maio 29, 2006

A História da Copa do Mundo - Capítulo XI - O Carrossel e a Roda da Fortuna giram com a Holanda

Os capítulos anteriores estão embaixo deste, em ordem decrescente, como sói acontecer em blogs. Leia tudo desde lá do começo e leia a fascinante história da evolução tática e da origem do futebol.


A EVOLUÇÃO TÁTICA - O FUTEBOL TOTAL

Em 1970, ano do tricampeonato brasileiro, o vencedor da Liga dos Campeões foi um time sem nenhuma tradição, de um país que só profissionalizara seu futebol nos anos 60. O Feyenoord, da Holanda. E não foi um feito isolado. O Ajax de Amsterdam foi tricampeão em seguinda, em 1971, 1972 e 1973. E a seleção holandesa se classificou pela primeira vez para a Copa. O que estava acontecendo nos Países Baixos?
O futebol total.
Não era um novo esquema tático como o WM ou o 4-3-3 e nem uma filosofia de auto-ajuda para o atleta medíocre, como o futebol-força. Era uma nova concepção de jogo. Era a evolução lógica e final da revolução que os brasileiros desencadearam com o 4-2-4. Era tão inovador que seus conceitos dominam o jogo até hoje, mas ninguém nunca mais conseguiu repeti-lo em campo como fazia a seleção holandesa. Ou melhor, a "Laranja Mecânica", apelido que ganhou pela cor de sua camisa e pela impressão que passava de que seus jogadores se multiplicavam em campo.
Os brasileiros haviam mostrado que atacantes podiam defender, defensores podiam atacar e apoiadores podiam fazer ambos. As idéias de Raoul Mollet levaram os jogadores a serem capazes de correr o campo todo. Os holandeses juntaram os dois. Todo mundo fazia tudo. Com exceção daquele sujeito com a camisa diferente do resto do time, o goleiro, é claro.
Se um beque achava que era uma boa hora, avançava junto com seu ataque e podia acabar participando como centroavante. Ele não se preocupava em deixar um buraco na defesa porque alguém do meio-campo assumiria seu lugar e outro sujeito iria para o lugar daquele apoiador. Aliás, tais definições, "centroavante", "beque", "apoiador", eram bastante inexatas. O time inteiro acompanhava a bola e se distribuía em campo com a necessidade da jogada. Um atacante adversário podia ter um marcador diferente cada vez que pegasse na bola. Um defensor do outro time tinha pela frente um sujeito diferente a cada ataque. A marcação homem-a-homem enlouquecia e deixava buracos enormes. A marcação por zona estava sempre em inferioridade numérica.
Na defesa os holandeses criaram a marcação sob pressão. Com tantos jogadores capazes de trocar de posição com tanta facilidade, eles levaram para o futebol profissional a pelada: todos corriam atrás da bola. Quem a recebe tem quase imediatamente dois ou três marcadores. Teoricamente isso deixa dois sujeitos livres em algum lugar, mas ninguém tem tempo de procurá-los. Buracos defensivos são cobertos pelo atleta disponível que estiver mais perto.
E no ataque eles aumentaram a velocidade do toque de bola. Deixaram de lado os dribles desnecessários e a insistência em prosseguir quando há um bloqueio defensivo na frente. Se um holandês estivesse na grande área adversária, mas não visse espaço para o chute, ele não hesitava em voltar a bola para o meio, para que o ataque recomeçasse imediatamente. Talvez com o jogador que estava cruzando da lateral-esquerda para a ponta-direita, talvez para o apoiador se infiltrando pela meia-esquerda, talvez simplesmente uma corrida com a bola dominada. Ninguém ficava parado esperando o passe. O futebol total dava muitas opções ofensivas. Com toda essa movimentação de bola ganhou o apelido de "carrossel holandês". As defesas ficavam desnorteadas, tendo que correr de um lado para o outro o tempo todo.
Tal filosofia de jogo exige jogadores que sejam habilidosos tanto na marcação quanto na armação. Que saibam defender e chutar a gol. Que sejam inteligentes e tenham visão de jogo, para perceber que posição ocupar em cada momento do jogo. E os holandeses tinham esses jogadores, comandado por um dos 5 maiores nomes da história do futebol, Johann Cruyff.
Mas mesmo com Cruyff, Rep, Resenbrink, Neeskens e Krol, um time se movendo em bloco o tempo inteiro mais cedo ou mais tarde vai sofrer um contra-ataque numa bola longa quando não tiver ninguém na defesa. Para evitar isso, a "Laranja" ressuscitou uma tática de uma época anterior ao WM: a linha de impedimento.
Movendo-se como uma única unidade perfeitamente coordenada, se os jogadores que estivessem funcionando como defensores percebessem que alguém ia lançar um sujeito por trás deles, se adiantavam todos ao mesmo tempo e o atacante estava impedido na hora do passe. Era mais um truque do surpreendente repertório holandês, que deixava os adversários atônitos e frustrados. Era uma nova concepção de futebol, que iria passar por cima de todo mundo. Até a derrota na final, com o futebol nem tão total, mas que usava alguns desses conceitos, da Alemanha. O "futebol parcial", digamos assim.
E é esse "futebol parcial" que se joga até hoje. Espera-se intensa movimentação de qualquer time, mas nunca mais se juntou numa equipe tantos jogadores capazes da perfeição holandesa. A linha do impedimento foi copiada no mundo todo, mas em poucos anos os atacantes aprenderam a evitá-la partindo de trás dos defensores e só equipes que precisam atacar de qualquer maneira a utilizam como recurso desesperado. A marcação sob pressão é usada para paralisar equipes muito técnicas, mas é preciso marcar um ou mais gols na primeira meia hora. Após esse período os jogadores ficam exaustos e entregam o controle da partida para o adversário.
O carrossel holandês foi também a última verdadeira inovação tática no futebol, apesar da vida curta. Até hoje se usa quase universalmente o 4-4-2 e suas variações: varia a distribuição entre cabeças-de-área e meias-atacantes na linha média; os laterais brasileiros atacam, enquanto os europeus são mais contidos; um cabeça-de-área pode ser recuado para jogar como líbero atrás da defesa. O mundo ainda não estava preparado para o futebol total. Em 1986 a Dinamarca tentaria algo parecido aumentando a quantidade de apoiadores e lançaria o último esquema novo a surgir: O 3-5-2.

A COPA DE 1974

A Alemanha ganhou o direito de sediar a Copa pelo mesmo motivo que o México: organizaria uma Olimpíada dois anos antes e teria toda a infra-estrutura necessária prontinha. Os brasileiros levaram a taça Jules Rimet definitivamente e um novo troféu foi feito. Para parecer mais moderninho deixaram o troço com cara de inacabado. E acabaram os jogos eliminatórios. Os 16 times continuavam divididos em 4 grupos, com os dois primeiros colocados passando para a próxima fase, em que eram distribuídos em duas chaves com 4 equipes. Os vencedores da chave jogavam a final. Os segundos colocados disputavam o terceiro lugar. E o Brasil era o favorito.
Em 1973 uma longa excursão pela Europa trouxe a primeira derrota para a seleção brasileira em anos (para a Suécia), além de alguns bons resultados (1 x 0 sobre a Alemanha, por exemplo). Mas os empates e os placares magros irritaram o público e a imprensa. A culpa era do defensivismo de Zagallo.
Não era. Pelé largou a seleção. Seu herdeiro Tostão abandonou o futebol com um sério problema na vista. Gérson pendurou as chuteiras. Zagallo perdera a coluna dorsal da equipe. Não era fácil substituí-los. Para piorar, Jairzinho, aos 30 anos, não tinha mais a mesma explosão, Clodoaldo e Carlos Alberto se contundiram e o reserva deste, Zé Maria, também! Paulo César Lima, o camisa 10, fora vendido ao Olympique de Marselha e jogou o Mundial preocupado com sua carreira na Europa. Olhando retroativamente é de surpreender que os brasileiros tenham ido tão longe. Parecia 1966. Os brasileiros estrearam sem ter um time titular.
E a estréia foi péssima. Num jogo chatíssimo o Brasil empatou em 0 x 0 com a Iugoslávia. O goleiro Leão foi o melhor brasileiro em campo. A partida seguinte foi contra o medíocre time escocês. Outro 0 x 0 e outra grande atuação de Leão. A seleção estava em terceiro lugar no grupo, à frente apenas do fraquíssimo Zaire e para se classificar precisava vencer os africanos por três gols.
Jairzinho fez 1 x 0 logo aos 13 minutos. Foi tudo no primeiro tempo. Só aos 22 Rivellino aumentaria. O ponta-direita Valdomiro faria o terceiro aos 31 quando errou um cruzamento e o goleiro africano falhou incrivelmente. Valdomiro, aliás, entrara na equipe naquele jogo, pois a torcida e a imprensa pressionavam por um autêntico ponteiro para resolver os problemas de ataque.
Os problemas eram muito maiores. O Brasil ainda usava um 4-2-4 disfarçado de 4-3-3, mas não tinha mais jogadores tão brilhantes para fazê-lo funcionar. Havia sempre uma quantidade maior de adversários no meio-campo e assim a seleção simplesmente não conseguia armar os ataques. Jairzinho não tinha mais a mesma força física e perdia constantemente as divididas. Por estar sempre caindo, engraçadinhos começaram a chamá-lo de "Fura-chão da Copa" E num tempo sem Internet, tevê a cabo e transmissão de campeonatos europeus, Zagallo simplesmente desconhecia os avanços táticos no resto do mundo!
Frente ao lento e pouco produtivo jogo brasileiro a Holanda parecia vir do futuro. Com seus jogadores rodando pelo campo o tempo todo, centroavantes viravam zagueiros e vice-versa. O lateral-direito virava ponta-esquerda. O cabeça-de-área virava ponta-direita. E todo mundo estava sempre perto do adversário que estivesse carregando a bola. Era o carrossel holandês, a sensação da Copa, capitaneado pelo fantástico Cruyff.
Os anfitriães alemães também tinham seu rodízio. O genial Beckenbauer, perto dos trinta anos, jogava então de líbero, mas confundia a marcação adversária aparecendo constantemente no ataque. Breitner, nominalmente um lateral, passava a maior parte do tempo no meio-campo. E na frente eles tinham Gerd Muller, o maior artilheiro da história das Copas (Ronaldo Fenômeno tem excelentes chances de ultrapassá-lo em 2006). O outro grande time da Copa era a Polônia, que contava com Lato, Deyna, Zmuda e Szarmach.
Assim como em 1954, o técnico alemão, Helmut Schoen, incluiu uma derrota em seu planejamento para o título. Disputando o primeiro lugar do grupo com a Alemanha Oriental comunista, numa época em que o país ainda estava dividido pelo Muro de Berlim, preferiu perder o jogo por 1 x 0 a enfrentar os holandeses e os brasileiros na próxima fase. Pela frente teria de perigosa apenas a Polônia.
A Alemanha Oriental, crente que estava abafando, estreou na segunda fase contra os decadentes campeões, os brasileiros. Zagallo havia substituído Piazza por Carpeggiani e o atacante Leivinha pelo apoiador Dirceu, atletas de pensamento mais moderno, com maior mobilidade e poder de marcação, escalando o time praticamente em 4-4-2. O Brasil apresentou uma melhora, mas a vitória só saiu numa jogada ensaiada em cobrança de falta: Jairzinho ficou no meio da barreira e se abaixou quando Rivellino chutou. A bola passou exatamente por ali, surpreendendo o goleiro. Na outra partida da chave a Holanda jogou sua melhor partida e fez 4 x 0 numa Argentina cujos únicos destaques eram Perfumo e Kempes.
Mas Argentina x Brasil é clássico e clássico não tem favorito. Os brasileiros tiveram sua melhor exibição e fizeram 1 x 0 aos 32. Os portenhos empataram em cobrança de falta dois minutos depois, mas Jairzinho desempatou aos 3 do segundo tempo. Os holandeses fizeram 2 x 0 nos alemães falsificados. Mesmo jogando mal, com um time confuso e sem brilho, os brasileiros iriam disputar um lugar na final com a Holanda na última rodada. A "Laranja" teria a vantagem do empate por ter um saldo de gols melhor. No outro grupo Alemanha e Polônia decidiriam a vaga.
Nos anos 90 um torcedor holandês diria que o uniforme canarinho, com suas corres berrantes, seria brega em qualquer outro time. Vestindo a seleção que veste parecia avisar que lá vinham os brasileiros. Ninguém ousaria criticar o gosto daquela seleção. E os holandeses dos anos 70 também pensavam assim. Mesmo com todas as dificuldades que o Brasil enfrentava, a Holanda entrou cautelosa, jogando um futebol mais convencional.
A linha de impedimento falhou e Paulo César entrou sozinho na cara do goleiro. Chutou para fora. Jairzinho também ficaria sozinho na frente do arqueiro holandês e desperdiçaria. Mas depois dessas chances os holandeses foram se tranquilizando e o carrossel começou a rodar. Depois da primeira meia hora os brasileiros passariam o jogo correndo atrás da Holanda. No segundo tempo a "Laranja" faria 2 x 0. O grande Cruyff marcaria o segundo em impedimento, mas a superioridade de seu time era indiscutível. Acabava uma invencibilidade brasileira de 11 jogos em Copas.
Os alemães entraram contra a Polônia também com a vantagem do empate por saldo de gols e aproveitaram-na bem para vencer por 1 x 0, gol de Muller aos 31 minutos. Restava a eles mostrar o que podia parar a Holanda.
E parecia que nada mesmo. A primeira vez que os germânicos tocaran na bola na final foi para dar uma nova saída. A "Laranja" já vencia por 1 x 0, em cobrança de pênalti sobre Cruyff, depois de rodar a pelota por 14 jogadores! Os holandeses, certos de sua invencibilidade, passaram a ficar tocando a bola sem se preocupar muito em atacar. Afinal, era óbvio que ninguém podia detê-los. Sem dúvida, em pouco tempo eles aumentariam.
Eles estavam agindo exatamente como os húngaros em 1954.
Os alemães eram mais experientes. Tinham um craque tão excepcional quanto Cruyff, Beckenbauer, disputando sua terceira Copa, assim como Overath. Muller jogava sua segunda e já era o maior artilheiro de sua história. Maier e Vogts também jogaram em 1970. Eles não se assustaram com a vantagem adversária e aproveitaram o relaxamento holandês para empatar aos 25 minutos. E Muller fez o segundo aos 43.
Foi quando os holandeses se perderam completamente.
Vogts perseguiu Cruyff pelo campo inteiro, com rodízio ou não. Anulou o craque da "Laranja". O restante do time, muito nervoso, errava constantemente. O lendário goleiro alemão, Sepp Maier, não precisou trabalhar muito. E, pela segunda vez em vinte anos, os alemães derrotaram uma equipe revolucionária e favorita absoluta.
Pela primeira vez em Mundiais todos os times sul-americanos foram uma decepção. O Uruguai de Pedro Rocha não venceu um jogo. A Argentina foi goleada e acabou em oitava. O Brasil chegou em quarto, depois de outra péssima exibição e derrota para a Polônia. Parece uma boa colocaçaõ, mas a seleção não jogou bem em nenhum momento. A Alemanha mantivera a tradição européia de um jogo sólido e eficiente, mas o futebol mais vistoso viera de dois países sem tradição no esporte, Polônia e Holanda. O mundo inteiro começou a experimentar com trocas constantes de posição, linhas de impedimento e marcação sob pressão. Sem ter um Cruyff ninguém conseguiu igualar a "Laranja Mecânica". E em 1978 acabaria sendo disputada a mais equilibrada e taticamente confusa Copa da história.

CRUYFF

Na falta de tevê a cabo, internet e VHS, para alguém conhecer um grande craque estrangeiro só na Copa do Mundo ou indo ver ao vivo. Um jornalista brasileiro de férias pela Europa resolveu conferir aquele tal Cruyff de quem todos falavam tanto, ainda mais depois que se transferiu para o Barcelona.
A impressão inicial foi a de que o holandês era meio apático e peladeiro. Durante todo o primeiro tempo ele apareceu na meia-direita, na meia-esquerda, na ponta-direita, na ponta-esquerda, sem fazer nada de realmente útil para o time. “Mais uma invenção européia”, pensou nosso conterrâneo. Porém, no segundo tempo, Cruyff se fixou entre a meia-direita e a ponta-direita e acabou com o jogo, marcando gols e dando passes para outros. Só então o jornalista se tocou do que acontecera: ele passara o primeiro tempo procurando o ponto fraco do adversário, o melhor lugar para jogar!
Foi essa capacidade de não só visualizar o campo de jogo como um mapa de batalha (característica que, de resto, Gérson, Falcão, Didi e Beckenbauer também demonstravam) como também criar para o futebol o equivalente da blitzkrieg alemã, que tanto rebuceteio causou nas linhas aliadas durante a II Guerra Mundial, que o levou a integrar todas as listas de melhores jogadores de todos os tempos. Com uma movimentação incessante e orientando os companheiros para fazer o mesmo, ele seria o cérebro e a alma por trás do Carrossel Holandês, o estilo de jogo que assombrou o mundo.
Cruyff nasceu em 1947 e desde que se lembra sempre quis se tornar jogador profissional. Aos 7 anos já estava na escolinha. Aos 12 seu pai faleceu vítima de um ataque cardíaco e aos 13, para consternação de sua mãe, largou a escola para dedicar-se inteiramente ao futebol. A educação formal não lhe fez falta e sua inteligente e original abordagem do eterno problema “como marcar um gol no adversário?” logo chamou a atenção do treinador Rinus Michels, que indicou um trabalho de desenvolvimento muscular para aquele jovem cerebral e franzino.
Aos 19 anos Cruyff já era titular do Ajax e destacava-se como armador, ponta e centroavante, sem nunca cometer uma falta. Também chegou à seleção nessa idade, atuando com a camisa laranja até 1977. Para o resto do mundo, entretanto, aquele inovador atacante só começaria a chamar atenção quando seu clube, até então desconhecido, foi bicampeão da Liga dos Campeões, em 1971/1972, sucedendo a conquista de outro time holandês, o Feyenoord, em 1970.
Esses títulos iriam se refletir na seleção holandesa da Copa de 1974. Com Cruyff movimentando-se o campo todo, seus companheiros acompanhando-o enquanto outros se deslocavam para manter sempre alguém ocupando as posições essenciais, o mundo foi apresentado ao “futebol total”, o carrossel holandês, o rodízio de jogadores que hoje faz parte do repertório de qualquer equipe, embora em escala muitíssimo mais reduzida.
A “Laranja Mecânica”, como ficou conhecido o time da Holanda, chegou até a final. Quando foi dada a saída Cruyff tocou para um colega e a bola rodou por 14 holandeses antes de voltar para o atacante franzino, que arrancou do meio-campo, driblou dois jogadores e foi derrubado na área. Pênalti que Neeskens cobrou. A Alemanha, aos 3 minutos, perdia por 1 x 0 e ainda não tinha conseguido tocar na bola. Infelizmente para os amantes do bom futebol, a seleção holandesa se desinteressou do jogo, achando que já era vitoriosa, e deixou Beckenbauer comandar a virada.
A aguda inteligência de Cruyff, sem ter sido padronizada por uma educação normal, refletia-se em sua gramática aberrante, seus longos monólogos para provar um ponto (depois reunidos em um livro, Ensaios em sua Forma Mais Pura) e seu espírito de liderança. Também espraiava-se em declarações arrogantes (“antes de cometer um erro, eu não cometo o erro” ou “não creio que haverá um dia em que se falará de Cruyff e alguém não saberá do que está se falando”) que lhe custaram inimizades e o cargo de capitão do Ajax. Por isso - e pelo dinheiro, é claro - transferiu-se em 1973 para o Barcelona.
Depois de 1977, quando só participou dos jogos mais importantes das eliminatórias, não mais jogou pela seleção. Cruyff terminou sua carreira jogando na Liga Americana, na segunda divisão espanhola e pelo Feyenoord, pelo qual foi campeão holandês mais duas vezes, em 1983 e 1984. Passando a treinador, tem uma carreira brilhante e foi graças a ele que Romário foi parar no Barcelona e retirado da semi-obscuridade do PSV Eindhoven.
Apesar de nunca ter conquistado um título com a seleção holandesa, pela qual só jogou 48 vezes, Cruyff conseguiu ser eleito o melhor jogador da Copa de 1974 e é unanimemente considerado um dos melhores jogadores de todos os tempos, ao lado de craques como Maradona, Beckenbauer e Zico. Uma honraria mais do que merecida para um dos jogadores que mais inovou no futebol mundial.

BECKENBAUER

Se a Holanda tinha Cruyff se movendo pelo campo todo, a Alemanha tinha Beckenbauer. Foi o "kaiser" (ou "imperador") Franz quem pegou aquela posição defensiva criada por Helenio Herrera, e, com seu soberbo senso de colocação, estratégia e visão de jogo, percebeu que poderia transformá-la no cérebro do time.
O líbero originalmente era um defensor que ficava atrás da defesa, para cobrir qualquer zagueiro. Assim, não tendo nenhuma obrigação defensiva fixa, Beckenbauer partia lá de trás com a bola dominada e a carregava, em seu modo característico, com a cabeça levantada estudando o gramado à sua frente como se fora um campo de batalha, até às vezes a área adversária. Ou à intermediária, onde lançava um companheiro com seus passes e lançamentos precisos. Ou à meia-lua, onde a chutava com força e endereçamento certo. Sempre confundindo a marcação adversária, que não entendia o que aquele zagueiro estava fazendo organizando todo o jogo do time.
Beckenbauer era um estilista, elegante e inteligente. Nascido no ano da derrota alemã na II Guerra Mundial, 1945, aos 14 anos estava nos juvenis do Bayern de Munique. Em 1964 era o ponta-esquerda recuado (a posição que Zagallo inventou) do time titular e aos 20 anos, em 1965, estreou na seleção germânica. Com 21 anos estava no Mundial de 1966, onde marcou 2 gols e foi um destaque da campanha teutônica, que os levou à final e à derrota para a anfitriã Inglaterra com o famoso gol que não entrou (ou entrou?). Beckenbauer declararia mais tarde que "ser vice-campeão da Copa não é tão ruim para um jogador jovem".
Em 1970 ele já era a estrela maior do time alemão, mesmo que Gerd Muller fosse o maior artilheiro da história dos Mundiais. A Alemanha só saiu da disputa nas semifinais, numa empolgante prorrogação vencida pela Itália por 4 x 3 (1 x 1 no tempo normal!!!). O Kaiser Franz protagonizou uma cena que ficou imortalizada: após deslocar o ombro, voltou a campo com o braço enfaixado, numa desesperada tentativa de manter os germânicos na corrida para o título. Não deu daquela vez. Ele ainda teria que esperar 4 anos.
Jogando em casa e na posição que revolucionou, o líbero que avançava e organizava o time, desarrumando a marcação adversária, Beckenbauer finalmente conquistou o título que tão perto estivera de suas mãos por duas vezes. Na final entrou como azarão, mas venceu o jogo de virada. Se em 1966, como ele disse, a Inglaterra foi campeã porque Bobby Charlton foi melhor do que ele, em 1974, sem dúvida a Alemanha venceu porque ele foi melhor do que Cruyff, que ele disse ser o maior jogador que jamais enfrentou (ele nunca teve Pelé pela frente).
Depois desse título, foi tricampeão da Liga dos Campeões com o Bayern de Munique. Não jogou a Copa de 1978, apesar de ter apenas 31 anos. Transferiu-se para o futebol americano e voltou para a Alemanha em 1982, aos 35 anos, jogando pelo Hamburg. Foi campeão mais uma vez. Em 1983 retornou aos EUA e pendurou as chuteiras no Cosmos.
Apenas um ano depois de parar de jogar, Beckenbauer tornou-se o técnico da seleção alemã. Já em 1986 leva a Alemanha à final, quando vai atrás de um placar desfavorável de 2 x 0, apenas para perder em (mais) uma jogada genial de Maradona. Mas em 1990 ele vai à forra e vence a Argentina por 1 x 0, para se tornar o segundo homem a ser campeão mundial como jogador e técnico - o primeiro foi Zagallo.
Beckenbauer é o presidente do comitê organizador da Copa de 2006. O que garante que ela pelo menos será elegante.

3 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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Excelente artigo, descreveu em termos acessíveis aos leigos o famoso esquema tático da seleção holandesa de 74. Dois reparos: antes de perder para a Suécia, na excursão de 73, o Brasil já tinha perdido para a Itália, por 2 a 0; e contra a Holanda, o Brasil jogou de azul...