junho 03, 2006

A História das Copas do Mundo Capítulo XVII - A Copa de 1998

Os capítulos anteriores estão embaixo deste, em ordem decrescente, como sói acontecer em blogs. Leia tudo desde lá do começo e leia a fascinante história da evolução tática e da origem do futebol.

A COPA DE 1998 - A VERDADE ESTÁ LÁ FORA

Em 1998 a série de tevê de maior sucesso no mundo era "Arquivo X", que trazia para a telinha todas as teorias de conspiração que a Internet estava ajudando a espalhar pelo globo. E, para explicar por que o astro maior da seleção, Ronaldo Lima, teve uma convulsão antes da final, apareceram as teorias mais estapafúrdias, desde um conchavo da Nike para favorecer o time anfitrião (que usava outra marca esportiva!!!!) até um suposto caso entre a companheira do Fenômeno e um repórter da Globo. Nada nunca foi bem explicado e uma enigmática declaração de Bebeto na volta ao país ("algum dia a história poderá ser contada") só aumentou o mistério. Ridiculamente, aproveitando uma CPI sobre corrupção no futebol, a Câmara dos Deputados chegou a convocar Lídio Toledo e outros integrantes da comissão técnica para depor sobre o ocorrido. Sem conseguir apurar nada, é claro.
Depois da boa organização de 1994, o Brasil voltou a chegar sem um time definido para a Copa. Zagallo, animado por ser o único brasileiro diretamente envolvido na conquista de quatro Mundiais (como jogador em 1958/1962, como técnico em 1970 e como coordenador em 1994), aceitou o convite para ser o treinador depois que Parreira foi para a Espanha. Mas não havia ninguém para desempenhar o papel dele na última conquista. Não haveria um supervisor. Zagallo teria novamente plenos poderes de decisão, um erro que a CBF já deveria ter aprendido que não podia ser cometido.
Depois da Copa América de 1995 foi decidido que o próximo ano seria apenas para treinar a seleção sub-23 para a conquista das Olimpíadas, único título que falta ao futebol brasileiro. A princípio tudo correu bem. Rivaldo estava em ascensão e era o astro do time. Bebeto, recém-contratado pelo Flamengo, seria um dos três jogadores mais velhos permitidos por equipe, embora a torcida preferisse Romário. Mas os rubro-negros estavam satisfeitos. O outro atacante, Sávio, era considerado o próximo supercraque da seleção canarinho. Na sua reserva estava outro jogador promissor. Ronaldo.
Ronaldo estreara na seleção no último amistoso no Brasil antes da Copa de 1994. Sua atuação esfuziante contra a Islândia lhe garantiu uma vaga entre os 22 convocados, mesmo aos 17 anos. O PSV Eindhoven, depois de sua boa experiência com Romário, contratou o artilheiro. E, como ocorrera com Romário, o dentuço foi engolfado pela obscuridade do campeonato holandês. Enquanto isso, Sávio, a única grande revelação rubro-negra em anos, ganhava um culto quase messiânico e a vaga ao lado de Bebeto.
O Brasil conseguiu resultados tão bons nos amistosos de preparação que caiu na velha armadilha do excesso de confiança. Entrou desprezando seus adversários japoneses na estréia. Os asiáticos sequer tinham trazido atletas com mais de 23 anos. Queriam dar experiência para seus jogadores, que, esperava-se, atuariam na Copa de 2002. A seleção canarinho começou sem brilho e perdeu algumas oportunidades.
Aldair, outro dos atletas com mais de 23 anos no Brasil, confundiu-se com Dida numa saída de gol. Os japoneses fizeram 1 x 0, os brasileiros se enervaram e perderam. E não se encontraram mais na Olimpíada.
Sávio não jogou nada. Ronaldo entrou em seu lugar e nunca mais saiu. O resto do time fracassou. Bebeto não liderou o ataque, Rivaldo perdeu a vaga, Aldair, sem Dunga na frente, cometeu erro em cima de erro. Zagallo trocou o meio-campo ofensivo por um cheio de cabeças-de-área. E não adiantou nada. Ronaldo, repetindo Romário, foi contratado pelo Barcelona.
A partir daí, a caminhada para a Copa, que ia de vento em popa, foi começando a atravessar mares revoltos. A grande compensação foi a volta de Romário.
O Baixinho nunca se entendera bem com Zagallo. Depois de pedir dispensa da seleção pelo ano de 1995, acabou perdendo a vaga. Os muitos fãs que o consideravam o messias que nos dera a Copa de alguma forma começaram a considerar que Ronaldo estava tentando roubar seu lugar, com a ajuda da Nike, sua patrocinadora.
E, no final de 1996, Romário fez algo completamente inesperado de sua parte. Algo que surpreenderia a todos e por fim o levaria de volta à seleção.
Ele entrou em forma.
Treinando muito, apurando o fôlego em bicicletas ergométricas, Romário recuperou a mobilidade da Copa. Zagallo não teve opção senão chamá-lo, depois de fulgurantes atuações. E mais fulgurante ainda foi o seu desempenho ao lado de Ronaldo.
Os dois, com raciocínio rápido, velocidade e técnica apurada, pareciam ler o pensamento do companheiro. Um deixava o outro na cara do gol, o outro agradecia fazendo o mesmo. Era a recuperação depois do fiasco da Olimpíada. O auge aconteceu contra o bom time do México, na casa do adversário. Em 15 minutos estava 3 x 0.
Mas, uma vez assegurada a vaga, Romário parou de treinar e perdeu a mobilidade novamente. Ao lado de outros jogadores de pouca movimentação, como Ronaldo e Rivaldo, o ataque brasileiro começou a ratear. O fundo do poço foi um amistoso contra a Noruega. A seleção foi atropelada e o jogo acabou 4 x 2. Acendeu a luz amarela.
Zagallo irritava-se com os jogadores e a imprensa, que começou a pressionar por Edmundo, então em fase esplendorosa no Vasco. O atacante, sempre habilidoso, tornara-se pela primeira vez artilheiro, batendo todos os récordes de gol no campeonato brasileiro. O treinador, conhecedor de sua personalide problemática, hesitava em chamá-lo. Acabou fazendo-o depois de mais alguns maus resultados. A má fase inclusive fizera o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, designar um coordenador. Zico. Mais um desafeto de Romário.
Com tantos problemas de relacionamento entre atletas como Romário, Leonardo, Bebeto e Edmundo, a seleção sofria sem um time titular define apostas em jogadores sem espírito de liderança para comandar o meio-campo, como Rivaldo e Giovanni. A imprensa agora pressionava por Denílson, atacante driblador tão habilidoso quanto improdutivo.
Ciente das turbulências na concentração canarinho, o técnico da Noruega, que coincidentemente havia caído na chave do Brasil, jactava-se aos borbotões. Seu time tinha feito a melhor campanha nas eliminatórias e goleado os campeões do mundo. Ele chegava a alertar os brasileiros de que eles corriam o risco de nem passarem da primeira fase. Com 32 competidores distribuídos em 8 grupos de 4 seleções, a repescagem acabara. Apenas os 2 primeiros se classificavam para as oitavas-de-final eliminatórias.
Emtre os favoritos para a Copa estava a Argentina, que tinha desistido dos cabelos e recursos curtos de Passarella. Em seu lugar estava Bielsa. Seus conceitos táticos eram tão diferentes que o apelido do treinador era "El Loco". Também a França era bem cotada. Embora tivesse ficado de fora da Copa de 1994 e não tivesse exibido bom futebol na Eurocopa de 1996, seu meia-armador Zidane vinha de uma sensacional temporada na Liga Italiana, derrotando na corrida pelo título a Inter, novo time de Ronaldo.
E era Ronaldo a principal estrela do Mundial. Sua imagem estava em todos os cartazes e anúncios. A imprensa espanhola o chamava de "Fenômeno" e "Extraterrestre". Só o primeiro pegou, como você, a não ser que seja um extraterrestre, sabe. Aos 21 anos já havia sido escolhido o melhor jogador do mundo 2 vezes. A torcida brasileira desconfiava de tanta onda. Em seu coração ainda vivia Romário, atacante do time mais querido do Brasil, o Flamengo, e não seria aquele dentuço que iria desalojá-lo.
Na verdade, foi o maior ídolo do Flamengo que o fez.
Com problemas de relacionamento com vários jogadores e o técnico, fora da melhor forma, aos 32 anos, Romário teve uma contusão. Zagallo e Zico aproveitaram para cortá-lo. O Baixinho deu uma entrevista chorando, alegando que estaria em condições de jogar a Copa a tempo, e pôs definitivamente a torcida contra Ronaldo. Se ele fizesse menos do que Romário em 1994 estaria provado que ele era apenas um fenômeno de marketing, uma invenção da Nike.
E o Brasil começou contra a Escócia. E começou bem, César Sampaio, o volante que substituiu Mauro Silva em má fase, abriu o placar com uma cabeçada numa cobrança de escanteio logo aos 4 minutos. E, melhor ainda, os canarinhos jogavam bem.
Mas a seleção tinha um problema sério: Dunga, aos 33 anos, já não tinha a mesma velocidade da Copa anterior. César Sampaio estava em ótima fase, mas Rivaldo, pela esquerda, e Giovani, pela direita, simplesmente não davam combate, deixando a defesa exposta. Sem o bloqueio à sua frente como 4 anos antes, Aldair apresentava-se inseguro e hesitante. E a seu lado estava Júnior Baiano.
Júnior Baiano nunca foi grande marcador. Mas era alto, forte e incomumente habilidoso e rápido para um zagueiro. Armava e marcava gols. Os torcedores do Flamengo, sempre prestando mais atenção em jogadas de ataque, tinham imenso carinho por ele. Mas sua insuficiência defensiva constantemente levava-o a cometer faltas infantis e desnecessárias.
Sem poder contar com o forte bloqueio defensivo da Copa anterior; sem Ricardo Gomes, Ricardo Rocha e Mozer, que já tinham encerrado carreira; sem Mauro Galvão, ainda em grande fase apesar de seus 37 anos, Zagallo acabou apelando para um veterano Júlio César e para Gonçalves, zagueiro com 1,75 metro de altura. Foi assim que um Aldair hesitante e um Júnior Baiano irregular ganharam a titularidade da zaga brasileira.
E, num lance infantil, quando o Brasil dominava as ações, Júnior Baiano cometeu pênalti. Os escoceses, que não tinham nada a ver com isso, converteram e se retrancaram completamente.
O Brasil tinha um meio-campo apático. Rivaldo nunca teve a ampla visão de jogo e a velocidade de pensamento para articular a meia-cancha. Ele eempre teve como característica receber a bola, dominá-la, limpar a jogada e só então escolher o que fazer em seguida. Dessa forma todas as jogadas eram atrasadas e a defesa adversária tinha tempo para se rearmar. Giovani simplesmente jogava mal. E Ronaldo, que deveria ser a estrela do time, tinha dois ou três na marcação e somente em alguns lances conseguia aparecer.
A seleção enervou-se e não criava oportunidades. Os escoceses nada tentavam. Até que aos 30 minutos um lançamento de Dunga encontrou Cafu invadindo a área. O lateral deu um toque para tirar do goleiro e a bola bateu no peito de um zagueiro que vinha no desespero, entrando mansamente no gol. O Brasil fez 2 x 1 e ganhou o jogo, mas não a torcida brasileira. A Noruega, cujo técnico tanto falara antes do torneio, empatou com o Marrocos em 2 x 2, tendo sido dominada o tempo todo. Por causa dessa atuação, foi a vez dos marroquinos começarem a dizer que eram melhores que os brasileiros e que venceriam a próxima partida.
Partindo para o ataque, com uma defesa inoperante que valia-se principalmente da violência e desprezando simplesmente os campeões do mundo, os marroquinos não viram a cor da bola. Ronaldo marcou seu primeiro gol, assim como Rivaldo e Bebeto. Mas Ronaldo não deu nenhuma arrancada driblando todo mundo. A imprensa e os torcedores do Brasil cobravam dele genialidade e brilhantismo. No resto do mundo sua atuação foi considerada boa. Os noruegueses empataram com os escoceses. Os brasileiros em dois jogos já tinham garantido o primeiro lugar da chave e agora teriam a vingança daquela goleada contra os escandinavos.
A torcida e a imprensa pressionavam por uma exibição de gala. Zagallo, experiente, sabedor de que uma Copa do Mundo se ganha com muito mais do que malabarismos e espetáculo, quis entrar com um time misto. Os titulares se rebelaram. Era a chance para fazerem gols e aparecerem. Zagallo curvou-se.
Como o Brasil não tinha nenhum interesse no jogo e os norugueses só tinham alguma chance se vencessem o jogo, os brasileiros ficaram trocando passes em seu campo, esperando que a Noruega adiantasse a marcação, tentando recuperar a bola, e abrisse brechas na defesa. A estratégia era perfeita: pouco risco para os jogadores, que poderiam ainda poupar-se para a próxima fase.
Mas a Noruega temia demais o Brasil e não avançou. Os brasileiros não atacavam, esperando uma brecha na sólida, alta e forte defesa escandinava. Aos olhos dos torcedores, parecia que a seleção não conseguia criar nada. Alguns comentaristas também pensavam assim e vociferavam durante o jogo contra a covardia verde-amarela.
De qualquer forma o Brasil fez 1 x 0 faltando pouco mais de 10 minutos. O técnico norueguês não teve escolha e mandou seu time para a frente. Seu melhor jogador entrou em campo. Ele ficara de fora do Mundial até então por brigas com o treinador. Sua grande jogada era levantar bolas do meio-campo para a área brasileira.
Gonçalves tinha sido uma das únicas modificações que Zagallo conseguira fazer. Era um palmo mais baixo do que o centroavante Andre Flo. Júnior Baiano atrapalhava-se. Aos 38 e aos 44 os noruegueses assinalaram e viraram o jogo.
É claro que a imprensa, sempre defensora de um futebol ofensivo (sem pensar nas consequências), caiu em cima de Zagallo. Não pelo caos da defesa nos últimos 10 minutos, mas porque o Brasil não mostrou criatividade no ataque, desconsiderando que o time apresentou a estratégia correta. Ignoravam que a seleção jogara completamente sem compromisso, já classificada em primeiro. Aquela bola rolando de um lado para o outro na defesa, sem penetração, foi profundamente criticada. E o próximo jogo seria contra uma das melhores duplas de frente do Mundial: Salas e Zamorano, do Chile.
Nos outros grupos, uma Alemanha ainda baseada no time de 1990, excessivamente envelhecida, usou toda sua experiência para empatar com a Iugoslávia de Stojkovic, depois de estar perdendo de 2 x 0. Os outros adversários de ambos eram Irã e Estados Unidos, que não deram trabalho.

BOX

Na Copa de 1998 Estados Unidos e Irã, dois países que vivem às turras, enfrentaram-se na primeira fase. Houve troca de flâmulas pelos capitães, a partida foi disputada sem violência e amigavelmente e os iranianos venceram por 2 x 1. Os temores de que os ânimos pudessem estar exaltados não se confirmaram.

A França venceu África do Sul e Arábia Saudita sem grande brilho, mas fazendo os adversários correrem atrás da bola o tempo todo e construindo o resultado no final, quando eles já estavam cansados. No segundo jogo Zidane foi expulso e suspenso por dois jogos. Sem ele os gauleses tiveram uma má exibição e venceram os dinamarqueses por 2 x 1. Os escandinavos reclamaram da arbitragem.
A Colômbia nunca se recuperou do fiasco de 1994. Chegou em terceiro em sua chave, vencendo apenas a Tunísia. Os classificados foram a Romênia de Hagi e a Inglaterra. Os romenos bateram os ingleses, que como sempre se achavam grandes favoritos, com excelente exibição de seu veterano (34 anos) maestro e seus envelhecidos companheiros de seleção. Perdendo de 1x 0, o técnico dos bretões lançou Michael Owen, o mais jovem britânico numa Copa, com 17 anos. Ele marcou o gol de empate, mas Petrescu deu o placar final de 2 x 1 ao jogo já nos descontos. O English Team dominou a maior parte do tempo, mas ficou patente que sua defesa tinha terríveis dificuldades com um adversário que se valesse de dribles e toque de bola.
Argentina e Croácia despacharam Japão e Jamaica. Os portenhos ficaram em primeiro com 1 x 0 sobre os europeus. O time de Bielsa não sofreu nenhum gol. O esquema de el Loco Bielsa era tão sólido na defesa quanto do Brasil de 1994, e mais veloz no ataque, com boas combinações de jogadas pelas extremas. Batistuta na frente era um artilheiro mortífero. O grande ponto fraco da equipe era que ela tinha seu jogo baseado em Ortega.
Sem Maradona e obcecados por um canhoto habilidoso e driblador, os argentinos se apegaram ao improdutivo Ortega, que tinha o péssimo hábito de ficar fintando até sofrer uma falta, ou pior, até perder a bola, se atirar e ficar reclamando. Mas eles precisavam de um herdeiro para Maradona. Era aquele o verdadeiro futebol da Argentina. O fato do burrito Ortega nunca ter conseguido jogar num grande clube europeu nada significava. É que o pessoal do Velho Mundo não entendia a beleza do jogo portenho.
A Holanda estreou como favorita contra a Bélgica. Seu jogo bonito de toque de bola e habilidade, herança da Laranja Mecânica, impôs-se sobre o adversário. Mas praticamente não ameaçou o gol belga. Terminou 0 x 0. Contra a Coréia os holandeses só marcaram depois que os muito inferiores asiáticos cansaram de correr atrás da bola. Um empate no sufoco com os mexicanos classificou a turma de Overmars, Bergkamp e do jovem e promissor Kluivert.
O grande mico da primeira fase foi protagonizado por Espanha e Portugal. Os espanhóis tinham jogando em sua liga os maiores craques do planeta. Ao lado deles, atletas como Raul, Nadal e Luís Enrique jogavam o fino. Mas sem a ajuda das superestrelas estrangeiras e tendo eles mesmos que ser os astros, não conseguiram mostrar nada. E olha que chegaram como um dos favoritos!
Sua estréia foi contra a Nigéria. Os nigerianos não mostravam mais o vigor de 4 anos atrás. Embora constasse que seus jogadores tinham uma média de idade por volta de 27 anos, eles pareciam bem mais veteranos, aumentando as suspeitas sobre falsificação de certidões de nascimento para que atletas mais velhos pudessem disputar as categorias juvenis.
Na falta do vigor e da disposição da Copa anterior, os nigerianos jogavam retrancados, embora desorganizados na marcação. Os espanhóis ficaram na frente por duas vezes, fazendo 1 x 0 e depois 2 x 1, mas os africanos, com habilidade e contando com a ajuda do goleiro da Fúria, Zubizarreta, viraram para 3 x 2. Um empate da Espanha em 0 x 0 contra a defesa quase instranponível do Paraguai de Gamarra, Ayala e Arce eliminou-os do Mundial. Os búlgaros, capitaneados por um veterano Stoichkov, perderam de todo mundo, tomando seis da turma de Raúl. Não adiantou nada para ele.
Se os nigerianos não tinham o mesmo jogo, os camaroneses então foram uma completa decepção. Perderam dos italianos, empataram com austríacos e chilenos. O Chile empatou com a Áustria e com a Itália, num jogo em que o juiz marcou pênalti numa bola que Baggio claramente cruzou em cima da mão abaixada de um defensor sul-americano. O craque da Azzurra também já não tinha pernas suficientes para brilhar. Quem se destacou nesse grupo foram os atacantes Salas e Zamorano. Que iam pegar o Brasil.
E, animados pelas más atuações brasileiras, os chilenos acreditaram no poderio de seu ataque. Caíram de quatro. Saíram jogando melhor do que os brasileiros, mas na verdade os canarinhos estavam apenas se valendo de sua experiência. Num contra-ataque a defesa do Chile fez falta, Dunga levantou na área e César Sampaio, de cabeça, abriu o placar aos 11 minutos. Dezesseis minutos depois foi a vez de Bebeto lançar o volante brasileiro, que assumiu o posto de artilheiro do time, com 3 gols.
O Chile teve que se abrir. Com espaço para jogar, Ronaldo fez dois gols e mandou duas bolas na trave. Mas isso não animou a imprensa. Galvão Bueno, num contra-ataque brasileiro, anunciou "vai que essa é tua, Ronaldo! Só tem três pela frente!", esquecendo que nem Pelé e nem Garrincha jamais fizeram um gol em Copa driblando três adversários e Maradona, quando o fez, foi escolhido o mais bonito já marcado em Mundiais. O resto do mundo, é claro, achou uma grande atuação do artilheiro de cabeça raspado. Foi a melhor atuação do Brasil no Mundial.
Os nigerianos, depois do futebol técnico apresentado em sua chave, entraram com seu tradicional descaso pelo adversário para pegar a Dinamarca. Os veteranos irmãos Laudrup deram uma mostra da movimentação da Copa de 1986, na qual Michael esteve presente, e enfiaram quatro nos africanos. A Dina-máquina estava de volta e o próximo adversário era o Brasil!
Noruega e Itália fizeram um jogo de defesas. Fazendo 1 x 0 aos 18 minutos a Azzurra só segurou o resultado. Os veteranos alemães usaram sua experiência para cozinhar os afobados mexicanos e eliminá-los por 2 x 1. Davos Suker começou a mostrar seu futebol e a Croácia eliminou os velhinhos da Romênia.
A França sem Zidane suou para passar por Gamarra. O Paraguai segurou o jogo até o fim e ele foi para a prorrogação. Em 1998, se um gol saísse na tempo extra, o time que o marcou era considerado vencedor. Isso acabava com a simetria do futebol. Se uma das equipes estivesse jogando a favor do vento, por exemplo, sairia beneficiada jogando só parte da prorrogação, sem haver a mudança de campo. Mas a FIFA preferiu ignorar esse fato e batizou a regra de "golden goal" (gol de ouro). Mas os torcedores tinham mais idéia de como a coisa funcionaria e apelidaram o novo regulamento de "morte súbita".
E quem inaugurou a morte súbita foram os anfitriães. Aos 8 do segundo tempo, finalmente uma falha da defesa que Trezeguet aproveitou. Gamarra, zagueiro e capitão paraguaio, se despediu da Copa comandando uma defesa brilhante e sem ter feito uma única falta em quatro jogos!!!
Os holandeses novamente dominaram seu jogo, com toques bonitos e improdutivos, mas os iugoslavos perderam um pênalti e outras boas chances. A partida ficou 1 x 1 até que no finalzinho, Davids, o volante da Laranja, avançou e resolveu ele mesmo, já que o ataque tão habilidoso não fazia nada. Um belo chute começou a espalhar a fama do excelente cabeça-de-área pelo mundo inteiro.
O jogo mais emocionante das oitavas-de-final foi Argentina x Inglaterra. Beckham havia ganho a posição durante a competição e exibia belo futebol. O mesmo aconteceu com o rapazola de 17 anos, Owen, driblador como um sul-americano. Os argentinos saíram na frente e fizeram 1 x 0 de pênalti. Com uma malandragem maior do que sua idade sugeria, Owen se atirou na área e o árbitro acreditou. Pouco depois, aos 16 minutos, os dois garotos de outro se conectaram: Beckham para Owen, que dá um nó em Ayala (não confundir com o zagueiro paraguaio, muito melhor) e põe os bretões em vantagem.
Os ingleses queriam se vingar daquele jogo da "mão de Deus", em 1986, quando Maradona acabou com suas chances. E tudo parece a seu favor. Dominam o jogo e estão na frente. Os argentinos às vezes se enrolam com o esquema rígido de Bielsa. Mas nos descontos os britânicos relaxam e Zanetti empata.
Mas não se perdeu nada. Na volta do vestiário, porém, Beckham perde a cabeça e é expulso. Com um a menos e contra um adversário tão forte, os ingleses se preocupam em segurar o resultado. Conseguem-no. O jogo vai para os pênaltis. Os ingleses cansados perdem um pênalti a mais. Os argentinos avançam. Continuam se vingando da derrota na guerra da Malvinas, em 1982.
E pegam os holandeses. Mais uma vez a Holanda fica mais tempo com a bola, mas dessa vez consegue marcar com Kluivert, aos 12. Os argentinos parecem acuados, mas empatam 5 minutos depois. A Laranja troca passes com efeito e beleza, mas não ameaça. É sua sina e maldição. Os portenhos não querem correr riscos e saem somente em contra-ataques. Batistuta perde excelente chance sozinho na cara do goleiro, chutando por cima da trave. No segundo tempo Ortega consegue se livrar da marcação e avança para a área. É derrubado. Mas tal é sua fama que o juiz não só não dá o pênalti, como ainda mostra o cartão amarelo para o Burrito. O atacante fica furioso, começa a reclamar e é expulso.
A Argentina perde a cabeça. Alguns minutos depois, de Boer faz um lançamento lá do meio-campo para van Basten na área. O holandês domina a bola alta que vem pelas suas costas no bico da chuteira e fuzila, num dos gols mais bonitos da Copa. São 44 do segundo tempo. Não dá para mais nada.
A França tem a volta de Zidane e outra retranca pela frente: a Itália. O jogo acaba em 0 x 0 e os italianos perdem sua segunda decisão por pênaltis seguida. A Alemanha começa bem contra a Croácia, mas seu jogo não é criativo. Só funciona se seus jogadores ajudarem tanto na criação quanto na marcação. Faltam-lhes pernas. Para manter seu domínio e evitar contra-ataques, fazem seguidas faltas. Desde 1994 que essa tática é coibida. Worns é expulso aos 40 minutos e os croatas abrem o placar cinco minutos depois e disparam uma goleada no segundo tempo. Três a zero.
O Brasil tem um jogo complicado contra os dinamarqueses. Roberto Carlos faz uma falta logo no começo. Enquanto reclama com o juiz os europeus cobram correndo e fazem 1 x 0. A coisa se complica. Mas Ronaldo acorda. Recebe um belo passe de Dunga no meio de campo. Enquanto corre numa direção, percebe-se sabe lá como Bebeto correndo do outro lado para o ataque. O artilheiro careca faz um lançamento perfeito que tira a bola dos marcadores e deixa Bebeto na cara do gol. O jogo está empatado. Pouco depois Ronaldo toca para Rivaldo desempatar.
Os brasileiros resolvem recuar para segurar o resultado. Mandam no jogo. Os dinamarqueses perdem a moral com a virada. Parecem aceitar que os brasileiros são melhores, afinal, nem com um gol tirado da cartola, na pura malandragem, conseguem manter a vantagem. Mas aos 5 minutos do segundo tempo, uma bola longa é lançada na esquerda da defesa canarinho. Roberto Carlos está na frente do adversário, mas inexplicavelmente tenta dar uma bicicleta para afastar o perigo. Ele fura e Laudrup pega a bola, invade a área e empata.
É a vez dos brasileiros se perturbarem. Seu meio-campo não cria. No lugar de Giovani, Zagallo desde a primeira fase pusera Leonardo, jogador mais combativo, menos criativo, e, principalmente, canhoto. E o técnico o escala na direita. Ele vai passar a Copa inteira se enrolando com a bola por causa disso. Rivaldo não é um armador. Roberto Carlos recupera a bola, toca para ele e se manda para a frente para receber na corrida. Rivaldo espera a bola chegar, domina-a, vira de costas para o ataque, finta um dinamarquês, levanta a cabeça e só então devolve-a para o lateral-esquerdo. Roberto Carlos recebe-a já parado, de frente para o adversário, e não pode tirar proveito de seus dribles em alta velocidade pela ponta, lado a lado com o marcador.
Mas se Rivaldo não é armador, é inegavelmente um matador. Da intermediária ele manda um chute rasteiro, aparentemente sem força. O melhor goleiro do mundo, Schmeichel, se estica todo, mas a bola passa exatamente no espaço de um palmo entre a mão dele e a trave. O Brasil no jogo todo deu 3 chutes a gol e os 3 entraram na meta do maior arqueiro do planeta. Os dinamarqueses jogam a toalha. Incompreensivelmente a torcida continua cobrando boas atuações de Ronaldo. O Brasil vai para a semi-final contra a Holanda. Os dois confrontos anteriores em Mundiais entraram para a história.
A semi-final foi um jogo nervoso. Os holandeses mais uma vez tinham mais a bola nos pés. Mas não faziam nada com ela. No primeiro minuto do segundo tempo Rivaldo cruza da meia-esquerda para a área e acha Ronaldo. O Brasil sai na frente.
A Laranja se assusta. Num cruzamento de Denílson, Rivaldo fura a bola sozinho dentro da pequena área, porque o que lhe sobra em precisão lhe falta em reflexos. Os holandeses não ameaçam. Quer dizer, não ameaçam até uma meia hora do segundo tempo. Dunga e César Sampaio, já balzaqueanos, cansam. A defesa fica exposta. Aldair e Júnior Baiano começam a falhar. Cafu foi suspenso. Seu reserva, Zé Carlos, faz péssima apresentação. A Holanda manda uma bola na trave. Aos 42 do segundo tempo, depois de muita pressão, Kluivert empata o jogo.
Começa a prorrogação. A pressão cansou os holandeses. O Brasil é muito superior. Tem espaços. Logo no começo Ronaldo arranca do meio-campo e sofre pênalti claro. O juiz não vê. Pouco depois, em nova arrancada, ele é desarmado na hora da conclusão. Roberto Carlos, com seu fôlego incomparável, começa a correr desde a defesa até o ataque, sem tabelar com Rivaldo. Ninguém consegue pará-lo. Ele cruza seguidamente para a área, mas faltam bons cabeceadores na amarelinha. A partida vai para os pênaltis. Cocu e Ronald de Boer perdem. Taffarel vence mais uma decisão por penais.
Na outra semi-final, a França elimina a Croácia, como esperado. Zidane ainda não teve uma grande apresentação, embora seja sempre o maestro da equipe. Com 1 minuto do segundo tempo o lateral gaulês Thuram faz uma lambança e Suker abre o placar. É Thuram que acaba sendo o nome do jogo. Constrangido com sua falha, se manda para a frente e acaba marcando os dois gols da virada. Parece Roberto Carlos: é incansável, nem parece que vem de duas prorrogações seguidas.
E assim está armado o palco para a decisão. Brasil x França. Os donos da casa nunca ganharam uma Copa. Têm tradição de tremer nos jogos importantes. Foram mal na Eurocopa em 1996. Nem se classificaram para a Copa de 1994. Os canarinhos são favoritos absolutos. Em todo o mundo, menos no Brasil, Ronaldo é considerado o jogador mais importante do Mundial, com Rivaldo logo atrás. Zidane, que ainda não brilhou, diz em entrevista que espera que seu time ganhe com um gol seu.
Nem em seus sonhos mais loucos ele prevê o que virá.
O que aconteceu no dia da final é o mistério que um dia será desvelado, segundo Bebeto. A versão oficial foi que Ronaldo teve uma convulsão, um ataque epilético. Precisou ir para o hospital. Declarações extra-oficiais diriam que os jogadores mais religiosos, presenciando a cena, pediram por um exorcista. A maior estrela da Copa não poderia participar da decisão. O time se abate. Em seu lugar é escalado Edmundo, atacante em fantástica fase, mas cuja personalidade ninguém suporta na delegação.
Mas Ronaldo não morre, volta do hospital e diz que tem condições de jogo. Zagallo hesita entre escalar sua grande estrela, sua maior esperança de vitória, mesmo sem condições físicas, e Edmundo, brilhante e irregular, mas sem condições psicológicas. Sua hesitação dura uns 2 segundos. Apesar de já ter anunciado que Edmundo jogaria, ele põe Ronaldo. A imprensa recebe a notícia enquanto ainda está entendendo porque o Fenômeno ficou de fora e a confusão aumenta.
E muito maior ainda foi a confusão do time brasileiro. Sem Ronaldo para criar jogadas de ataque, com um meio-campo sem velocidade e imaginação, a seleção ainda por cima tem pela frente um brilhante bloqueio francês das laterais. As jogadas pelos flancos, com Roberto Carlos e Cafu, garantem sempre a saída de bola canarinho durante toda a Copa, mas os gauleses armam um esquema para fechar este caminho. Abrem espaço no meio, mas o Brasil não consegue armar nada por ali. E o pior acontece na defesa.
Ronaldo, com seu 1,83 metro, é peça fundamental na defesa em bolas paradas. Ele deveria marcar Zidane. Não o faz. O baixo apoiador marca duas vezes de cabeça em escanteios. O jogo está decidido. Os brasileiros não fariam mais nada. Givarc'h, o atacante da França, perde várias oportunidades claras de gol. Ele só joga na seleção por ser o melhor amigo de Zidane. Mas já nos descontos Petit aumenta para 3 x 0. A França se junta ao seleto clube de países ganhadores de Copas.
Zidane se tornaria a partir daí a estrela maior do futebol mundial. Ronaldo é escolhido o melhor do Mundial, porque a eleição é feita antes da final. Até a semifinal o brasileiro era indiscutivelmente o jogador mais decisivo. Essa escolha soa no Brasil como piada, aumentando a má vontade para o artilheiro. Ele é um produto de marketing, uma invenção da Nike para vender chuteiras. Ainda por cima amarelou na final. Algum tempo depois da Copa ele se contundiria seriamente e ficaria quase um ano afastado dos campos. Sem seu principal craque, a seleção quase perde a vaga nas eliminatórias para 2002. A torcida brasileira não se cansa de continuar pedindo Romário, mesmo que ele já esteja com 36 anos. Ronaldo sofre outra contusão e seu tempo de inatividade sobe a 2 anos. Artigos de jornal anunciam sua aposentadoria.
E então, no terceiro dia, ele ressuscitou.

ZIDANE

Zinedine Zidane é tão gente boa que nem os brasileiros conseguem sentir raiva do francês que selou a derrota na Copa de 1998. Excepcional lançador, ótimo driblador, com técnica refinadíssima, ainda assim tem humildade suficiente para pôr seus talentos subordinados ao time. Assim fazendo tornou-se um dos melhores apoiadores de todos os tempos.
Zidane nasceu em 1972, filho de imigrantes argelinos e cresceu no bairro pobre de Marselha, La Castellane. De origem humilde, desenvolveu seu futebol no cimento dos conjuntos habitacionais da área. Aos 12 anos acompanhou o campeonato europeu ganho pela seleção de Platini & cia. como gandula. Aos 14 foi descoberto pelos olheiros do Cannes, da primeira divisão francesa e aos 16 já jogava no time titular. Em 1994 estreou na equipe nacional. Entrou quando a França perdia por 2 x 0 para a República Tcheca e fez os gols de empate.
Enquanto no mundo inteiro os técnicos enchiam a meia-cancha com cabeças-de-área para que um único jogador criativo ficasse completamente livre de obrigações defensivas, Zidane tinha disposição e humildade para ajudar a marcar, ir pegar a bola lá na defesa, articular o meio-campo e aparecer para finalizar, como os meias brasileiros da era do 4-2-4. Como bem descreveu o jornalista Luís Henrique Romanholli, o apoiador gaulês é um dos últimos garçons daqueles que pegam a comida na copa e trazem até a mesa. Os brasileiros mais próximos de suas características são Juninho Pernambucano e Ricardinho.
Em 1996 Zidane foi para a Juventus, onde sagrou-se campeão em cima da Internazionale do Ronaldo Fenômeno, e chegou à Copa de 1998 como uma das prováveis estrelas do torneio. Começou bem, mas foi expulso contra a Dinamarca. A equipe sentiu falta de sua organização dentro do campo e melhorou sensivelmente quando ele voltou a articular as jogadas. Até a semi-final suas atuações eram tão elegantes e concisas que não chamavam a atenção da torcida, que achava que ele não estava mostrando na seleção que jogava na Juve. Eles não sabiam que ele estava deixando para aparecer na hora da decisão, como faz todo grande atleta.
Com dois gols de cabeça em cobranças de escanteio, apesar de sua baixa estatura, Zidane liquidou o jogo. Petit ainda marcou um terceiro, já nos descontos, mas foi o descendente de argelinos que liquidou a fatura. Não levou o título de melhor do Mundial porque a escolha fora feita antes da final, mas a FIFA corrigiu o erro escolhendo-o Jogador do Ano em 1998 pela primeira vez. Em 2000 e 2003 ele repetiria a dose, igualando o récorde de Ronaldo Fenômeno.
Em 2000 Zidane estava no auge da forma e comandou a vitória da França na Copa Européia. Em 2001 transferiu-se para o Real Madrid por uma montanha de dinheiro e ganhou o único título que lhe faltava, a Liga dos Campeões, como a indiscutível estrela maior da companhia. Em 2002, após tantas conquistas e sob a pressão de ter que ser a megaestrela do Mundial, acabou sofrendo uma distensão uma semana antes da estréia, num amistoso de preparação. A seleção francesa sentiu tanto sua falta que caiu fora antes das oitavas-de-final, com apenas um ponto e zero gols.
Zidane também teve boas atuações na Copa Européia de 2004, mas a seleção não foi bem e acabou eliminada pela campeã Grécia. Nas últimas temporadas não vem mostrando o mesmo futebol no Real Madrid, mostrando visivelmente um começo de enfado pela vida de atleta e anunciou sua intenção de pendurar as chuteiras após o Mundial, aos 34 anos.
Ainda jovem, Zidane certamente terá uma miríade de opções quanto ao que fazer de sua vida. Inteligente, como demonstra sua capacidade de estratégia e organização de um time, simpático, humilde, defensor da tolerância e do multiculturalismo, casado desde 1993 com uma ex-modelo cristã, o brilhante comandante provavelmente será bem-sucedido seja qual for o ramo em que pretenda empregar seus muitos talentos.

RONALDO FENÔMENO

Ronaldo Fenômeno ganhou esse epíteto quando foi contratado pelo Barcelona aos 19 anos de idade. Desde os 17 que ele jogava no PSV Eindhoven, no pouco divulgado campeonato holandês. No Barcelona, para substituir Romário, que viera do mesmo time, ele literalmente arrancou para a glória. Partindo com a bola dominada para cima das defesas, costurando em alta velocidade entre os beques, descobrindo uma brecha onde ninguém mais via e abrindo uma com o corpo forte onde nem ele encontrava uma, o ainda adolescente encantou os torcedores catalães enquanto estufava as redes vez após outra. Os jornais começaram chamando-o de extraterrestre, mas logo desistiram do apelido e chegaram à conclusão óbvia: o garoto era um fenômeno.
Ronaldo Nazário Lima nasceu no Rio em 1976. Desde pequeno jogava nas divisões de base do Flamengo. Quando tinha cerca de 11 anos, sua família, sem muitos recursos, pediu à diretoria uma ajuda de custo para que ele pudesse pagar a passagem de trem de Bento Ribeiro até a Gávea. O pedido foi negado e ele passou a treinar no São Cristóvão, bem mais perto de casa. Esta sem dúvida foi uma das passagens de trem mais caras da história.
Jairzinho observou-o aos 14 anos no São Cristóvão e, com contactos em seu antigo clube, o Cruzeiro, arrumou uma transferência para o adolescente. Em 1993 Ronaldo já tinha atuado 57 vezes pelas categorias sub-17 do Brasil e marcado 59 gols. Nesse mesmo ano foi promovido ao time titular cruzeirense e foi artilheiro da Supercopa dos Campeões e marcou 12 gols em 14 partidas pela Raposa. E foram os espanhóis que tiveram que descobrir que ele era um fenômeno!
Com tal currículo, o dentuço, ainda em sua fase pré-careca, foi chamado para vestir a amarelinha num amistoso contra a Islândia em que os principais jogadores não atuariam. O garoto entrou e fez gol, assistência, armou jogadas, driblou pela ponta, fez cruzamentos, chutou com os dois pés... enfim, Parreira, que já tinha os 22 quase fechados, foi obrigado a levar o adolescente para a Copa. Por mais que não fosse para que aquele futuro fenômeno ganhasse experiência. E ele ganhou. E uma medalhinha também. Com 17 anos, como Pelé, Ronaldo foi campeão mundial, embora, ao contrário do Rei, não tenha atuado em nenhuma partida, já que Bebeto e Romário eram os melhores atacantes do mundo e - felizmente! - o Brasil não precisou lançar três jogadores de frente em nenhuma ocasião.
Foi daí que ele foi para o PSV Eindhoven, marcando mais um caminhão de gols - 44 em 56 partidas. E isso numa época em que o Ajax, principal rival do PSV, dominava o mundo. No começo de 1996 ele se submeteu a uma cirurgia e chegou nas Olimpíadas de Atlanta ainda fora de forma. Por algum motivo inexplicável - minto, explicável, ele jogava no Flamengo e a nação rubro-negra tem em seus números um fantástico poder para criar ídolos - quem era considerado o próximo gênio do futebol brasileiro era Sávio. Ronaldo era seu reserva. Foi assim durante dois jogos. Em pouco tempo ele estava com a vaga na mão e estufando as redes mais vezes.
Das Olimpíadas Ronaldo seguiu direto para o Barcelona e sua fase áurea. O título lhe foi negado por severos problemas de defesa, que quase acabaram com a carreira de Vítor Baía, que era considerado um dos melhores goleiros do mundo na época. Suas jogadas sensacionais rodavam o mundo nas telas de tevê. Com raciocínio rápido, inteligente, ótimo nas enfiadas curtas, capaz de criar uma jogada numa fração de segundo e antecipar o pensamento dos defensores, era uma missão quase impossível detê-lo. Tendo ganho massa muscular em sua temporada na Holanda, os beques não conseguiam levar vantagem no corpo. Ainda com menos de 20 anos, era extremamente veloz, sempre com a bola sob controle e, quando os adversários achavam que já tinham cercado todas as opções do garoto, ele criava uma nova do nada, fazendo uma jogada completamente inesperada. Sem surpreender ninguém, a FIFA escolheu-o o melhor jogador do mundo de 1996. Apesar de ser reconhecidamente deficiente nas cabeçadas e não ser um grande chutador, perdendo muitas oportunidades, ele compensa criando outras do nada logo em seguida.
Com tanto sucesso, a Inter de Milão fez uma oferta milionária por ele e o levou. Muita gente achou que não era uma idéia tão boa assim, já que ele tinha excelente ambiente no Barcelona, jogando numa Liga que favorecia o ataque e o futebol bonito, para jogar na capital mundial da retranca. Mas era muita grana e o dentuço não recusou. E continuou aumentando sua lenda. Marcou 25 gols em sua primeira temporada, números extremamente respeitáveis, embora não tenha sido o artilheiro. Tanto que a imprensa italiana passou a chamá-lo também de Fenômeno, principalmente depois do segundo título consecutivo de melhor jogador do mundo.
Mas uma estrela começava sua ascensão na Itália, a única megaestrela que dividiu o posto de melhor do mundo com ele antes que Ronaldinho Gaúcho se firmasse. Zinedine Zidane, jogando na Juventus, comandou o time ao título da Liga e a seleção francesa ao da Copa. E até hoje a torcida brasileira é magoada com o nosso dentuço por causa desse confuso Mundial, como se pode ler no capítulo pertinente. O Fenômeno era visto como um garoto que jogava na Europa, apoiado por uma campanha de marketing monstruosa que queria forçá-lo como melhor do que Romário, que grande parte da torcida adorava cegamente por ter levado o futebol brasileiro novamente ao Olimpo depois de quase um quarto de século.
Ronaldo tinha 21 anos e o mundo inteiro esperava não que ele fosse ser a estrela do Mundial, mas que ele fosse ter atuações dignas de Maradona, Pelé e Garrincha. Jogo a jogo, num time cheio de divisões, brigas e grupinhos que não se falavam, o Fenômeno fez gols, armou jogadas e carregou a equipe até a final. Mas a torcida continuava cobrando-o, julgando-o bem abaixo da expectativa, para não falar do que Romário mostrou no Mundial de 1994.
Numa história muito mal explicada, inclusive no capítulo sobre aquela Copa, Ronaldo teve uma convulsão antes do jogo da França e entrou em campo sem perfeitas condições. Jogadores mais religiosos chegaram a pensar que ele estivesse possuído pelo demônio. O time inteiro afundou com ele na final. E, além de "fenômeno de marketing", passou a ser taxado também de "amarelão".
Não adiantava que ele tivesse sido artilheiro e campeão das Copas América de 1997, 1999 e das Confederações em 1997. Não importava que ele tivesse sido eleito o melhor do Mundial de 1998 (injustamente, é claro, mas a FIFA ainda não aprendeu a esperar depois da final). Ele continuava sendo apenas um bom atacante, que jamais seria um Romário, que aliás, deveria estar na seleção, mesmo com 33 anos. Cansado e esgotado, o garoto, que vinha jogando sem parar em todos os torneios mais importantes do mundo desde 1996, precisou fazer uma operação no joelho, que vinha adiando desde antes da Copa da França. Ficaria quase um ano parado. A torcida brasileira não lamentou tanto sua falta para as eliminatórias. Rivaldo acabara de ser eleito o melhor jogador do mundo em 1999, tendo sido artilheiro da Espanha - e ainda por cima campeão, coisa que o Fenômeno não conseguira.
Todos viram o que aconteceu nas Eliminatórias. Sem seu ponto de referência, sem o homem que todos respeitavam, o Brasil saiu tropeçando sem parar pelo caminho e teve 3 técnicos diferentes. O problema não eram os treinadores. Era a falta do elemento genial. Que lutava para não encerrar sua carreira.
Ronaldo voltou aos gramados e precisou fazer nova operação. As imagens do seu joelho saindo do lugar e dele ajoelhado agarrando-se ao seu fisioterapeuta rodaram o mundo. Somente uma nova e moderníssima técnica poderia levá-lo de volta aos campos. E a recuperação levaria mais de um ano. E seria longa e cansativa. Ronaldo aceitou o desafio. E o resto é história, como pode ser acompanhada no capítulo sobre a Copa de 2002.
Depois de protagonizar um incrível enredo em que um sujeito completamente por baixo, liderando um bando em quem ninguém mais acredita, tendo que depender de pura força de vontade para conseguir mostrar seu jogo, depois de anos parado e em recuperação, somente para se sagrar campeão e artilheiro, Ronaldo foi para o Real Madrid. Pela primeira vez a torcida brasileira o aceitava como ídolo sem reservas. Alguns meses depois venceu o Mundial Interclubes, sendo escolhido o melhor em campo, o que lhe garantiu a eleição como Jogador do Ano pela terceira vez, feito inédito, só igualado por Zidane logo depois.
Ronaldo vem enfrentando problemas físicos ultimamente, resultado sem dúvida de uma carreira profissional que se estende desde os 16 anos, disputando os mais renhidos e importantes torneios do mundo sem parar. Isso sem contar as seriíssimas cirurgias que sofreu. Valendo-se muito de seu corpo forte e sua arrancada para seus dribles, é um jogador que depende muito de boa forma e não tem uma recuperação rápida. Mas se chegar em boas condições à Copa, tenha certeza absoluta que será uma das estrelas de maior brilho da galáxia do futebol. Como vem sendo desde a adolescência.