abril 21, 2010

Jornada nas Estrelas - A Série Original



O Lamento de Adônis


“Eu nunca vi um deus antes”, diz em certa altura o sr. Chekov. É porque ele só entrou no elenco na segunda temporada, senão já estaria de saco cheio deles. Tanto que logo na segunda aparição dele no seriado já dá de cara com um.

Mais uma vez a nossa espaçonave favorita topa com um ente semidivino com um inaudito interesse na raça humana. A diferença é que dessa vez ele realmente se apresenta como um deus, e como um deus terráqueo: o bom e velho Apolo. E para provar como ele tem realmente conhecimento de mitologia, está usando um traje que talvez fosse barrado no Grande Gala Gay por ser muito gay (Apolo era chegado).



O episódio segue uma estrutura extremamente previsível: a nave encontra uma força desconhecida que a paralisa e aprisiona (uma mão gigante); o dono da mão se apresenta e requer a presença do alto comando da astronave em seu planeta. Kirk e seus comandados descem ao planeta, onde se recusam a ceder aos caprichos do autodeclarado deus; a mulher do grupo vai ver seu traje virar um vestido de noite extremamente revelador, ainda mais para os padrões da tevê americana de 1967; encheção de lingüiça durante uns vinte minutos; e o final. Pelo menos aqui, devido ao já citado memorando dizendo que todas as tramas deviam ser resolvidas pelos personagens principais, não aparece um deus ex machina (não resisti ao trocadilho) para solucionar tudo e devolver as coisas aos seus devidos lugares.



O resumo acima poderia muito bem ser o mesmo de “O Senhor de Gothos”, mas há pelo menos um detalhe que destaca a historinha da semana frente a seus pares: Kirk em certo momento deduz que o Apolo na verdade não é um deus, mas um alienígena poderosíssimo, capaz de manipular energia com um órgão no peito, pertencente a uma raça que pousou no Mediterrâneo quando os aqueus, jônios e dórios estavam começando a construir sua civilização. O primeiro pensamento do blogueiro foi o de que Kirk também tinha lido “Eram os Deuses Astronautas?” na infância, mas uma rápida consulta na Internet esclareceu: o livro do von Daniken é de 1968, enquanto este episódio é de 1967. Rapaz, foi Gene L. Coon que deflagrou aquela verdadeira febre dos anos 70????? Quem não estava lá não tem ideia da obsessão que essa hipótese virou, com livros e livros sobre o assunto, em breve misturando-se a discos-voadores, Atlântida, Triângulo das Bermudas e afins e criando o clima para as teorias da conspiração que povoam a Internet e fizeram a fama do arquivo x. Meus cumprimentos a Gene Coon por estar antenado com o momento, como já mostrara em “Missão de Misericórdia”, e prever a onda que se avizinhava na ficção científica.



As esquemáticas idas e vindas de Apolo, sem muito motivo além de comer a historiadora (parece que historiadora é a mulher mais fácil do futuro, como Khan diria), tentam preencher o tempo de uma trama que melhor caberia numa meia hora de “Além da Imaginação”. A súbita aparição de um interesse romântico para o sr. Scott, para prover um conflito no envolvimento da moça com o deus, soa forçada e ressalta uma mudança de sensibilidade de época, pois nos anos 60 ainda existia a cultura de noivas casando com homens bem mais velhos (curiosamente, o intérprete de Scott, James Doohan, já cinquentão, casou-se com uma adolescente que conheceu numa convenção de Star Trek, provavelmente deixando os nerds com sentimentos conflituosos, entre a admiração que sentiam pelo engenheiro de bordo da Enterprise e o ressentimento pelo ator ter pego provavelmente a única representante do sexo feminino a frequentar tais eventos).



Ao fim, quando mais uma vez Kirk convence uma historiadora a trair seu amante para salvar a Enterprise, o programa também mostra esse mesmo conflito de emoções. Depois de por várias vezes ressaltar que o tecnológico século XXIII não precisa de deuses e recusar seguidamente a proposta de Apolo para que o adorasse, nosso capitão estelar favorito consegue destruir a fonte de poder do olimpiano e assiste a uma emocionante despedida dele, juntando-se aos outros mitos gregos no ostracismo, o que o leva a confessar que talvez uma adoraçãozinha não fosse um preço tão grande para dar ao Universo um toque da poesia e do misticismo que Coon tanto prezava e achava que era, afinal, mais do que a tecnologia, o que nos fazia humanos e com vontade de sermos independentes de seres superiores.



Digno de nota:

- Apolo se gaba de ter conhecido mulheres antes (e só cita três em uma vida imortal, hmmmmm...): e ainda por cima arrola entre suas conquistas Dafne, que na verdade preferiu virar árvore a dar pro bofe. Vejam só, os deuses também contam vantagens sobre mulheres;

- A tenente gostosa é interpretada por Leslie Parrish, a filha do senador liberal que se casa com o assassino programado na obra-prima “Sob o Domínio do Mal” (o original, é claro). Ela continua tão bonita quanto no longa e, como lá, aparece mais nua do que a censura da época gostaria – tirando a blusa e ficando só de sutiã na presença de um rapaz que acabou de conhecer no cinema e com um vestido extremamente revelador na tevê. Aliás, coincidentemente, as duas personagens são atiradinhas e saem dando sem muitas delongas. Leslie Parrish foi durante muito tempo esposa de Richard “Fernão Capelo Gaivota” Bach.

- Hora de glória da Uhura: com Scott lá embaixo, é ela que tem que fazer o gatilho pra conseguir retomar a comunicação com o grupo no planeta lá embaixo, sob o olhar de Spock, que confessa não haver ninguém melhor do que ela para tal função.

- Contagem de corpos: um alienígena que foi tomado como deus pelos helênicos se suicida.

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