais uma vez um time que jogava bonito e era favorito achou que a partida já estava ganha e se desconcentrou. Depois de fazer 2 x 0 sobre a Alemanha aos 7 minutos da prorrogação, deixaram que Rummenigge comandasse a virada teutônica.
Em 1984 Platini comandou a conquista da Copa da Europa pela França, marcando os já referidos 9 gols em 5 jogos. Também ganhou o campeonato italiano, a Liga dos Campeões e a Supercopa européia, tudo no mesmo ano. Ah, e o segundo de três títulos consecutivos de melhor jogador da Europa (antes de Maradona ganhar companheiros dignos de sua bola no Nápoli). Com essas credenciais, os franceses estavam entre os favoritos para o Mundial do México.
Depois de despacharem facilmente os campeões italianos nas oitavas, os franceses fizeram a melhor partida daquele Mundial contra os brasileiros e venceram nos pênaltis. Mas novamente os esforços de Platini e amigos foram baldados pelos alemães. Com uma ajuda do goleiro Bats, que gastou toda sua competência pegando um pênalti de Zico.
Nunca ter ganho uma Copa foi a única mágoa de Platini. Certa vez disse que se houvessse um Mundial por ano entre 1982 e 1986, os franceses teriam ganho duas ou três (nós, brasileiros, e os argentinos, teríamos umas coisinhas a discutir quanto a este ponto). Mas de resto ganhou tudo que pôde. Pendurou as chuteiras em 1987 e tornou-se dirigente.
Platini foi o organizador da Copa de 1998, o que de certa forma diminui sua mágoa.

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